Folha de SP - 20/01
Marina Silva está de volta. Se o Tribunal Superior Eleitoral cassar os mandatos de Dilma Rousseff e Michel Temer, o Brasil terá uma eleição presidencial neste ano e Marina poderá lembrar que sua candidatura não contém pesticidas, glúten, nem menções na Lava Jato. Mesmo que isso não aconteça, o grau de deterioração do sistema partidário chegou a um ponto que Marina será uma candidata altamente competitiva em 2018. Seu novo partido é jovem e virgem, pois nenhuma roubalheira chegou a quilômetros de distância da ex-ministra do Meio Ambiente de Lula.
Depois de passar algum tempo em silêncio, Marina reaparece condenando o movimento pelo impeachment de Dilma (que empossa Temer) e defendendo a intervenção do TSE. Numa entrevista ao repórter Marcelo Leite, a professora expôs a concepção "marineira" dos problemas nacionais oferecendo uma esperança, ela. Reapresentou a barafunda retórica que contribuiu para a ruína de sua campanha em 2014.
Definiu-se como "sustentabilista progressista", condenou o uso de rótulos e classificou seu partido como um "experimento" de superação do PT e do PSDB, que rotula como social-democratas. A Rede seria um partido tradicional, de massas e de quadros. Ele busca "um modelo de desenvolvimento que seja sustentável nos seus aspectos econômico, social, ambiental, cultural, político, ético e até mesmo estético".
Essa construção pode dizer tudo, ou nada. Marina exercitou um velho hábito: diz o que não é, mas não diz o que é. Como o freguês que entra num restaurante, lê o menu e diz o que não quer comer. Não quer uma "perspectiva de terra arrasada" porque busca "uma nova síntese". Não quer "megaestruturas para ficar fazendo política como muitos vinham fazendo". Não quer hegemonia nem a sacralização do seu partido. Diante da confusão geral, Marina Silva diz que "o primeiro dever de casa que temos de fazer é trabalhar de fato no programa, de estabelecer prioridades".
Chega-se assim ao programa Marina.
Na eleição de 2014, em menos de três meses, ela teve um desempenho tão espetacular quanto melancólico. Depois da morte de Eduardo Campos, em agosto, conseguiu uma ascensão fulminante, ultrapassando Aécio Neves e liderando as pesquisas para o segundo turno com dez pontos de frente sobre Dilma Rousseff.
Teve duas adversidades: seu escasso tempo no horário gratuito na televisão (dois minutos) e a barafunda de seu programa de governo. Nele apresentava propostas econômicas racionais e saídas políticas visionárias, como a "democracia de alta intensidade" com a convocação de plebiscitos. Em setembro, os adversários começaram a atacá-la e, nos últimos dias da campanha, Aécio recuperou-se, deixando-a fora do segundo turno, mas com 20 milhões de votos.
Marina cometeu o erro de acreditar que poderia se eleger com propostas indecifráveis, vagas ou mesmo conflitantes. Foi obrigada a recuar, mas pode-se dizer tudo dela, menos que tenha mentido com a grandiosidade pertinaz de Dilma Rousseff.
Na sua versão Rede, a ex-ministra corre o risco de reviver um episódio ocorrido há décadas. Um sociólogo de fala desconexa terminou sua exposição e o divertido deputado gaúcho Temperani Pereira cumprimentou-o: "Saiba que diante de suas palavras estou incorrobúvel e imbafefe".
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