Plinio Nastari é doutor em Economia, é representante da sociedade civil no CNPE
O Brasil continua enfrentando sérios desafios na área de energia, que só não se materializaram em risco de abastecimento e maiores custos para a sociedade por causa da retração econômica. Daí a importância de serem criadas condições que estimulem o investimento.
Na área de combustíveis, em particular, é fundamental que o planejamento energético harmonize as oportunidades existentes entre combustíveis fósseis e renováveis. A indefinição sobre o rumo a seguir vai continuar inibindo investimentos em refino de petróleo e expansão da produção de biocombustíveis. A realidade é que no primeiro semestre deste ano a importação de gasolina cresceu 77,1%, atingindo 3,05 bilhões de litros, mesmo com a economia estagnada. Os cenários à frente estimados pela Empresa de Pesquisa Energética e pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis indicam importação crescente na próxima década se nada for feito.
Essa avaliação é feita no momento em que se discute como atingir maior nível de eficiência no uso da energia em transportes. A eletrificação na mobilidade é uma tendência que encontra respaldo na maior eficiência energética – e que pode ter impacto maior ou menor na área ambiental, dependendo da opção adotada, e do perfil da matriz energética.
Quando se pensa em carro elétrico, não adianta promover o carro elétrico a bateria se a energia for suja. As baterias são produzidas a partir de lítio e cobalto e há dúvidas quanto à disponibilidade de lítio para dar suporte à expansão do uso de baterias. O cobalto é extraído quase exclusivamente no Congo, em condições que despertam preocupações. Há ainda o descarte das baterias, que podem criar um passivo ambiental considerável. E, finalmente, há a questão da infraestrutura, seja de troca ou recarga, pela falta de medidores segregados e, no caso do Brasil, a existência de um porcentual elevado de consumo clandestino de energia, o que traz a preocupação de como controlar a proliferação de gatos na recarga.
Uma alternativa é a eletrifica- ção com base em hidrogênio. Mas extraí-lo é caro, e por processo eletrointensivo. Novamente, se a energia vier de fonte suja não será solução aceitável. Depois de capturado, sua armazenagem requer tanques caros de titânio, apresenta risco de explosão e tem custo elevado de distribuição.
Outra possibilidade é a eletrificação a partir de combustíveis de baixa pegada de carbono, os biocombustíveis. São os veículos híbridos, considerados fase intermediária de eletrificação, que se forem flex poderão usar biocombustível, e as motorizações com células a combustível movidas a etanol, ambas podendo aumentar consideravelmente a eficiência do uso de energia.
Os veículos flex com moto- res de combustão interna utilizados no Brasil já apresentam emissão total de gases do efeito estufa, quando utilizam etanol de cana-de-açúcar, inferior à do carro elétrico europeu, atual e projetado até 2040. Com a introdução de tecnologias já disponíveis, a emissão desses veículos pode diminuir ainda mais. Os híbridos flex e a célula a combustível podem atingir emissões ainda menores – e muito baixo consumo energético.
O Brasil tem a oportunidade de adotar essa estratégia, mas para isso é preciso revitalizar o setor de biocombustíveis e incentivar a adoção dessas tecnologias. O RenovaBio é um programa que visa a induzir ganhos de eficiência na produção e ao reconhecimento da capacidade de cada biocombustível promover descarbonização. Propõe que isso seja feito sem subsídios e sem a criação de mais tributos, apenas com a possibilidade de o produtor internalizar no preço do biocombustível parte da externalidade ambiental, premiando os agentes que oferecem uma contribuição positiva. O Rota2030, que se pretende seja a evolução do InovarAuto, pode ser o indutor da eletrificação a partir do híbrido flex e da célula a combustível.
Essas propostas representam a oportunidade de atender simultaneamente a objetivos das políticas energética, ambiental e industrial, aproveitando o potencial do setor agroindustrial. É a oportunidade de induzir um retorno dos ganhos de eficiência agroindustrial no setor da cana e o aproveitamento da crescente produção de milho para a produção de etanol e de soja para o biodiesel. Esse é o caminho da geração de empregos, do efeito multiplicador de renda, da maior arrecadação de impostos e do desenvolvimento descentralizado, e não do dispêndio com importação de derivados, em que não é gerado o mesmo efeito multiplicador.
O RenovaBio foi formulado pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) ouvindo todos os setores de governo, da sociedade civil e as áreas privadas envolvidas. Raras vezes se viu tanta convergência e adesão a um programa de governo, com mais de 50 manifestações formais de entidades setoriais e representativas da sociedade. Cabe agora ao governo decidir pela relevância e urgência da matéria.
O RenovaBio e o Rota2030, no campo nacional, estão alinhados com a Plataforma para o Biofuturo, no campo internacional, lançada em Marrakesh em novembro de 2016, a qual pode permitir ao Brasil assumir posição como líder de uma estratégia de alcance global. O compromisso vinculante ao qual o Brasil se comprometeu no Acordo do Clima para 2025, de redução de 37% das emissões sobre a base 2005, está apenas oito anos à frente.
O Brasil tem a oportunidade de indicar sua posição positiva em biocombustíveis como estratégia nacional na COP-23, em Bonn, na Alemanha. Não de forma tímida, com uma proposta ainda a ser debatida e tramitando por vários anos no Congresso, e sim com uma medida que reflita sua urgência e relevância para diferentes esferas do interesse público. A inação e a falta de sensibilidade para esta oportunidade podem custar caro à sociedade brasileira.
Raras vezes se viu tanta convergência e adesão a um programa de governo
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