O Tribunal de Justiça do Distrito Federal decidiu, nos últimos dias, não acatar Ação de Inconstitucionalidade ajuizada pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios sobre a aprovação, por Decreto do Governador do DF, o parcelamento da quadra 500 do Sudoeste. Em seguida, o Secretário de Gestão do Território e Habitação do DF – SEGETH, em entrevista na CBN afirmou que o procedimento de aprovação do parcelamento estava correto e que o GDF nada poderia fazer a respeito. Será ? Vamos recapitular os fatos sobre essa quadra e sobre o espaço que se pretende ocupar.
O GDF, através de seu Secretário da SEGETH afirma que todo o procedimento para aprovação do parcelamento urbano dessa quadra 500 foi correto, obedeceu aos princípios legais e que nada mais pode ser feito. Mediante pergunta do entrevistador, na CBN, se haveria possibilidade de “desapropriação” daquele espaço, informou o Secretário que custaria aos cofres públicos aproximadamente quatro vezes mais do valor de Corumbá IV, demonstrando assim a inviabilidade de qualquer movimento do GDF nesse sentido. Mas afinal, como tudo começou e o que estava previsto para aquela área, na beira do Eixo Monumental de Brasília, tendo como intermediário o Parque das Sucupiras?
Em 1987, como anexo ao Decreto Distrital 10.829, que subsidiou a UNESCO para inscrição de Brasília como Patrimônio Cultural da Humanidade, foi publicado o documento conhecido como “BRASÍLIA REVISITADA”, pelo qual o autor do projeto da cidade definiu onde e em que circunstâncias poderiam ocorrer expansões urbanas para fins habitacionais em Brasília sem ferir a concepção do projeto original. E essa proposta foi do próprio autor do projeto original de Brasília – Lúcio Costa.
Para o espaço onde se pretende construir a quadra 500 nada foi previsto edificar, por Lúcio Costa.
Primeiro há de se esclarecer que a planta que acompanhou esse documento, de próprio punho de Lúcio Costa, em escala 1:25.000, não foi a planta publicada no Diário Oficial, junto com o Decreto citado e de seu anexo: Brasília Revisitada. Aliás, a planta original de autoria de Lúcio Costa, cuja cópia solicitei formalmente, desapareceu dos arquivos da SEGETH. Nela, estavam previstas oito superquadras, além de quadras econômicas .
A publicação de outra planta no DO-DF, em outra escala, e apenas indicativa, segundo informações, ocorreu para possibilitar a melhor visualização da proposta. Entretanto, jamais a planta original de Lúcio Costa chegou a ser objeto de divulgação e publicação pelo GDF como anexo verdadeiro ao “Brasília Revisitada”.
Mesmo assim, como pode se ver abaixo, a planta indicativa não incluiu a área entre o Parque das Sucupiras e o Eixo Monumental , espaço pretendido implantar a quadra 500, como parte da “mancha A”, hoje Setor Sudoeste.
Acrescente-se a tudo isso que, no próprio documento “Brasília Revisitada” ficou registrado um procedimento prévio e indispensável à implementação de qualquer das “manchas” previstas para expansão urbana. Embora tal procedimento seja implícito em qualquer processo de planejamento e ocupação urbana, o Governo do Distrito Federal não cumpriu com essas premissas elementares, razão pela qual estamos sofrendo grave problema de falta de água para abastecimento , inclusive com racionamentos permanentes. Vejamos o que Lúcio Costa fez questão de registrar como alerta e preocupação para implementação das áreas previstas, como se tivesse premunição:
Quanto ao escalonamento, no tempo, das implantações aqui sugeridas
cabe ao Departamento de Urbanismo da Secretaria de Viação e Obras
coordenar os estudos a serem feitos conjuntamente com as demais
Secretarias e concessionárias de serviços públicos a fim de
definir com segurança o melhor procedimento. bem como as
tecnologias a serem utilizadas tendo em vista o abastecimento de
água e energia, o transporte, o saneamento e a preservação do meio
ambiente, o controle da poluição do lago Paranoá e a proteção da
área a ser ocupada pela futura represa do São Bartolomeu – Integrando,
enfim. como um todo, as novas proposiçães e o
Planejamento do território do Distrito Federal.
Vale destacar também que, o Artigo 10 do Decreto no. 10.829/87, tornou non-aedificandi “todos os terrenos contidos no perímetro descrito nos parágrafos 1o. e 2o. do artigo 1o desste Decreto que não estejam edificados ou institucionalmente destinados à edificeção, nos termos da legislação vigente, à exceção daqueles onde é prevista expansão predominantemente residencial em Brasília Revisitada”.
E o que havia institucionalmente destinado à edificação naquele espaço onde se pretende construir a quadra 500?
Havia previsão, pelas plantas SBO.PR 1/1, SBO.PR 2/1 e SBO PR 3/1 e SBO. PR 4/1, todas aprovadas por Decreto Governamental no. 4.270, de 03/08/1978, com definição de lote para escola de samba e lote para exposição agropecuária, pela planta SAI-PR 2/1. Essas plantas, embora legalmente constituídas (à época era o Poder Executivo do GDF que promovia parcelamentos urbanos e Brasília ainda não estava Tombada como Patrimônio Histórico Nacional nem Cultural da Humanidade), plantas essas que não chegaram a ser registradas em cartório de registro de imóveis. Assim, os usos definidos pelo GDF para aquele espaço eram institucionais e não residenciais.
Inusitadamente, em 1994 o Governo do Distrito Federal doou a área onde hoje se pretende construir a quadra 500 à Marinha do Brasil, sem que houvesse o respectivo registro imobiliário e projeto de urbanismo e memorial descritivo aprovados. Em entendimento entre a Marinha e a TERRACAP, que informou ao Comandante Naval de Brasilia que no local poderiam ser construídas edificações para fins residenciais de três pavimentos, a Marinha decidiu permutar a área com a Construtora Antares, em dezembro de 2007 e em 2010, o processo de parcelamento foi concluído com a publicação do Decreto 32.144/2010.
A TERRACAP doou o que não existia, para construir o que não podia.
Daí em diante, vários questionamentos junto ao Tribunal de Constas do Distrito Federal , ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e ao Ministério Púbico Federal foram encaminhados pele sociedade civil, através da Frente Comunitária em Defesa do DF e Brasília, a Associação Parque das Sucupiras e o Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal .
Enfim, ao contrário do que o Secretário da SEGETH afirmou em entrevista na CBN há, sim, muito a ser feito e, em especial, a ser desfeito, em favor do interesse público e obediência a legislação vigente e aos procedimentos corretos de implementação de projetos urbanos e de obediência à legislação de tombamento e preservação do Patrimônio, como acima demonstrado.
O GDF errou ao transformar uma área definida apenas por Decreto e sem registro em cartório imobiliário, DESTINANDO LOTES A EDIFICAÇÃO.
O GDF errou quando transformou uma área apenas prevista para EQUIPAMENTOS COMUNITÁRIOS em área residencial.
O GDF errou quando transferiu à Marinha uma área que, na verdade, não existia;
O GDF errou quando negociou com a Marinha uma área que pelos instrumentos legais de Tombamento já estava definida como non-aedificandi.
O GDF errou quando aprovou um projeto de parcelamento urbano destinado a uso residencial onde não existia tal previsão nem destinação.
O GDF errou quando aprovou tal projeto de parcelamento urbano destinado ao uso residencial desconsiderando a capacidade dos sistemas de infraestrutura urbana de abastecimento de água, sistema viário, energia, drenagem pluvial, coleta e tratamento de esgotos e destino final de resíduos sólidos.
O GDF continua errando ao afirmar que tudo foi feito corretamente.
Quando o Poder Púbico erra, tem o DEVER de corrigir seu erro, a bem do interesse público.
Espera-se que, no mínimo, a Justiça faça com que o Poder Executivo corrija seus erros e reintegre essas áreas como Bem Público de Uso Comum do Povo, non-aedificandi, como deveria estar desde a publicação do Decreto 10.829/87 e seu anexo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário