quarta-feira, 28 de março de 2018

As empreiteiras, sempre elas, seguem tentando devorar a capital do país.


Aos integrantes do Conselho do Meio Ambiente do Distrito Federal (Conam-DF).


A associação Parque Ecológico das Sucupiras vem propor aos integrantes do Conselho
do Meio Ambiente do Distrito Federal (Conam-DF) que considerem os argumentos da
comunidade pela não aprovação do projeto de construção da quadra 500 do Setor
Sudoeste. Nossa posição está alicerçada em diversas questões de caráter urbanístico,
ambiental e jurídico que, solicitamos, sejam observadas por esse eminente Conselho, o
qual, acreditamos, preza pelo respeito ao Plano Urbanístico de Brasília, assim como
pela qualidade de vida dos moradores de todo o Distrito Federal. Seguem, abaixo, os
argumentos para os quais solicitamos a atenção deste colegiado. 


1. Correm na Justiça Federal ações que questionam a legitimidade do projeto da
Quadras 500. Em que pese ter sido julgada recentemente pelo TJDF uma dessas ações,
(ADIN Nº 2010.00.2.014781-1), em que o resultado foi favorável à implementação do
projeto, é necessário observar que procuradores do Ministério Público do Distrito
Federal e Territórios, neste momento, elaboram recurso a esse mesmo Tribunal, com o
objetivo de reverter a decisão. 

No âmbito dessa mesma ação, é preciso considerar orecurso ajuizado pela procuradora regional Andréa Lyrio, de novembro de 2015, àpresidência do TRF-1, para que o processo relativo à permissão de loteamento na áreapor decreto seja julgado pelo STJ, cuja tramitação ainda não está concluída. 

Tambémafeta a condição jurídica do pretendido empreendimento o recente acórdão do STJ,
recurso especial nº 840.918 – DF (2006/0086011-1), com fundamentação que
determina a retirada das grades nas residências do Cruzeiro. 

Nele, a ministra relatora,Eliana Calmon, esclarece que o Estado tem a obrigação de proteger o patrimôniohistórico desde que Brasília foi inscrita pela Unesco como Patrimônio da Humanidade,em 1987, e não apenas a partir de sua inscrição no Livro Tombo do Iphan, em 1990. 

Adefinição é importante, pois a criação do que foi posteriormente chamado “Quadra
500” se deu em 1989, ou seja, após a inscrição de Brasília como patrimônio histórico
pela Unesco, em1987. Portanto, não se poderia criar uma nova quadra no Sudoeste à
revelia da legislação protetora do patrimônio histórico da cidade, vigente desde 1987.
O referido projeto encontra-se sub judice, como demonstramos aqui, o que o mantém
objeto de incerteza jurídica, a qual poderá, em prazo indeterminado, definir-se em
favorecimento às demandas do MPDFT e da comunidade aqui representada. 


2. O Decreto 10.829/1987 embasou a inscrição de Brasília como Patrimônio Cultural
da Humanidade e estabeleceu os critérios para preservação da concepção urbanística
do Plano Piloto de Lucio Costa. Assim, como em 1987 a área em questão não constituía
lote devidamente registrado em cartório, não era, portanto, edificante. Além do mapa
publicado no Diário Oficial, apresentado abaixo, reproduzimos igualmente o mapa do
site: http://www.jobim.org/lucio/handle/2010.3/3262 , que contém a publicação da
revista “PROJETO”, nº 100, com matéria assinada por Lucio Costa, em 1886.

Mapa do Brasília Revisitada, Diário oficial.
Mapa da revista Projeto.
http://www.jobim.org/lucio/bitstream/handle/2010.3/3262/III%20A%200903051%20L.pdf?sequence=3

3. A área em litígio não se encontrava legalmente parcelada, nem registrada em
cartório no ano de 1987, quando da edição do Decreto Distrital nº 10.829, de 14 de
outubro de 1987. Antes, houve previsão de se criar ali um lote destinado à Exposição
Agropecuária, que nunca se consolidou. Legalmente, portanto, não existia o que se
pode denominar de “lote” na área. Se houvesse lote, seria destinado a uso
institucional e não a uso residencial. 


4. Aponta-se como tecnicamente inaceitável a utilização de estudos ambientais e
pesquisas urbanísticas realizadas há mais de dez anos para viabilizar o
empreendimento. Na última década a cidade sofreu profundas mudanças, sobretudo
quanto ao adensamento populacional, à capacidade de suporte das redes de
infraestrutura de água, esgoto, drenagem e energia e ao sistema viário. 


5. Quanto aos danos ambientais, destacamos que o cerrado ali remanescente é o
último fragmento de vegetação nativa na área central de Brasília. São cada vez mais
conhecidos os argumentos técnicos contrários à supressão desse recurso natural,
tendo em vista as mudanças climáticas por que passa a região. Considera-se que a
presença de árvores no local funciona, como se pode facilmente constatar, como um
consistente e natural “condicionador de ar”, propiciando aos moradores dos arredores
uma temperatura alguns graus abaixo do que é registrado nas áreas cobertas por
contínua camada asfáltica. 


6. É necessária a verificação da legalidade da Escritura Pública de Caução firmada entre
a empresa Oeste Sul Empreendimentos Imobiliários e o Distrito Federal, uma vez que
as projeções dadas como garantia caucionária ainda não estavam registradas na
serventia imobiliária à época da lavratura da mencionada escritura. 


7. Solicitamos que sejam considerados os problemas relacionados à coleta e
tratamento de esgoto sanitário, altamente preocupantes, como atesta a publicação
Olhares sobre o Lago Paranoá – SEMARH/GDF – Brasília 2001. 


8. Há grave inconsistência técnica na definição do gabarito de 6 pavimentos. A decisão,
desconsiderando a complexidade do assunto, não foi discutida de forma
interdisciplinar e no âmbito público para a consideração dos impactos do
empreendimento. Foi uma decisão tomada em reunião interna no IPHAN (ofício nº
545/2007 do IPHAN), apenas com a presença de apenas três arquitetos do órgão, em
25/01/2007, sendo que um deles declarou voto contrário. 

Originalmente, quando aárea foi entregue à Marinha do Brasil, a previsão era de construções de apenas 3pavimentos. Nesse sentido, questiona-se também a existência de valorização na área parcelada.

O estudo inicial previu um total de 2.016 habitantes e 761 veículos.
Posteriormente, os dados foram expressivamente majorados por uma ERRATA do


 Relatório de Impacto de Vizinhança (RIVI), passando a população prevista para 4.080
habitantes e o número de veículos/dia para 3.188. 


9. A pretendida Quadra 500 contraria frontalmente, em diversos aspectos, o conceito e
as características estabelecidas para as superquadras. Fundamentalmente,
superquadras não são admissíveis em lotes privados. As superquadras integram a
identidade de Brasília e proporcionam uma nova maneira de viver. Esse conceito
inovador é explicitado pelo próprio autor, Lucio Costa, no livro Registro de uma
Vivência:

“Estruturalmente, uma superquadra é um conjunto de edifícios residenciais sobre
pilotis (que têm em Brasília, pela primeira vez, presença urbana contínua) ligados entre
si pelo fato de terem acesso comum e de ocuparem uma área delimitada – no caso, um
quadrado de 280 x 280 metros, a ser cercado dos quatro lados com renques de árvores
de copa densa, e com uma população de 2.500 a 3.000 pessoas.


O chão é público – os moradores pertencem à quadra, mas a quadra não lhes pertence – e é esta a grande diferença entre superquadra e condomínio. Não há cercas, nem guardas, e no entanto a liberdade de ir e vir não constrange nem inibe o morador de usufruir de seu território,e a visibilidade contínua assegurada pelos pilotis contribui para a segurança.”


10. Quanto aos demais danos ao Conjunto Urbanístico de Brasília - Patrimônio Cultural
Nacional e da Humanidade, ressalte-se que as Quadras 500 invadiriam a Escala
Monumental, descaracterizando a concepção original do Eixo Monumental e
comprometendo sua ambiência e visibilidade. As Quadras 500 constituiriam uma
exceção injustificável.


11. É ampla a repercussão negativa da pretendida construção entre moradores do
bairro e da cidade. Nos últimos oito anos, diversos atos públicos promovidos pela APES
reuniram de centenas de pessoas. Diversos veículos da mídia e redes sociais têm
igualmente demonstrado posicionamento contrário ao empreendimento. Destacamos
as crônicas da jornalista Conceição Freitas no jornal Correio Braziliense: 

Um Golpe no Eixo 

A expansão do Sudoeste vai quebrar a solenidade do Eixo Monumental,
transformá-lo numa mera via de acesso. O conjunto de blocos de seis andares
quase à margem do asfalto vai destroçar o significado cerimonial que Lucio
Costa imprimiu ao Eixo. Vai poluir a linha do horizonte rumo ao pôr do sol, vai
desobedecer a escala monumental — escalas que foram tombadas pela Unesco.
(abril/2010) 


500 Nãos
  • As empreiteiras, sempre elas, seguem tentando devorar a capital do país,obtendo na Justiça vitórias inacreditáveis. A mais recente, da 6a. Turma do TRF da 1a. Região, entendeu que a construção da Quadra 500 no Sudoeste não viola o Conjunto Urbanístico de Brasília. Para tanto, rasgou o segundo mais importante documento de Lucio Costa sobre a capital, o Brasília Revisitada, e o decreto correspondente, o 10.829/87.
(Maio/2015) 


Brasília, março 2018. 

Fernando de Castro Lopes 

Associação Parque Ecológico das Sucupiras / Presidente
Vera Ramos
Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal / Presidente em exercício
Tania Battella
Frente Comunitária do Sítio Histórico de Brasília e Distrito Federal / coordenadora


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