quinta-feira, 3 de março de 2016

O acordo da Samarco ou as raposas cuidando do galinheiro

O rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco, cujos donos são a Vale a anglo-australiana BHP, causou uma enxurrada de lama que inundou várias casas no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, na Região Central de Minas Gerais. Inicialmente, a mineradora havia afirmado que duas barragens haviam se rompido, de Fundão e Santarém. No dia 16 de novembro, a Samarco confirmou que apenas a barragem de Fundão se rompeu.
Local: Distrito de Bento Rodrigues, Município de Mariana, Minas Gerais.

Foto: Rogério Alves/TV Senado


Por Raquel Rolnik,  Folha de S. Paulo

Está em fase final de discussão a minuta de um acordo que tem por objetivo definir as ações de reparação ambiental, compensação e indenização às vítimas do maior desastre ambiental já ocorrido no país, o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), em novembro do ano passado.

O acordo está sendo negociado e deverá ser assinado entre a mineradora Samarco, a Vale e a BHP Billiton – responsáveis pela tragédia -, a União, os estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, bem como o Ministério Público Federal e os respectivos ministérios públicos estaduais.

O problema fundamental desse acordo, que prevê R$ 18,8 bilhões de gastos inteiramente custeados pelas empresas, por um período de 15 anos, é que caberá a elas – e a mais ninguém – decidir como e onde esse dinheiro será aplicado e quem terá direito à indenização.

Explico: segundo a minuta que está em discussão, as empresas criarão uma fundação de direito privado, por meio da qual executarão ações de “reparação, mitigação, compensação e indenização pelos danos socioambientais e socioeconômicos” decorrentes do desastre.

Caberá a essa fundação elaborar um plano de investimentos para a região, a fim de reparar os impactos do desastre nos campos ambiental, social, histórico-cultural e econômico, a partir de um rol bastante abrangente e minucioso de considerações e ações que constam do acordo.

Entretanto, a forma como vem sendo discutido e elaborado este acordo mostra que tudo que está sendo proposto ficará sob controle das empresas responsáveis pelo desastre. Por exemplo, o conselho de administração da fundação será composto por 7 membros, sendo 6 representantes das empresas e um indicado por um “comitê interfederativo” (que, em tese, representa dezenas de órgãos governamentais de municípios, estados e do governo federal).

Não há qualquer previsão de participação das vítimas ou de representantes dos indivíduos e comunidades atingidas, nem sequer em um conselho consultivo (sem poder de deliberação). Aliás, os afetados pela tragédia não tiveram até agora nenhuma participação na formulação e negociação desse acordo, o que é uma flagrante violação de seus direitos.

Assim, as próprias empresas que causaram o desastre terão o poder de decisão sobre todo o processo de reparação ambiental, compensação e indenização das vítimas. Sem qualquer forma de controle social, sem a participação de organizações independentes que possam representar os atingidos, e com diminuta participação dos governos de todas as esferas e mesmo do judiciário.

A própria fundação será encarregada de realizar o levantamento e o cadastro das vítimas – ou seja, decidir quem terá direito aos reparos, compensações e indenizações – e definir de que forma tudo isso será feito.Além disso, caso alguém queira contestar suas decisões, a fundação é que proverá assistência jurídica a essas pessoas… ou seja, ela mesma pagará os advogados que “defenderão” quem a ela se opuser!

Um acordo nos termos que estão sendo propostos apenas repete a lógica que preside a avaliação dos impactos de atividades como a mineração: são as próprias empresas que contratam os laudos ambientais que apresentam ao poder público. Só que, muitas vezes, esses laudos são elaborados sob enorme pressão das empresas, que devolvem aos consultores seus relatórios revisados e editados, minimizando os impactos apontados. No fundo, são elas mesmas que definem se suas atividades são ou não seguras. É possível afirmar, inclusive, que esta é justamente uma das causas do desastre.

Após a divulgação da minuta do acordo pela imprensa na semana passada, fontes do planalto afirmaram à imprensa que o governo defende a inclusão das vítimas nos fóruns de discussão e decisão referentes a esse processo. Esperamos que isso seja feito.

Como afirmou Sérgio Abranches em entrevista recente à Rádio CBN sobre o assunto, se em um desastre ambiental dessas proporções a resposta é a transigência, podemos esperar que isso seja um convite para um novo desastre.

Prefiro acreditar que ainda está em tempo de evitar que isso aconteça e que não seja tão pífia a resposta ao maior desastre ambiental do nosso país.
Rompimento da barragem em Mariana é considerado o mais grave desastre ambiental da história do país. | Foto: Rogério Alves/TV Senado

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