sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Ferramentas genéticas lançam luz sobre a biodiversidade brasileira

Ferramentas genéticas lançam luz sobre a biodiversidade brasileira

Estudos com vermes, micos-leões, peixes e outros organismos podem ser beneficiados com aplicações genômicas






O mico-leão é um dos alvos de estudos em genômica que podem ajudar na sua conservação. 
Há quatro espécies deste animal encontradas na Mata Atlântica brasileira, entre elas o mico-leão-preto desta foto – todas estão na Lista Vermelha da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN) – Foto: Alan Hill – Flickr via Wikimedia Commons / CC BY-SA 2.0
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Em constante evolução, a genética, cada vez mais, permite aos cientistas desvendarem o passado, conhecerem o presente e preverem o futuro de uma espécie. E se antes os estudos eram restritos a poucos organismos, hoje eles se estendem para muitas formas de vida. Um dos exemplos é a genética aplicada aos pequenos animais marinhos.

No Instituto de Biociências (IB) da USP, o Laboratório de Diversidade Genômica sedia pesquisas de genômica populacional de organismos como os vermes nemertinos, os gastrópodes (lesmas e caramujos) e os poliquetas (vermes aquáticos). Um dos objetivos é entender se os padrões de conectividade entre as populações podem ser descritos utilizando como base modelos de circulação oceânica. “Também estamos interessados em entender processos de adaptação local nessas espécies”, relata Sónia Andrade, coordenadora do Laboratório.
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Nemertino do gênero Evelineus – Foto: Cecili Barrozo Mendes
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Nereis succinea na forma epítoca – Foto: Hans Hillewaert via Wikimedia Commons / CC BY-SA 4.0
Segundo a professora, até o momento não há conhecimento de trabalho semelhante em populações que habitam o costão rochoso no Brasil. A identificação de regiões gênicas com diferentes perfis de expressão e sua função, seja no desenvolvimento, comportamento de acasalamento, resposta a estresse, entre outros aspectos, será fundamental a curto prazo para entender quais mecanismos evolutivos moldam a distribuição da variabilidade nessas espécies. “A médio e longo prazo é essencial compreender como essas populações respondem às alterações ambientais, tais como o aquecimento global, para auxiliar na definição de estratégias de conservação de ecossistemas”, conta.
 

Para desenvolver esse tipo de trabalho, as ferramentas ômicas entram em destaque. “Com as novas ferramentas analíticas e técnicas de sequenciamento, há possibilidade de fazer uma montagem ‘de novo’ do genoma/transcriptoma de diferentes organismos”, explica Sónia, referindo-se em especial ao sequenciamento de nova geração (NGS).

Segundo a pesquisadora, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) tem feito um grande investimento em parques de equipamentos do tipo, como o Centro de Genômica Funcional, sediado na USP em Piracicaba.
Bancada – Fonte: LabBMC
Outro exemplo de aplicação da genômica se dá no Laboratório de Genética de Organismos Aquáticos e Aquicultura, coordenado pelo professor Alexandre Hilsdorf, da Universidade de Mogi das Cruzes. 

“Nosso grupo trabalha com marcadores moleculares aplicados à conservação e uso sustentável de peixes e outros organismos aquáticos de interesse para pesca e aquicultura, com o objetivo de caracterizar recursos genéticos tanto de populações selvagens quanto de cativeiro, de maneira a conhecer e preservar a variabilidade genética presente na natureza. Por outro lado, o uso dessas metodologias para o melhoramento genético de espécies impacta positivamente no aumento da produtividade de peixes em cativeiro, conservando populações selvagens pela diminuição da sua pesca”, pontua ele.

O pesquisador destaca ainda a colaboração com o Centro de Genômica Funcional, da Escola Superior de Agricultura (Esalq) da USP, na produção de ciência de qualidade e publicação de artigos. “O rápido sequenciamento de genomas integrais, bem como o desenvolvimento de marcadores moleculares, permitem a rápida aplicação do conhecimento do genoma em programas de melhoramento genético”, pondera.
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Eletroforese – Fonte: LabBMC
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Mico-leão

Outro grupo de pesquisa que também se dedica ao estudo de populações animais exploradas e/ou ameaçadas é do Laboratório de Biodiversidade Molecular e Conservação (LabBMC) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), coordenado pelos professores Pedro Galetti Junior e Patrícia de Freitas. O LabBMC sedia o Projeto Genoma do Mico-Leão-Preto (Black Lion Tamarin Genome Project, em inglês), que conta com vários colaboradores do Brasil e do exterior a fim de caracterizar o genoma completo do mico-leão-preto.

Há quatro espécies de mico-leão, que pertencem ao gênero Leontopithecus: mico-leão-dourado (L. rosalia), mico-leão-preto (L. chrysopygus), mico-leão-da-cara-dourada (L. chrysomelas) e mico-leão-da-cara-preta (L. caissara). Elas são encontradas na Mata Atlântica dos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e Paraná, respectivamente, mas todas estão na Lista Vermelha da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em Inglês), sendo a destruição da Mata Atlântica uma das principais causas de ameaça a essas espécies.
Mico-leão-preto – Foto: Miguelrangeljr via Wikimedia Commons / CC BY-SA 4.0


“A partir de dados genômicos podemos estudar a relação entre espécies, identificar híbridos e a biodiversidade oculta. Recentemente sequenciamos o genoma mitocondrial [herdado apenas da mãe] completo do mico-leão-preto, espécie símbolo do Estado de São Paulo, com a colaboração do Centro de Genômica Funcional da Esalq”, conta Patrícia. “Uma ampla análise foi realizada para 124 espécies que permitiu conhecer melhor as relações genéticas entre primatas do Novo Mundo, incluindo dois micos-leões. A identificação precisa de uma espécie é fundamental para planos de manejo conservacionistas e para auxiliar nas políticas públicas”, enfatiza.

O LabBMC também realiza trabalhos de análise forense com a Polícia Ambiental do Estado de São Paulo e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), possibilitando a identificação de espécies provenientes de tráfico e caça ilegal de animais silvestres. “Muitas vezes recebemos amostras de filés processados e até mesmo de linguiça. Extraímos o DNA dessas amostras, sequenciamos genes espécie-específicos e indicamos a qual espécie silvestre pertence cada amostra”, finaliza Patrícia.

Tássia Biazon, especial para o Jornal da USP

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