sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Valor Econômico – Por quem os sinos do clima dobram / Artigo / Bradford DeLong

MEIO AMBIENTE E ENERGIA


J. Bradford DeLong, ex-vice-secretário-assistente do Departamento de Tesouro dos EUA, é professor de economia da Universidade da Califórnia, campus de Berkeley, e pesquisador adjunto da Agência Nacional de Pesquisa Econômica dos EUA. Copyright: Project Syndicate, 2018.

Eu mal tinha começado a minha primeira aula do semestre do outono aqui na Universidade da Califórnia, campus de Berkeley, quando percebi que estava com muito calor. Queria tirar meu blazer de tweed professoral.

Um blazer de tweed é um traje maravilhoso, mas muito peculiar. Se sua matéria-prima se limitar a uma ovelha, ele é a coisa mais próxima que há do Gore-Tex. Ele não apenas é perfeito para um clima nublado e chuvoso, é também surpreendentemente quente - seco ou molhado - para o seu peso. No mundo pré-aquecimento central os tecidos de lã atualmente mais comumente associados à indumentária masculina formal e semiformal eram, ao mesmo tempo, eficientes e confortáveis, independentemente de seu portador morar em Oxford, Cambridge, Edimburgo, Londres, Bristol ou Norwich.

Mas blazers de tweed e assemelhados também se disseminam pelo planeta - uma faca de dois gumes pela qual se pode agradecer (ou responsabilizar) o Império Britânico. Para os que vivem mais perto do Equador e distantes da garoa e do nevoeiro das Ilhas Britânicas, roupas como essas são, há muito, proscritas. Após o advento do aquecimento central, as roupas de lã perderam a praticidade mesmo nas zonas temperadas.

Mesmo assim, blazers de tweed continuaram sendo uma alternativa de indumentária confortável em alguns lugares de todo o mundo, como a Escócia e partes da Inglaterra (onde era, por muito tempo, considerado pouco fino as pessoas usarem, na verdade, seu próprio aquecimento central), o nordeste dos Estados Unidos e a área da baía de Sâo Francisco. Na realidade, o clima de Berkeley é um dos pequenos motivos pelos quais resolvi mudar para cá após três anos em Washington, onde a pessoa aprende exatamente que volume de suor um traje de lã consegue absorver durante os deslocamentos diários.

Mas, nos últimos 20 anos, a vestimenta professoral se tornou cada vez mais desconfortável, mesmo aqui do lado leste da Baía. O clima agora se assemelha mais ao de Santa Barbara, 480 km ao sul. E assim, um número cada vez maior de nós dá aula de camisas de colarinho abotoado, de manga curta, como as usadas meio século atrás pelos moradores do Instituto de Tecnologia da Califórnia (que fica ainda mais ao sul, em Pasadena).

Na medida em que o planeta se aquece e os níveis do mar sobem, o comportamento dos ciclones vai mudar e o mundo enfrentará uma longa sucessão de catástrofes naturais. A comunidade internacional não está preparada para um cenário desse tipo

Mesmo assim, para os dentre nós que vivem nos EUA - e no Hemisfério Norte, de modo geral -, a elevação das temperaturas talvez não venha a ser um problema tão grande no próximo século. Essencialmente, o clima vai avançar lentamente rumo norte cerca de 4,8 km a cada ano. Há possíveis cenários de catástrofes naturais derivados do desaparecimento dos bancos de gelo, da rápida desertificação, e assim por diante. Mas esses problemas serão inconvenientes e onerosos, não insuperáveis.

Mesmo assim, os problemas associados à mudança climática não serão nem simples inconveniências nem estão tão distantes quanto gostaríamos de imaginar. Há atualmente 2 bilhões de agricultores próximos ao nível de subsistência que habitam os seis grandes vales fluviais da Ásia, do rio Amarelo até as adjacências do rio Indo. Esses agricultores têm meios limitados e poucas qualificações não agrícolas. Não seria fácil para eles arrumar os pertences e mudar de lugar, menos ainda ganhar a vida fazendo outra coisa.

Os seis grandes vales fluviais da Ásia respaldaram a maior parte da civilização humana nos últimos 5 mil anos. Durante esse tempo, a neve que derretia nos altiplanos da região sempre chegou exatamente no momento certo e exatamente no volume certo para sustentar os produtos agrícolas dos quais depende a população da região.

No mesmo sentido, outro bilhão de pessoas depende da chegada das monções no momento certo, e no lugar certo, a cada ano. Mas, na medida em que o planeta se aquece e os níveis do mar sobem, o comportamento dos ciclones na Baía de Bengala e em outros lugares vai mudar. Se eles ficarem mais fortes e começarem a avançar para o norte na direção dos 250 milhões de pessoas que vivem no nível do mar ou próximo dele na grande região do Delta do Ganges, o mundo enfrentará uma longa sucessão de catástrofes naturais.

A comunidade internacional não está, de maneira nenhuma, preparada para um cenário desse tipo. De fato, os Estados Unidos, o país mais rico do mundo, sequer estavam preparados para o furacão Katrina em Nova Orleans, para o furacão Sandy em Nova York, para o furacão Harvey em Houston ou para o furacão Maria em Porto Rico, que se estima atualmente ter custado 2.975 vidas.

Esses quatro furacões estão entre os mais danosos da história dos EUA e todos eles ocorreram apenas nos últimos 15 anos. A gravidade do seu impacto não foi meramente produto de incompetência administrativa ou do aumento da densidade da ocupação residencial e comercial litorânea. Foi, em vez disso, o resultado previsível de um clima em mutação. E, o que é pior, comparadas às catástrofes naturais, esses foram só leves arranhões em relação ao que o futuro nos reserva caso as tendências atuais se mantenham.

Como nos lembraria o poeta do século XVII John Donne, "nenhum homem" - nem nação, região ou país - "é uma ilha, completo em si próprio....Portanto, não indague por quem os sinos dobram; eles dobram por ti". (Tradução de Rachel Warszawski)

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