Simone Kafruni
É difícil imaginar que alguém possa ignorar o sol no Brasil. No entanto, por muito tempo foi assim, ao menos do ponto de vista de energia. Só recentemente, com a redução de custos de equipamentos, o país correu atrás desse recurso, cuja exploração cresce a passos largos. No ano passado, 6 mil novas usinas fotovoltaicas e 48 megawatts (MW) de potência foram adicionados ao sistema. Até setembro de 2017, foram mais 6,7 mil unidades de geração e 54,4 MW. Em junho, foi inaugurado o maior parque do país, em Bom Jesus da Lapa (BA), com capacidade para iluminar 166 mil lares — 150 mil a mais do que há na cidade.
Mas, apesar de tantas vantagens econômicas, financeiras, sociais e ambientais, ainda estamos muito distantes do potencial do país. O Brasil tem incidência solar suficiente para atingir 28 mil gigawatts (GW) de potência, 163 vezes o potencial hídrico, de 172 GW, e 64 vezes o eólico, de 440,5 GW. Outra vantagem é que há extensas áreas de solo subutilizadas economicamente, nas quais podem ser instalados painéis solares. Para avançar, dizem especialistas, é preciso superar a barreira do financiamento.
Em termos globais, houve incremento de 70 GW de energia solar em um único ano, com a aposta forte da China na fonte renovável, explica o vice-presidente da Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar), Hewerton Martins. “Há uma percepção errada de que essa é uma energia cara. Hoje, é muito competitiva”, afirma. “O Brasil deve chegar ao primeiro gigawatt no fim do ano”, diz. A hidrelétrica de Itaipu, por exemplo, pode gerar até 14 GW de energia.
O secretário de Mudanças do Clima e Floresta do Ministério do Meio Ambiente, Everton Lucero, destaca a importância desse tipo de geração para o país cumprir o acordo ambiental de Paris. “Precisamos encarar o desafio climático como uma oportunidade, e não como uma limitação, com vistas a uma economia de baixo carbono”, afirma. Lucero assinala que a matriz energética brasileira é “relativamente limpa se comparada com a média mundial”. Ainda assim, o setor energético é o que mais emite carbono, com 37% de participação. “Temos a meta de obter 45% de energias renováveis, sendo que 28% a 33% da nossa matriz deve ser de fonte não hídrica”, diz.
Além da vantagem ambiental, a energia solar pode ser utilizada como vetor de desenvolvimento social. A especialista russa Alina Gilmanova, doutoranda da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mostra experiências de outros países. “Não adianta olhar só os exemplos de nações desenvolvidas. É importante conhecer os exemplos que usam a energia solar como política social. Na China, 3 milhões de famílias recebem renda complementar equivalente a R$ 1,5 mil por ano com a comercialização de energia solar, graças a programas governamentais”, conta.
Vantagens
Com tantas vantagens, a ampliação da geração solar no país esbarra apenas no financiamento. José Job Borges Mundim, dono da empresa Usesolar, destaca que, para pessoas físicas, não há linhas de crédito para financiar o serviço, apenas os equipamentos. “A perspectiva de crescimento do setor para 2017 é de 400%. Mas os aparelhos são quase commodities, não dá para ter margem. O diferencial é no tipo de trabalho, no projeto, na instalação e na consultoria, mas não há crédito para serviços”, explica. Ainda assim, Mundim diz que a taxa de conversão em venda é de 4 a 6 para cada 100 orçamentos.
O presidente da Associação Brasileira de Síndicos Profissionais, Paulo Melo, defende o fortalecimento da microgeração. “Se os bancos públicos derem financiamento para os condomínios, eles se tornarão autossuficientes. Podemos abastecer as áreas comuns e as unidades dos condôminos. O investimento se pagaria em cinco anos”, calcula. No entanto, diz, as geradoras e as distribuidoras criam empecilhos porque “perderiam lucro”.
O especialista em energia Cristiano Augusto Trein, da Rede de Pesquisadores Associados (Repeas), assinala que o investimento em energia solar é indispensável para tornar as cidades inteligentes. “Mais de 80% da população brasileira vive em cidades, isso representa um desafio no desenvolvimento urbano. Por ser planejada, Brasília pode servir de exemplo, com smart grid, um sistema integrado de troca de informação pela rede elétrica. A energia solar é a fonte energética que mais pode colaborar neste sentido”, afirma.
Trein destaca que, para Brasília ser uma vitrine de cidade inteligente, o ponto de entrada deveria ser a implementação de energia solar em escolas públicas e universidades. “Além de aliviar a renda das instituições, isso permitirá a capacitação, colocando no DNA dos estudantes o contato intenso com a energia solar”, sugere. O especialista reconhece, contudo, que a energia solar superou a barreira da viabilidade econômica, mas ainda encontra dificuldade de financiamento. “Temos que pensar além. A energia solar pode se tornar uma ferramenta de ação de governo”, acrescenta.
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