Por Raquel Rolnik, Folha de S. Paulo
Está em fase final de discussão a minuta
de um acordo que tem por objetivo definir as ações de reparação
ambiental, compensação e indenização às vítimas do maior desastre ambiental já ocorrido no país, o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), em novembro do ano passado.
O acordo está sendo negociado e deverá
ser assinado entre a mineradora Samarco, a Vale e a BHP Billiton –
responsáveis pela tragédia -, a União, os estados de Minas Gerais e do
Espírito Santo, bem como o Ministério Público Federal e os respectivos
ministérios públicos estaduais.
O problema fundamental desse acordo, que
prevê R$ 18,8 bilhões de gastos inteiramente custeados pelas empresas,
por um período de 15 anos, é que caberá a elas – e a mais ninguém –
decidir como e onde esse dinheiro será aplicado e quem terá direito à
indenização.
Explico: segundo a minuta que está em
discussão, as empresas criarão uma fundação de direito privado, por meio
da qual executarão ações de “reparação, mitigação, compensação e
indenização pelos danos socioambientais e socioeconômicos” decorrentes
do desastre.
Caberá a essa fundação elaborar um plano
de investimentos para a região, a fim de reparar os impactos do
desastre nos campos ambiental, social, histórico-cultural e econômico, a
partir de um rol bastante abrangente e minucioso de considerações e
ações que constam do acordo.
Entretanto, a forma como vem sendo
discutido e elaborado este acordo mostra que tudo que está sendo
proposto ficará sob controle das empresas responsáveis pelo desastre.
Por exemplo, o conselho de administração da fundação será composto por 7
membros, sendo 6 representantes das empresas e um indicado por um
“comitê interfederativo” (que, em tese, representa dezenas de órgãos
governamentais de municípios, estados e do governo federal).
Não há qualquer previsão de participação
das vítimas ou de representantes dos indivíduos e comunidades
atingidas, nem sequer em um conselho consultivo (sem poder de
deliberação). Aliás, os afetados pela tragédia não tiveram até agora
nenhuma participação na formulação e negociação desse acordo, o que é
uma flagrante violação de seus direitos.
Assim, as próprias empresas que causaram
o desastre terão o poder de decisão sobre todo o processo de reparação
ambiental, compensação e indenização das vítimas. Sem qualquer forma de
controle social, sem a participação de organizações independentes que
possam representar os atingidos, e com diminuta participação dos
governos de todas as esferas e mesmo do judiciário.
A própria fundação será encarregada de
realizar o levantamento e o cadastro das vítimas – ou seja, decidir quem
terá direito aos reparos, compensações e indenizações – e definir de
que forma tudo isso será feito.Além disso, caso alguém queira contestar
suas decisões, a fundação é que proverá assistência jurídica a essas
pessoas… ou seja, ela mesma pagará os advogados que “defenderão” quem a
ela se opuser!
Um acordo nos termos que estão sendo
propostos apenas repete a lógica que preside a avaliação dos impactos de
atividades como a mineração: são as próprias empresas que contratam os
laudos ambientais que apresentam ao poder público. Só que, muitas vezes,
esses laudos são elaborados sob enorme pressão das empresas, que
devolvem aos consultores seus relatórios revisados e editados,
minimizando os impactos apontados. No fundo, são elas mesmas que definem
se suas atividades são ou não seguras. É possível afirmar, inclusive,
que esta é justamente uma das causas do desastre.
Após a divulgação da minuta do acordo
pela imprensa na semana passada, fontes do planalto afirmaram à imprensa
que o governo defende a inclusão das vítimas nos fóruns de discussão e
decisão referentes a esse processo. Esperamos que isso seja feito.
Como afirmou Sérgio Abranches em
entrevista recente à Rádio CBN sobre o assunto, se em um desastre
ambiental dessas proporções a resposta é a transigência, podemos esperar
que isso seja um convite para um novo desastre.
Prefiro acreditar que ainda está em
tempo de evitar que isso aconteça e que não seja tão pífia a resposta ao
maior desastre ambiental do nosso país.
—
Rompimento da barragem em Mariana é
considerado o mais grave desastre ambiental da história do país. | Foto:
Rogério Alves/TV Senado
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