Em março deste ano, durante uma cerimônia restrita no Palácio do Planalto, tanto a Vale quanto a Samarco e BHP assinaram um acordo com os governos Federal, de Minas Gerais e do Espírito Santo para recuperar as regiões que foram prejudicadas pelo rompimento da barragem de Fundão. Porém, trata-se de uma manipulação entre os poderes para evitar que o maior desastre ambiental do país pare nos tribunais.
Tal
acordo entre as partes dependia, na época, de homologação e consulta
por parte do Ministério Público Federal e dos estados de Minas Gerais e
Espírito Santo. Mas na noite da assinatura do acordo, 02 de março, o MPF
publicou uma nota oficial repudiando o que havia sido estabelecido
pelos poderes. Veja um trecho:
“A Força-Tarefa considera a legislação socioambiental brasileira avançada e afirma que o acordo, nos moldes como foi desenhado, além de não garantir a reparação integral do dano, não segue critério técnico. Também não observou os diretos à informação e de participação das populações atingidas e, com relação aos povos e comunidades tradicionais, o direito à consulta prévia, livre e informada.”
Além
do MPF, pelo menos 174 organizações e movimentos sociais também
emitiram uma nota pública questionando e repudiando o acordo traçado
entre os governos e as empresas.
De
forma manipuladora e pelos bastidores, o texto integral do acordo
acabou não sendo disponibilizado para a sociedade. Porém, o Comitê em
Defesa dos Territórios Frente à Mineração teve acesso ao texto na
íntegra.
Clique aqui para ler o acordo.
Pesquisadores
do Grupo Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS),
além de membros do Comitê e dos professores Bruno Milanez e Raquel
Giffoni Pinto fizeram considerações sobre o Termo de Transação e de
Ajustamento de Conduta firmado entre os governos e as mineradoras.
Nas
considerações, quando se refere ao acordo e aos grupos que fizeram
parte dele, o que mais “chama a atenção é a ausência de representantes
das populações atingidas, que não tiveram oportunidade de participar na
discussão do Acordo, muito menos de influenciar na definição dos termos
em que ele se daria”.
O
Comitê e demais observadores ainda apontam a ausência do Ministério
Público Federal e os Ministérios Públicos dos estados de Minas Gerais e
do Espírito Santo na assinatura do acordo.
Outro
aspecto importante levantado foi a definição de impactados e o
“Programa de Negociação Coordenada”. Segundo levantamento, o acordo
apresenta uma série de restrições e exigências para que as pessoas sejam
efetivamente reconhecidas como atingidas e, consequentemente,
indenizadas.
“[…] o Acordo faz uma série de exigências burocráticas que dificilmente serão atendidas por pessoas que tiveram sua moradia destruída e consequentemente, poderam todos os documentos que possuíam. Embora seja feita uma ressalva para “casos excepcionais”, o acordo transfere à Fundação o poder de decidir se outras formas de comprovação serão aceitas ou não”.
Para ler a análise completa sobre o acordo, clique aqui.
Ministério Público Federal calcula que o acordo deveria ser de R$155 bilhões
Antes
mesmo do processo ter sido homologado, no final de abril deste ano, o
MPF move uma ação civil pública segundo a qual o desastre deveria ser
compensado por um valor oito vezes maior
que o acordado, ou seja, R$155 bilhões. A Justiça Federal havia
homologado no dia 5 de maio um acordo de apenas R$20 bilhões como
compensação pelo desastre ambiental.
Em Defesa dos Territórios Frente a Mineração
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Segundo
o post acima do Comitê, os R$155 bilhões que deveriam ser pagos
serviria para o solucionamento dos “problemas em que o desastre
ambiental se desdobrou”, conforme relata documento do MPF.
Veja um resumo:
- R$27,464 milhões serviriam para a conclusão do processo de identificação e delimitação da Terra Indígena de Sete Salões, no município de Resplendor (MG) — trata-se de comunidades afetadas pela ruptura da barragem.
- R$1,1 bilhão para recuperar ao menos 40 mil hectares de áreas de preservação permanente afetadas, além da recuperação de outras áreas ao longo da bacia do Rio Doce.
- R$4,1 bilhões para a instalação ou melhoria dos sistemas de saneamento básico de municípios atingidos ao longo do Rio Doce.
- R$15,5 bilhões é o valor mínimo pedido como indenização por dano moral coletivo pela tragédia.
- R$1,5 milhão de multa diária para o caso de descumprimento das determinações.
Após
uma ampla divulgação pela imprensa da ação civil pública movida pelo
MPF, as ações da mineradoras envolvidas — Vale S.A e a australiana BHP
Billiton — despencaram.
Pelo menos 100 entidades brasileiras e outras 27 estrangeiras emitiram nota de repúdio à homologação.
“A homologação do acordo, na verdade, acirra os conflitos, desconsidera a necessidade de reparação integral dos danos e aumenta o sofrimento decorrente da perda dos meios de subsistência, dos modos de vida e da memória impostos aos pescadores, pequenos agricultores, indígenas, populações tradicionais e meio ambiente. E acontece dois dias após a queda das ações da Vale e BHP com a notícia da instauração da ACP pelo MPF, com a estimativa de reparação dos danos na ordem de R$ 155 bilhões.”
Seguindo
as organizações e movimentos sociais, a Comissão de Direitos Humanos e
Minorias da Câmara dos Deputados também emitiu uma nota.
De título “Nota Pública da Presidência da CDHM sobre a homologação do acordo de Mariana”,
a comissão afirma que “o acordo deveria visar à reparação, à mitigação e
à compensação dos prejuízos decorrentes da tragédia de Mariana. […]
Porém, na forma em que foi redigido, o instrumento serve acima de tudo
para livrar os responsáveis de suas responsabilidades civis,
administrativas e criminais”.
A nota ainda reitera a exigência de que
uma solução seja construída com a participação efetiva das atingidas e
dos atingidos, além dos membros do MP diretamente envolvidos com a
demanda nos territórios.
Nós,
do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração,
repudiamos o acordo e esperamos que os direitos de todos os atingidos
pela maior tragédia ambiental já registrada na história do nosso páis
sejam cumpridos, além dos direitos do meio ambiente garantidos pela
justiça.
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