segunda-feira, 22 de outubro de 2018
ECO21 – A Amazônia tem pressa
por Elisa Homem de Mello – jornalista ambiental –
A importância da Amazônia para o mundo é proporcional à sua extensão. Trata-se de região complexa o suficiente, cujas fronteiras não respeitam limites, já que as mesmas, por si só, se extrapolam.
Em parceria com o Grupo Santander, a The Nature Conservancy (TNC) trouxe ao público, no último dia 3 de setembro, em São Paulo, o evento “Amazônia tem pressa: Experiências Empreendedoras”, que debateu a expansão da infraestrutura na região, abordando os desafios da governança e as gestões públicas para a conservação do território Amazônico, com base em uma visão integrada e em experiências práticas.
Ainda que fosse para justificar o óbvio, se tivéssemos de pontuar os motivos pelos quais investir na Amazônia é lucro certo, enfatizaríamos o suprimento de água e a melhora na qualidade do ar que respiramos, visto que a região Amazônica concentra 20% de toda água doce do Planeta e que os processos de evaporação e transpiração desta floresta ajudam a manter o equilíbrio climático. Poderíamos lembrar ainda do fornecimento de medicamentos e matérias primas para os mais variados segmentos da indústria. Sem falar dos alimentos. A Amazônia é a última fronteira gustativa da Terra, uma vez que aí estão os sabores que o mundo desenvolvido ainda não experimentou e talvez seja o único lugar onde eles ainda existam.
Aí também estão uma em cada cinco espécies do Planeta. E, por isso, poderíamos lembrar também que a Amazônia contém a genética que vai prover as soluções das novas fontes de energia, já prevendo o fim do ciclo do petróleo. E seriam infindáveis os motivos para convencermos quem quer que fosse a investir nestas terras, pois todas as soluções ecológicas e sustentáveis para o mundo passam pela Amazônia.
Na prática
Com tanto potencial, fica fácil compreender que a Amazônia não precisa de ajuda, mas sim de oportunidades. Então, o que falta nesta região de tanta visibilidade e com tantos atributos desejados para que o empreendedorismo não seja apenas um ato de muita fé e acolha com seriedade o cuidado com o meio ambiente e a responsabilidade social?
De acordo com as experiências práticas da Reserva Extrativista (RESEX) Tapajós-Arapiuns, modelos de negócio que valorizem a floresta em pé devem ser olhados com carinho. O desmatamento na região representa hoje a liberação de 200 milhões de toneladas de carbono por ano (2,2% do fluxo total global). Por outro lado, a Amazônia armazena em suas florestas o equivalente a uma década de emissões globais de carbono, de acordo com dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).
Para Andréa Cardoso de Almeida, Representante da Organização e das Associações e Moradores da Resex Tapajós-Arapiuns, falta Investimento. A variedade de produtos da região é indiscutível, mas está claro que eles precisam ser trabalhados para chegarem ao consumidor final. “É preciso ainda qualificação, inovação, transporte, dentre outras questões sociais, como o combate ao preconceito de igualdade de gênero nos trabalhos”, afirma Almeida. Em consonância, está a visão de Hélia Félix, agricultora e cooperada da Coopatrans/Cacauway, para quem faltam também Políticas Públicas, cujo papel deve ser o de tornar a vida daqueles que querem investir na Amazônia mais fácil e fazer com que empreender na região não seja uma aventura e sim um ato corriqueiro e responsável. “Vontade e produtos de qualidade nós temos. Precisamos de meios para escoar esses produtos”, explica Félix, dando como exemplo o trecho de 480 km que liga sua indústria de produção de geleia até Santarém, dos quais apenas 120 km são asfaltados.
Existem histórias de sucesso na Amazônia, conquanto sejam pontuais e isoladas. E nem todos conseguem perseverar e apresentar a resiliência necessária neste processo. Faltam centros de infraestrutura, seja para logística de distribuição, seja para embalagens, fazendo com que os produtos locais não concorram com outros em preço, uma vez que estes custos são alto neste Estado. Por outro lado, os produtos existentes, tais como cacau, cupuaçu, bacuri, açaí e os mais de 140 cogumelos yanomamis já catalogados, garantem a segurança na biodiversidade. “Falta Conexão. A questão/desafio é como conseguiremos chegar nas prateleiras dos supermercados da Europa, de São Paulo ou dos EUA com um preço competitivo. Somos produtores mas não estamos no centro consumidor”, coloca Raphael Medeiros, Diretor Executivo do Centro de Empreendedorismo da Amazônia.
A Resex Tapajós-Arapiuns tem cerca de 1 milhão de hectares, o que representa 10 vezes o tamanho de São Paulo. Aí habitam 6 mil famílias, que, a grosso modo, poderíamos concluir, “cuidam” de aproximadamente 208 milhões de brasileiros.
Uma visão integrada do desenvolvimento
A Bacia do Tapajós é um território bastante emblemático no processo amazônico. Localizado entre os estados da Amazônia, de Mato Grosso, do Pará e de Rondônia, abrange 74 municípios com cerca de 1,5 milhão de habitantes. Trata-se de área de transição entre o Cerrado e a Floresta Amazônica, onde 40% do território está destinado às Unidades de Conservação (UCs) e aos Territórios Indígenas. Aí habitam 800 espécies de pássaros, 500 espécies de peixes e 250 de mamíferos. Além de concentrar enorme potencial hídrico e, portanto, energético, e uma localização estratégica para a saída Norte de toda a produção de grãos que vem do Mato Grosso, expandindo a fronteira agrícola.
Entretanto, os processos de transformação territorial na região não são projetados em escalas adequadas a estes processos socioambientais e econômicos, tão pouco respeitam as pessoas que lá estão, muito menos o DNA da própria Amazônia.
“Seguimos planejando muito mal todo este território, analisando os projetos de forma fragmentada, sem considerar impactos cumulativos e sinergias, e sem fazer com que as políticas públicas associadas a todos estes investimentos que ali chegam, sejam revertidas em transformação sistêmica com resultado socioeconômico positivo para todo o território”, afirma Karen Oliveira, Gerente de Infraestrutura, TNC Brasil.
Foi pensando em resgatar a questão do planejamento que foi criado o Blueprint. Trata-se de uma metodologia científica de planejamento integrado apoiada em base de dados espaciais que permite identificar áreas prioritárias para ações governamentais de conservação e gestão. O Blueprint serve como ponto de partida para fortalecer o diálogo entre diferentes atores e setores, e para a implementação de políticas que assegurem a sustentabilidade ambiental, fundamental para a manutenção da biodiversidade e de serviços ecossistêmicos, e para o crescimento econômico de uma bacia hidrográfica. A partir daí, torna-se possível estabelecer uma visão integrada e compartilhada por todos, fazendo com que as políticas públicas ali direcionadas passem a ser mais efetivas.
A partir de um conjunto de variáveis físicas (elevação e gradiente do terreno, densidade da drenagem e gradiente do leito dos rios) o Blueprint foi capaz de definir a Bacia do Tapajós em 985 unidades de planejamento (UPs), que integraram quatro grupos maiores de drenagem: rios de cabeceiras, pequenos tributários, grandes tributários e rios principais. Os cruzamentos desses dados geraram o ATLAS TAPAJÓS 3D – avaliando as dimensões tecnológica, científica e social.
De outro lado, um grupo formado por 177 associações empresariais, organizações da sociedade civil e academia criaram 28 propostas, agrupadas em três principais eixos (ordenamento territorial; dinamização dos mecanismos e agropecuária de baixo carbono aliada à conservação; restauração, reflorestamento e uso sustentável dos recursos naturais), com o objetivo de construir uma agenda para a agricultura, pecuária e economia de base florestal competitivas e sustentáveis. A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura colabora para a implementação da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), que contém os compromissos assumidos em 2015, no âmbito do Acordo de Paris.
“Estes serão elementos importantes para a prosperidade do país”, afirma Izabella Teixeira, ex-Ministra do Meio Ambiente, que lembra, no entanto, que ainda não fomos capazes de sair das questões do Século 20, como segurança alimentar e segurança energética, embora no Século 21 as questões primordiais sejam a segurança hídrica e a climática.
De fato, a gestão do território amazônico é uma questão que se arrasta desde a década de 1980 e está claro que o modelo de gestão empregado pelo estado brasileiro, que compreende relações tais como as conhecidas, precisa mudar. “É preciso ter flexibilidade para se tomar decisões com maior embasamento. O mundo espera que o Brasil apresente soluções para o meio ambiente”, enfatiza Teixeira.
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