Cabras surpreendem cientistas ao identificar expressões faciais humanas
Estudo internacional com participação da USP mostra que cabras preferem rostos felizes
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Animais
como cães e cavalos são capazes de reconhecer algumas de nossas
emoções, mas essas espécies foram domesticadas para realizar tarefas que
requerem interação conosco, como caça ou pastoreio – e pode ser que no
processo tenham sido selecionados indivíduos com mais aptidão para
interpretar expressões humanas. Já no caso das cabras e de outros
animais de fazenda, a interação com o homem é menos relevante – daí os
resultados deste estudo inédito serem tão surpreendentes, trazendo novas
questões – Foto: Alan McElligott
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Um estudo que acaba de ser publicado na prestigiada revista científica Royal Society Open Science sugere
que cabras são capazes de discriminar entre expressões humanas alegres e
de raiva, mostrando preferência pelas primeiras. O trabalho foi
realizado por um grupo internacional de pesquisadores, e contou com a
participação de duas cientistas brasileiras, Natália de Souza
Albuquerque e Carine Savalli.
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“Esse
estudo traz um resultado fascinante, uma vez que mostra que a habilidade
complexa de perceber as emoções humanas por meio de dicas sutis da face
não está presente somente em animais domesticados para companhia, como
os cães”, diz Carine Savalli, que além de ser docente na Unifesp, é
colaboradora no programa de pós-graduação em Psicologia Experimental do
Instituto de Psicologia (IP) da USP.
Não se sabe
ao certo o quanto está difundida no reino animal a habilidade para
identificar expressões faciais humanas. O que já era observado é que
alguns animais domésticos, como cães e cavalos, são capazes de
reconhecer algumas das nossas emoções. Porém, ambos exemplos representam
espécies que foram domesticadas para realizar tarefas que requerem
interação com humanos, como caça ou pastoreio – e isso abre a
possibilidade de que, no processo de domesticação tenham sido
selecionados os indivíduos com maior aptidão para interpretar emoções
humanas. Já no caso das cabras e de outros animais de fazenda, a
interação com humanos é menos relevante: a criação é motivada por
características físicas, como o tipo de pêlo, a quantidade e qualidade
do leite ou o tamanho dos ovos. Ficava então a dúvida: será que mesmo
assim esses animais poderiam interpretar expressões humanas?
O estudo
A ideia do
trabalho surgiu há dois anos, quando Natália Albuquerque, doutoranda do
Instituto de Psicologia (IP) da USP, desenvolvia uma parte de sua
pesquisa na Universidade de Lincoln, na Inglaterra.
Em 2016 eu estava na Inglaterra e fui convidada pelo professor Alan McElligott para dar uma palestra sobre o meu trabalho. Tínhamos publicado um artigo que mostrava que cães conseguem reconhecer expressões emocionais humanas, tanto pela face como pela voz, e o professor McElligott, que estava estudando cabras, queria começar a olhar para a questão afetiva nesses animais.
Nas suas pesquisas com cabras, McElligott tem a colaboração do Santuário de Buttercups,
uma instituição de caridade que acolhe cabras maltratadas ou
abandonadas, e que se encontra localizado a 75 quilômetros de Londres,
na Inglaterra. Foi aqui que os testes para avaliar a capacidade das
cabras para reconhecer faces humanas foram desenvolvidos.
Durante
cada teste, cabras e bodes foram apresentados com duas fotografias, uma
do lado da outra, de uma pessoa que elas nunca tinham visto. Em uma das
fotografias a pessoa sorria, na outra mantinha uma expressão de raiva.
“A gente
queria ver se as cabras mostram uma tendência a se aproximar, a
interagir, a olhar mais, para as faces positivas ou para as negativas.
Assim poderíamos concluir que elas conseguem discriminar. Se não, elas
olhariam e interagiriam com as duas das mesma forma”, explica Natália.
Quando os
pesquisadores deixaram as cabras explorar as fotografias, os animais
mostraram uma preferência pelos rostos felizes, o que sugere que elas
são capazes de identificar e discriminar expressões faciais humanas. O
que não se sabe ao certo é se elas escolhem os rostos felizes porque os
preferem, ou se o que acontece é que elas evitam os rostos zangados.
Ciência rigorosa
Um aspecto
crucial nos estudos em etologia, a ciência que estuda o comportamento
animal – e que tem representantes respeitados como César Ades – é
o de controlar ao máximo todos os parâmetros durante os experimentos. É
a única forma de se ter certeza que um comportamento está sendo causado
por um determinado estímulo e não por outro.
“Nos
estudos de comportamento e cognição temos que controlar tudo. Por isso
demoram tanto para serem feitos. Outras áreas publicam bem mais rápido,
exatamente porque não têm que lidar com esse tipo de viés”, afirma
Natália.
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Por
exemplo, cada animal repetiu o ensaio quatro vezes, mas os pesquisadores
deixaram passar duas semanas entre cada um dos ensaios para evitar que
as cabras se habituassem ao teste. Outro aspeto que foi controlado foi o
lado do qual cada cabra foi segurada antes de deixá-la explorar as
imagens. E foram utilizadas fotografias tanto de um homem como de uma
mulher.
Esse
controle do cenário permitiu aos pesquisadores fazer uma observação
interessante: as cabras interagiram mais com as expressões felizes
quando estas foram colocadas no seu lado direito.
A razão
desse comportamento não está clara, mas os pesquisadores especulam que
poderia ser devido à forma como o cérebro de alguns animais processa os
diferentes tipos de estímulos. De acordo com uma ideia com a que se
trabalha na área da etologia, o hemisfério direito do cérebro seria
responsável por processar majoritariamente emoções negativas, enquanto o
hemisfério esquerdo processaria emoções positivas. Essa seria a razão
pela qual os cães, quando são apresentados com estímulos negativos,
tendem a fugir para o lado esquerdo – o lado oposto do hemisfério
cerebral que processa o estímulo. O fato de que as cabras sejam mais
receptivas a imagens de rostos felizes quando elas são mostradas no lado
direito sugeriria então que as emoções estão sendo processadas pelo
hemisfério esquerdo, o que sustentaria a hipótese.
Os próximos passos
Para a professora Carine, os novos resultados, longe de fechar o tema, trazem consigo muitas outras perguntas.
“Este estudo traz a primeira evidência da
presença de uma habilidade cognitiva bastante complexa em cabras, sendo
importante, portanto, que mais estudos sejam conduzidos, com amostras
diferentes em condições diferentes, para reforçar os achados”, afirma.
Os
pesquisadores já estão planejando esses novos experimentos, que
permitirão conhecer o alcance do achado e, quem sabe, a origem evolutiva
da capacidade das cabras para identificar emoções humanas.
“As cabras do santuário interagem todos os dias com pessoas, e é uma interação positiva. Então fica a pergunta: será que [elas são capazes de identificar expressões humanas] porque ao longo da história de vida delas elas têm esse contato com os humanos?”, diz Natália.
Outra
possibilidade seria que, embora as cabras não tenham sido domesticadas
pela sua capacidade para interagir com seres humanos, essa qualidade
tenha vindo junto com outras que sim foram selecionadas, como a
mansidão. Ou pode ser ainda que a capacidade para reconhecer emoções
humanas não esteja restrita a animais domésticos, mas seja comum a
certos grupos de animais.
Para
Natália Albuquerque, responder a essas perguntas e avançar no
conhecimento do comportamento animal não é um simples ato de
curiosidade, mas uma forma de abordar uma questões mais complexas,
filosóficas, inclusive.
“Nós não
somos quem nós somos sem a nossa interação com os animais. Não existe
nenhuma pessoa no Planeta que não interaja com animais. Por isso
entender essas relações é extremamente importante para nós”.
Mais informações: e-mail natalia.ethology@gmail.com, com Natália de Souza Albuquerque ou carinesavalli@gmail.com, com Carine Savalli
cc
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