Por Fátima ChuEcco
Os cães que você vai conhecer a seguir estão vivos e têm claramente uma missão de vida. São símbolo incontestável da luta contra a vivissecção – uma das piores formas de escravidão, com sofrimento físico e emocional diário que pode durar semanas e até meses. Retirar cobaias com vida de um laboratório veterinário e dar a elas uma segunda chance é mais difícil que ganhar o primeiro prêmio de uma loteria.
Mas isso aconteceu e bem aqui, no Brasil, no final de 2015. Por isso é tão importante essa história ser conhecida, compartilhada e servir de inspiração para ativistas, docentes e estudantes de Veterinária, e pessoas que amam os animais em geral.
Jamal, um cão preto simpático com elegantes patinhas brancas, que se dá bem com pessoas e totalmente tranquilo perto de outros animais, foi um dos 14 cachorros retirados das ruas para servirem de cobaia na UFV - Universidade Federal de Viçosa (MG). Por meio de procedimentos invasivos e dolorosos eles foram induzidos a uma doença chamada orteoartrite que é crônica e incurável. Para isso, tiveram importantes ligamentos das pernas rompidos.
Se só de pensar no procedimento nos causa aflição, imagine passar por isso!
Mas os 14 cães de rua enfrentaram essa crueldade, inclusive, financiada por Orgãos de pesquisa. Eles não tinham casa nem tutor para reclamar por eles, é verdade, mas eram saudáveis, cheios de alegria e plenamente adotáveis. Mas não deu tempo. Do CCZ mantido dentro da UFV foram arrancados e levados direto para o laboratório de pesquisa onde estiveram por cerca de dois longos meses.
Protetores locais se uniram a ativistas de outros Estados, sensibilizaram a população e até o Ministério Público. Passaram dias e noites atrás de documentos e argumentos que pudessem auxiliar na libertação dos animais. E, finalmente, quando a vida desses cães já estava (literalmente) “ por um fio”, a poucas horas de serem mortos, descartados após os experimentos cujos resultados foram inconclusivos, veio a ação judicial exigindo a soltura deles e a permissão para serem entregues a protetores.
Ufa! Foi tão por pouco que mal dava para acreditar. Naquele dia, 3 de dezembro de 2015, era registrado um fato inédito e impactante na história da causa animal do Brasil. Então vários protetores foram buscar os cães que deixaram a UFV com olhares que continham um misto de medo e alegria.
Impossível descrever a emoção daqueles que puderam fazer parte desse momento histórico. Alguns cães foram adotados em Minas e sete foram levados para o sítio da ONG Cão Sem Dono em SP (vide foto). Mas além da expectativa de uma nova vida, lamentavelmente, todos eles levaram também sequelas.
Jovens, com apenas entre 1 e 4 anos de idade, foram condenados a uma enfermidade comum a animais mais idosos e obesos, e bem pouco comum em cães sem raça definida. Alguns também tiveram problemas nos olhos. O cão Leônidas, por exemplo, adotado em Minas, ficou quase cego. E Átila não podia ver água que urinava de medo – uma sequela emocional que teve de ser curada com muito amor.
A veterinária Michelly Cristine Rodrigues, que tratou dos sete cães no sítio da Cão Sem Dono, disse que quando uma pessoa se interessa em adotar um deles é advertida sobre a necessidade de dar uma medicação contínua: “Esses cães fizeram vários exames e foram tratados. Não sentem dor no momento, mas a doença a que foram induzidos, a osteoartrite, costuma ser progressiva, portanto, precisam tomar condoprotetores para conter a progressão. O adotante precisa realmente estar bastante interessado no cão com esse problema e disposto a arcar com essa responsabilidade. O remédio é caro e precisa ser ministrado diariamente”.
Mas a veterinária ressalta que os cães estão ótimos, engordaram, possuem ótima índole e têm uma vida normal. “Inclusive, o Manuel, que também foi cobaia em Viçosa, recentemente foi adotado por um casal de médicos e está sendo muito bem aceito.
Os cães Glauco e Betinho, igualmente procedentes de Viçosa, também foram adotados. Agora temos no sítio a Angela, o Bob, o Jamal e o Perninha que, infelizmente, ficou com uma sequela mais visível e incômoda que o faz mancar”.
Valéria Pisoresi é uma das voluntárias da ONG Cão Sem Dono (na foto com o cão Jamal) e se comoveu bastante com o episódio: “Foi muito triste aquilo tudo, mas a história ainda não acabou.
Torço para que esses cães encontrem um lar. Há gente disposta a adotar um cão mesmo sabendo que ele terá que usar algum tipo de medicamento a vida toda. Eu mesma adotei a Hanna, minha cadela, sabendo que ela tinha tido cinomose. Eu e meu marido estamos bem felizes com ela”, conta.
Rafael Miranda, fundador da Cão Sem Dono, diz que se surpreendeu com a recuperação dos animais: “Eles chegaram bem debilitados, mas conforme foram recebendo atenção e carinho começaram a reagir muito bem.
Eu acredito que todo cão, em qualquer situação, é adotável. Por isso espero que os sobreviventes de Viçosa possam também ter um lar, pois, embora no sítio a gente tente dar o máximo de conforto possível, é uma situação muito diferente de estar numa casa, junto de uma família. Estamos com mais de 300 animais e sérias dificuldades econômicas. Esperamos contar com a ajuda da população para encontrar lar para esses cães”.
A veterinária Michelly não concorda com o uso de animais saudáveis em experimentos: “Há muitos animais com osteoartrite e outras doenças morrendo todos os dias sem qualquer tratamento porque seus tutores não podem pagar veterinários e cirurgias. É preciso mudar essa mentalidade e postura de causar sofrimento em animais saudáveis quando há tantos precisando de ajuda”.
No dia 3 de março, um grupo de professores e alunos de Medicina e Medicina Veterinária de Botucatu deu um belo exemplo de como “ensinar” salvando vidas. Implantaram um marcapasso na cadelinha Joana que, de fato, precisava desse procedimento, pois, corria risco de vida. A paciente sobreviveu e sua cirurgia poderá ser assistida por mais estudantes.
A ação foi realizada por meio de uma parceria entre a Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) e a Faculdade de Medicina (FM) da Unesp de Botucatu.
Além da importância da parceria multidiscilplinar entre setores da FMVZ e da FM, a professora Maria Lúcia Gomes Lourenço, do Setor de Cardiologia Veterinária, salientou os benefícios para o ensino: “Como não é uma cirurgia feita rotineiramente, foi muito importante para que os residentes e pós-graduandos de várias áreas pudessem acompanhar esse procedimento, além de possibilitar a interação com a equipe da Faculdade de Medicina.
Agora, temos um exemplo para mostrar sobre colocação de marcapasso em cães. Isso gera um grande interesse nos alunos. Além de atender o animal, todo o processo foi muito produtivo e estimulante em termos didáticos”.
Não há nada mais eficaz (e ético) que tentar tratamentos em animais que realmente precisam ser tratados. Professores e alunos de Veterinária precisam começar a exigir esse novo olhar sobre o curso. É muito mais enriquecedor lidar com um paciente de verdade. Sem falar que, o objetivo dessa profissão é salvar e não aniquilar vidas.
Fátima Chuecco é jornalista ambientalista e ativista da causa animal. É autora dos livros "MI-AU BOOK - Um livro pet-solidário" e "MI-AU-BOOK & Cia", além de fazer parte de três coletâneas todas focadas em animais. Tem passagens pelo SBT Repórter, Diário de SP, Correio Popular de Campinas, Consulado da Austrália, Revista Meu Pet e Instituto Supereco/Projeto Tecendo as Águas.
2 comentários:
Átila ficou comigo...Átila e Felipe conosco da Ong Bendita Adoção que viabilizamos o resgate e pedimos a participação dos amigos da Cão sem Dono ;)
Átila ficou comigo...Átila e Felipe conosco da Ong Bendita Adoção que viabilizamos o resgate e pedimos a participação dos amigos da Cão sem Dono ;)
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