A aldeia A’Ukre, uma das 19 existentes no território indígena caiapó,
localizado no sul do Pará, foi escolhida como uma espécie de laboratório
socioambiental para um estudo sobre o uso coletivo da terra e o manejo
dos recursos naturais na Floresta Amazônica.
A pesquisa, intitulada “Governance of land-use change: a collaboration
to understand the impacts of institutional arrangements on Amazonian
forest resource use” e coordenada no Brasil por Patricia Fernanda do
Pinho, tem apoio da FAPESP e da University of Michigan, Estados Unidos.
“Decidimos estudar o território indígena caiapó porque ele é uma vasta
ilha de floresta preservada em meio a um mar de paisagens degradadas,
sofrendo enorme pressão da pecuária extensiva, da exploração madeireira,
da mineração e da crescente expansão da agricultura da soja”, disse
Pinho.
“Nosso objetivo foi entender como essa comunidade indígena orgulhosa e
aguerrida consegue proteger seus recursos naturais ameaçados, promovendo
a sustentabilidade e a manutenção de biodiversidade e contribuindo para
a mitigação das adversidades climáticas”, acrescentou.
Professora visitante no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências
Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), Pinho é graduada em
Ciências Biológicas pela Universidade Federal de São Carlos e doutorada
em Ecologia Humana pela University of Califórnia-Davis.
O projeto de pesquisa faz parte da plataforma internacional da
International Forestry Resources and Institutions (IFRI), rede de 14
centros coordenada pela University of Michigan, dedicada ao estudo da
governança de recursos de uso comum, como florestas e áreas pesqueiras.
“A finalidade da IFRI é capacitar os usuários desses recursos e os
agentes do poder público a definir e implementar políticas baseadas em
evidências. A ideia foi aplicar o protocolo de pesquisa desenvolvido
pela rede na aldeia A’Ukre e, com base nele, promover um levantamento
que, até então, era inédito nas comunidades indígenas existentes no
Brasil, considerando variáveis ecológicas, econômicas e sociais, e
comparando os dados locais com a escala global definida a partir dos
dados colhidos em outros países”, explicou Pinho.
Antes de a pesquisa ter início, a comunidade indígena e as organizações
não governamentais que trabalham com os caiapós foram consultadas, para
saber se tinham interesse e aprovavam o estudo.
“Conseguimos a aceitação da comunidade indígena e iniciamos a
implementação do protocolo da IFRI sobre as estratégias locais de manejo
dos recursos. Os resultados foram sintetizados no artigo
“Characterizing sustainable community-based forest management: the case
of the Kayapó indigenous people in Brazilian Amazonia”, que será
publicado em breve por revista especializada”, informou a pesquisadora.
“Um dos resultados relevantes foi a promoção de um curso de capacitação
para moradores da aldeia A’Ukre, de modo que eles mesmos possam fazer a
coleta dos dados científicos que os ajudem a controlar e manejar os
recursos disponíveis em seu território”, disse.
“São dados como os diâmetros das árvores, as alterações observadas na
estrutura das folhas e na qualidade dos frutos, a quantidade de
castanhas produzida por cada árvore, a abundância de espécies de
pássaros que atuam como dispersores de sementes, os preços de venda da
produção para os atravessadores que as revendem ao mercado externo.
Isso tudo com avaliações sazonais, considerando as quatro estações da região amazônica: enchente, cheia, vazante e seca. Outros dados importantes a serem monitorados são variáveis hidrológicas, como o volume do rio, que constitui o único meio viável para o escoamento da produção e tem sido ao longo dos últimos anos afetado pelas mudanças climáticas na região”, detalhou a pesquisadora.
Isso tudo com avaliações sazonais, considerando as quatro estações da região amazônica: enchente, cheia, vazante e seca. Outros dados importantes a serem monitorados são variáveis hidrológicas, como o volume do rio, que constitui o único meio viável para o escoamento da produção e tem sido ao longo dos últimos anos afetado pelas mudanças climáticas na região”, detalhou a pesquisadora.
Invasões frequentes
Os caiapós já há alguns anos concentram esforços na exploração da
castanha-do-brasil (Bertholletia excelsa), buscando beneficiar-se também
de outros produtos da biodiversidade da região, como a semente da
árvore cumaru (Dipteryx odorata), valorizada por seu aroma, sabor e
propriedades medicinais.
A extensão territorial do território caiapó –1,1 milhão de hectares –
constitui um grande trunfo para os indígenas, pela abundância de
recursos naturais disponíveis. Mas também um grande desafio, devido à
dificuldade de controle. De fato, nessa escala, só é possível detectar
invasões por meio de monitoramento aéreo ou por satélite. E as invasões
são frequentes.
“Porém, a despeito de estarem cercados por latifúndios voltados para a
exploração econômica imediatista e predatória e sujeitos a vários tipos
de violência, os caiapós têm conseguido manter sua autonomia perante
todos esses desafios”, enfatizou Pinho.
A população é constituída por aproximadamente 7 mil pessoas,
distribuídas em aldeias com 200 a 500 habitantes, situadas ao longo dos
principais rios que cortam o território.
As aldeias são tão espaçadas que o deslocamento de uma a outra demanda
às vezes vários dias de viagem. Isso cria uma grande descentralização
decisória, fazendo com que cada aldeia goze de ampla autonomia. Por
outro lado, reforça os vínculos existentes entre os moradores de cada
aldeia.
O acesso difícil e perigoso conta pontos a favor da preservação da área.
Bem como a fama de valentia dos caiapós, que várias vezes se mostraram
implacáveis com os intrusos que ousaram invadir suas terras.
“Também de grande importância é o fato de que o retorno econômico
proporcionado pelos manejos tradicionais não constitui sua prioridade.
Mas, sim, o que poderíamos definir como ‘bem-estar socioambiental’. É
importante destacar esses elementos para que sirvam de lição a outros
grupos, não só indígenas, que dependem do gerenciamento de áreas
protegidas”, concluiu Pinho.
Fonte: Fapesp
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