FRANCISCO LEALI E MANOEL VENTURA
Potencial de exploração mineral já tinha sido mapeado por ministério
Documentos do Ministério de Minas e Energia indicavam ser preciso mudar leis sobre reservas naturais e indígenas
BRASÍLIA- Apesar de ter alegado que o decreto que revogou a Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca) preservava áreas de proteção ambiental e reservas indígenas, o governo sabia de antemão que, para liberar a exploração mineral, teria de mexer na legislação para derrubar as restrições à atividade em florestas até então protegidas. Para isso, áreas com planos de manejo em que são permitidas apenas certas atividades extrativistas precisariam ser abertas ao garimpo. Documentos do Ministério de Minas e Energia (MME) revelam que, desde os primeiros movimentos para edição do decreto que revogou a Renca, o governo sabia que a mineração teria de entrar em regiões onde o setor estava proibido de operar, em razão da preservação ambiental.
Após a edição do decreto no fim de agosto — que teve seus efeitos suspensos e pode ser definitivamente revogado pelo presidente Michel Temer devido à reação da sociedade —, o governo alegou que a medida preservava áreas de proteção ambiental e reservas indígenas. Mas nunca admitiu que a mineração implicaria mexer em planos de manejo.
Na nota, os técnicos do MME recomendaram que, além de revogar o decreto da Renca, seria necessário rever o plano de manejo da Floresta Estadual do Paru, no Pará. Argumento: a área “ocupa e restringe as principais áreas minerais”. A Renca tem mais de 46 mil quilômetros quadrados, do tamanho da Dinamarca.
A nota técnica 9/2016 mostra mapas que indicam a presença de minerais em reservas indígenas; em unidades federais de preservação ambiental, como a Estação Ecológica do Jari, na divisa entre Pará e Amapá; e em áreas de preservação estadual. Um dos mapas mostra lavra autorizada dentro da Reserva Biológica de Maicuru, área de proteção integral do Pará, vedada a esse tipo de atividade.
A nota técnica atestava que a Renca tem “uma das melhores áreas no mundo para pesquisa mineral de ouro e fosfato”. No mês passado, em meio à polêmica sobre o decreto, o governo minimizou o potencial mineral.
— O conhecimento geológico da área é extremante baixo. O Brasil tem oportunidade de conhecer de fato o potencial mineral — dissera o secretário de Mineração, Vicente Lôbo, na época.
Mas documentos internos do ministério que passaram por Lôbo falam que a Renca é rica em ouro e em outros minerais. A exposição de motivos da primeira versão do decreto lista o que a empresa pública Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) já havia prospectado na Renca, “tendo conseguido identificar e individualizar alguns ambientes geológicos altamente indicativos da existência de depósitos de ouro, titânio, fosfato, cromita, cobre/prata, níquel/platina, tântalo, ferro e manganês”.
TRECHO FOI CORTADO
O trecho é o item 8 de 14 da versão preliminar da exposição de motivos preparada pela Secretaria de Mineração. Na versão assinada pelo ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho, e enviada ao Planalto, o trecho sobre achados minerais foi suprimido.
A primeira versão do decreto, além de revogar a Renca, estabelecia critérios para manter ou anular os pedidos de exploração. Após consulta jurídica, o ministério desistiu de incluir os artigos. O tema foi tratado numa portaria publicada no Diário Oficial no início do ano, preparando o caminho para extinção da reserva.
O texto do decreto passou a ter dois artigos, sem qualquer referência a preservar áreas indígenas ou unidades de conservação. Essa versão sem as ressalvas foi assinada pelo ministro e enviada a Temer. Mas a Casa Civil recomendou que ficasse expresso no texto a ressalva às terras indígenas e às de proteção ambiental.
Por nota, o ministério disse que os documentos que constam na proposta de extinção da Renca tratam de informações geológicas da CPRM até 1994, ano das últimas pesquisas na área: “Considerações sobre ‘restrições de ordem ambiental,’ que obrigariam a revisão de planos de manejo de unidades de conservação no Pará e no Amapá, ‘liberando áreas para realização de novas pesquisas e lavra,’ nessa ordem, reforçam a posição cautelosa do governo quando da edição do decreto com todas as salvaguardas previstas na legislação de proteção e preservação ambiental”.
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