O Estado de S. Paulo – O rio em recuperação / Editorial
22/09/2018
Pode-se pescar em vários trechos, mas em boa parte deles se recomenda não consumir o pescado; o mau cheiro se foi da região de Salto, mas as camadas de espuma ressurgem de tempos em tempos; está menos poluído do que no ano passado, mas ainda é considerado morto em 10,6% de seus 1.150 quilômetros de extensão. Embora não ofereça grandes motivos para os paulistas comemorarem seu dia, que coincide com o início da primavera, o Rio Tietê – que atravessa toda a Região Metropolitana de São Paulo e desemboca no Paraná, no limite oeste do Estado de São Paulo – vem sendo recuperado.
Há 26 anos, depois de uma ampla campanha popular liderada pela SOS Mata Atlântica e pela Rádio Eldorado, vinculada ao Grupo Estado, o governo do Estado lançou um programa para despoluí-lo. Desde então, os prazos para limpar o Tietê em toda a sua extensão, tornando-o adequado para diferentes usos, vêm sendo anunciados e em seguida prorrogados. O que está valendo no momento é 2019, quando quase todo o esgoto coletado na Grande São Paulo deveria estar sendo tratado adequadamente. Com certeza também esse será modificado.
Parte das mais nocivas fontes de sua degradação foi ou está sendo contida, mas outras persistem. Eliminá-las continua a exigir investimentos, em geral aplicados em volumes insuficientes. Exige também ação política e administrativa que demanda entendimentos entre diferentes instâncias de governo – nem sempre tem sido possível alcançar esse grau de articulação entre as diversas esferas do poder público. Fez-se muito desde que as autoridades reconheceram a gravidade do problema, mas ainda há muito a fazer para restaurar a qualidade que as águas do Tietê tiveram um dia, lá se vão muitas décadas.
É tímida a melhora da qualidade do rio entre 2017 e 2018 detectada pela SOS Mata Atlântica em seus 112 pontos de coleta de água para análise. É de 122 km o trecho em que o rio é considerado morto, isto é, onde a oxigenação é de praticamente 0% (o índice mínimo para a existência de peixe é de 5% e o ideal, de 7%). É uma extensão 8 km menor do que a aferida no ano passado, mas bem maior do que o mínimo de 71 km registrado em 2014.
Reconheça-se que o índice de quatro anos atrás se deveu, paradoxalmente, à crise hídrica, que reduziu a vazão do rio, mas também reduziu o volume de detritos lançados pelas águas da chuva nele e nos seus afluentes. A melhora recente deve-se, em boa parte, ao aumento da capacidade, de 9 m³/seg para 12 m³/seg, da Estação de Tratamento de Esgotos de Barueri, operada pela Sabesp. Com isso, 8 toneladas de esgotos deixaram de ser lançadas diariamente no Tietê.
O trecho em que o rio é considerado morto se estende da nascente, em Salesópolis – no extremo leste da Grande São Paulo –, até o município de Cabreúva. Dali, as águas seguem por diversas corredeiras que, quando a concentração de detergentes de uso doméstico nelas lançados é alta, produzem a espuma que se acumula no trecho em que o rio atravessa o município de Salto. A ocorrência mais recente foi em julho. A falta de chuvas, que resulta em maior concentração de poluentes, foi apontada como o principal fator dessa ocorrência. Há três anos, nas quedas d’água que atraem turistas para a cidade, ocorreu a mortandade de 40 toneladas de peixe por causa da poluição.
Foi nesse trecho, como mostrou reportagem do Estado, que a vida ressurgiu. Patos, marrecos, revoadas de garças, tartarugas são ali vistos. “Nesse trecho acima da cachoeira voltou a ter explosão de vida”, disse Malu Ribeiro, da Fundação SOS Mata Atlântica. Em alguns trechos mais afastados do centro da cidade, há quem pesque. “Mas duvido que tenha coragem de comer”, comentou uma moradora da cidade. Outro morador se lembrou dos tempos em que mergulhava, nadava e pescava no Tietê, cujas água bebia. Não acredita que viverá para repetir essas atividades no rio, mas reconhece: “Estava pior. A espuma era muito mais alta e o mau cheiro, terrível. Já demos um passo”. Faltam muitos.
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