MEIO AMBIENTE E ENERGIA
16/09/2018
Documentário e série de reportagens ensinam como a indústria da carne impulsiona a devastação da Amazônia
Marcelo Leite
Jornalista especializado em ciência e ambiente, autor de “Ciência - Use com Cuidado”.
É verdade que o agronegócio apoia um candidato chegado aos “profissionais da violência”, mas é verdade parcial. Uma boa safra jornalística ajuda agora a conhecer quem são seus apoiadores, a banda BBC (boi, bala, correntão) dos proprietários rurais.
A outra banda ruralista, que mobiliza soja, cana e capital (financeiro, não o natural), atua de maneira mais discreta. Usa terno e gravata, paga propaganda soft do agro e deixa que pares mais truculentos falem grosso no Congresso, aprovando retrocessos nos quais também têm interesse.
Para entender melhor como pensam e agem os verdadeiros caubóis, comece pelo documentário “Sob a Pata do Boi”. O filme de Marcio Iseense e Sá e Eduardo Pegurier pode ser visto em várias plataformas digitais (links no final do texto).
Não se recomenda que a sessão ocorra num churrasco em família. Quem desprezar o conselho corre risco de desatar a falação do sobrinho vegetariano e deixar a picanha passar do ponto.
Por falar em picanha, os 48 minutos da película se abrem com o corte de fatias pingando sangue num rodízio. Noutra cena, antológica, a imagem se repete ao som de motosserras acompanhando a descida da faca.
A sonoplastia também foi cruel com o ex-ministro do Meio Ambiente Zeca Sarney (PV-MA), em cuja entrevista se ouvem mugidos pouco discretos. Sarney Filho aparece em gravações contraditórias, ora vangloriando-se por ação do Ibama contra frigoríficos, ora deplorando-a como inoportuna.
É a cara do agronegócio, pura ambivalência que o documentário se põe a evidenciar com foco concentrado na Amazônia. Pululam os fazendeiros e políticos que se consideram heróis alimentadores da humanidade ao mesmo tempo em que defendem o desmatamento.
Fato é que a floresta amazônica já perdeu quase 20% da metade do Brasil que cobria e que a maior parte disso virou pasto, em terras griladas e derrubadas ilegalmente. A região conta hoje 85 milhões de cabeças de gado, três para cada habitante humano.
Torna-se grande a chance, assim, de que o filé mignon comprado num supermercado de São Paulo venha de um boi que pastou em área desmatada. Para cortar esse vínculo, o Ministério Público firmou com uma centena de frigoríficos da região termo de ajuste de conduta –o TAC da Carne– que previa multas ao produto de pecuaristas com passivo ambiental.
Com o filme pronto, conta Pegurier, “a grande decepção ocorreu em março deste ano, quando o Pará divulgou a primeira auditoria dos frigoríficos que assinaram TACs e o MPF passou a mão na cabeça de todo mundo”.
A história da destruição da Amazônia tem relação direta com a abertura e a pavimentação de estradas, como evidenciam o documentário e a primeira reportagem da série Projeto Amazônia, “Asfaltar ou não asfaltar?”, de Fabiano Maisonnave e Lalo de Almeida.
Não que as rodovias sejam, em si, um mal. Ao contrário, elas melhoram a vida de quem vive isolado e ganha acesso a hospitais e mercados.
O problema está na forma desordenada e bucaneira com que se franquearam as terras públicas da Amazônia para apropriação indevida, objeto da segunda reportagem da série.
Não falta material para tomar conhecimento do que vem junto com a carne no seu prato, mas fique sabendo que não é de fácil digestão.
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