19.1.17
CLAUDIO ANGELO
Meus amigos paulistanos riram por último. Durante mais de ano, tiveram
de aguentar minhas piadas de mau gosto sobre a crise hídrica que forçou a
classe média da maior cidade do país a escovar os dentes com copinho e
tomar banho de balde. Pois bem: nesta segunda-feira (16/1), Brasília
iniciou seu primeiro racionamento de água em 56 anos, que afetará 60% da
população. A decisão foi tomada depois que a barragem do Descoberto, a
maior do DF, atingiu o menor volume útil de sua história: 18,9%, no auge
da estação chuvosa.
Se havia um lugar do país onde a perspectiva de racionar água parecia
irreal há alguns anos, esse lugar era Brasília. A capital do país está
sentada no divisor de águas das bacias do Paraná, do Tocantins e do São
Francisco. E temos um parque nacional criado de forma presciente para
proteger nosso segundo maior reservatório, a barragem de Santa Maria
(que está com 41% do volume).
Décadas de desperdício, de aumento de consumo, desmatamento do cerrado e
ocupação criminosa de mananciais, tolerada ou estimulada por políticos
do calibre de Joaquim Roriz e José Roberto Arruda, corroeram a segurança
hídrica da região. Mas o clima se encarregou do empurrão decisivo:
foram dois anos seguidos de precipitação muito abaixo da média e calor
intenso, que secou o solo e impediu que os reservatórios se
recuperassem.
Para mim, que escrevo sobre mudanças climáticas há mais tempo do que
seria saudável, o racionamento e outros eventos recentes marcam uma
alteração de pronome. Sai o “eles” solidário, mas condescendente, com
que tenho tratado até aqui as vítimas do clima, e entra o “nós”. O
aquecimento global bateu à minha porta. E não está sendo nada divertido.
É nítido para qualquer brasiliense, em especial os que passaram muito
tempo fora e voltaram, que algo mudou por aqui. Para nossa infelicidade,
a ciência corrobora essa impressão. Você não consegue mais dormir à
noite sem ventilador? Pois saiba que o número de noites quentes no DF –
nas quais a mínima da madrugada é superior a 20oC – decuplicou em
2000-2010 em relação a 1962-1970, segundo dados compilados pelo
meteorologista Francisco de Assis Diniz, do Inmet (Instituto Nacional de
Meteorologia).
Torrou na primavera nos últimos anos? Pois extremos de temperatura
também estão mais frequentes: Brasília bateu seis recordes históricos de
calor nos últimos nove anos – dois deles em apenas uma semana, no
bizarro outubro de 2015. (Muito a propósito, a primeira quinzena de
janeiro de 2017 registrou temperaturas máximas quase 4oC superiores à
média.)
Aprendeu na escola que Brasília tem a tal “amplitude térmica de
deserto”? Reveja: a diferença entre a mínima e a máxima no inverno caiu
2,1oC e, no verão, 2,25oC.
Informações sobre mudança do clima na cidade são escassas. O único
trabalho completo já publicado foi feito pela meteorologista paraibana
Morgana Viturino de Almeida, também do Inmet, em 2012. Algumas de suas
conclusões principais estão num relatório que a Sema (Secretaria do Meio
Ambiente e Recursos Hídricos) do GDF produziu em dezembro, que será
publicado nos próximos dias na página da secretaria na internet.
“A população ainda não consegue fazer a ligação entre os extremos, as
enxurradas como a que atingiu Samambaia [cidade-satélite, no fim do ano
passado], ondas de calor ou a situação de água que temos agora e a
mudança do clima”, diz Leila Soraya Menezes, chefe da Unidade
Estratégica de Clima da Sema e coautora do relatório. “As políticas
públicas são baseadas ainda em séries históricas, só que as médias
históricas não significam muita coisa mais na atual realidade do clima.”
Em seu trabalho, Morgana de Almeida analisou 26 parâmetros
climatológicos em todo o Centro-Oeste. O que ela viu foi uma tendência
semelhante em quase todas elas: noites mais quentes, maior número de
dias secos consecutivos, maior frequência de ondas de calor. Na capital,
as temperaturas mínimas médias subiram 1,85oC e as mínimas mínimas, ou
seja, as menores temperaturas do ano, subiram 2,6oC desde 1961. O número
de dias com umidade do ar abaixo de 30% cresceu 50%, e o número de
períodos com baixa umidade quase dobrou. Em 2010 havia 48 dias a mais no
ano com temperaturas máximas acima de 25oC do que em 1961.
Curiosamente, as máximas temperaturas máximas cresceram bem menos –
0,85oC no período. E as máximas médias tiveram uma diminuição, embora
esta não seja estatisticamente significante.
Tampouco é possível ver mudanças expressivas na quantidade total de
chuvas no DF até 2010. Não há informação sobre violência das chuvas, mas
elas têm feito mais estragos – por consequência da urbanização. No
entanto, em novembro de 2014, a capital registrou seu primeiro tornado.
Almeida pede cautela na interpretação dos dados, dizendo não ser
possível separar o efeito da mudança climática do da ilha de calor
urbana – o mais provável é que haja sinergia entre ambos. Outros lugares
do Centro-Oeste que observaram tendência semelhante à de Brasília
passaram por desmatamento nas últimas décadas, o que pode ter
influenciado os índices. Mas o fato permanece que o sinal de aquecimento
e aumento de dias com baixa umidade relativa do ar é nítido em toda a
região.
E esta é só a primeira gongada: vem muito mais por aí.
O relatório da Sema também traz projeções regionais de temperatura e
precipitação para o DF, feitas pelo grupo de Sin Chan Chou, do Inpe. O
estudo considera dois modelos climáticos, um mais “seco” e um mais
“úmido”, e dois cenários de emissões de CO2, um moderado e um alto. A
depender co cenário, o aquecimento adicional no DF entre 2011 e 2040 vai
de 1oC a 3oC.
No fim do século, pode chegar a 6o C. Já a precipitação, que hoje não aparece com um sinal claro nas observações, ganha um imenso viés de baixa em todos os cenários, em especial de dezembro a fevereiro, auge da chuva. A anomalia que fez o DF escorregar na crise hídrica pode ser, portanto, um aperitivo das próximas décadas.
No fim do século, pode chegar a 6o C. Já a precipitação, que hoje não aparece com um sinal claro nas observações, ganha um imenso viés de baixa em todos os cenários, em especial de dezembro a fevereiro, auge da chuva. A anomalia que fez o DF escorregar na crise hídrica pode ser, portanto, um aperitivo das próximas décadas.
Como disse de maneira célebre o climatologista americano John Holdren,
só há três coisas a fazer a respeito da mudança climática: mitigar,
adaptar e sofrer. O GDF parece pelo menos disposto a discutir as duas
primeiras. No ano passado, iniciou a discussão para a criação de um
fórum de mudanças climáticas distrital, a ser lançado em julho.
Na população, quem pode vai se adaptando. Eu comprei um aparelho de
ar-condicionado logo após a onda de calor de 2015 e instalei telas
mosquiteiras em todas as janelas (afinal, com o calor vêm os mosquitos,
que também estão mais numerosos).
O problema é como fica a maior parte dos moradores do DF e entorno, que
tem menos recursos para se adaptar. A essas pessoas parece estar
reservada uma fatia desproporcional do sofrimento.
Fonte: Observatório do Clima
Comentário:
E o Governador, a exemplo de seus antecessores, continua firme na iniciativa de continuar desmatando e adensando o cerrado, o que significará maior necessidade de agua e ...de esgoto.Está pouco se importando com as crescentes ondas de calor que o cimento e o asfalto, acrescidos da poluição dos carros, vão gerar.Ou com o desconforto da população.
Anônimo
Comentário:
E o Governador, a exemplo de seus antecessores, continua firme na iniciativa de continuar desmatando e adensando o cerrado, o que significará maior necessidade de agua e ...de esgoto.Está pouco se importando com as crescentes ondas de calor que o cimento e o asfalto, acrescidos da poluição dos carros, vão gerar.Ou com o desconforto da população.
Anônimo
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