Machos
de espécie encontrada em Ruanda dedicam bastante tempo cuidando dos filhotes da
comunidade, sendo eles de sua prole ou não. Os mais aplicados costumam ser mais
escolhidos pelas fêmeas.
Por BBC
15/10/2018 10h15 Atualizado há 2 dias
Machos de espécie encontrada em Ruanda dedicam bastante
tempo cuidando dos filhotes da comunidade, sendo eles de sua prole ou não —
Foto: TIERRA SMILEY EVANS/UC DAVIS/BBC
Há um consenso no mundo científico de que, no mundo animal,
o cuidado parental por parte de machos é raro entre mamíferos. Eles até podem
se preocupar com alimentação ou mesmo, como é o caso dos leões, proteção - mas
é um comportamento que já teriam mesmo se não houvesse filhotes no grupo.
Uma exceção que salta aos olhos dos pesquisadores é o caso
dos gorilas. Estudos anteriores realizados com os da espécie montanhesa que
vive em Ruanda, na África, já havia constatado que os machos dedicam bastante
tempo em funções de cuidado com filhotes da comunidade, sendo eles seus filhos
ou de outros.
Isto faz deles os únicos grandes símios em que machos
desenvolvem fortes laços com os filhotes, conforme ressaltam autores de um
estudo publicado nesta segunda-feira pela Universidade Northwestern, em
Illinois, Estados Unidos.
O artigo, que está na mais recente edição do periódico
Scientific Reports, procura entender os motivos deste comportamento.
E a resposta está no sexo - e na reprodução.
Os gorilas machos que gastaram maiores porcentagens de seu
tempo com filhotes - ainda que não os seus - tiveram maior prole — Foto:
TERENCE FUH NEBA, WWF CENTRAL AFRICAN REPUBLIC/BBC
O método
Conforme explicou à BBC News Brasil a antropóloga e
psicóloga Stacy Rosenbaum, pesquisadora do Departamento de Antropologia da
universidade e principal autora da pesquisa, os cientistas utilizaram 100 horas
de observação do comportamento de um grupo de gorilas-da-montanha.
"Então, calculamos a porcentagem do tempo que cada
macho passou cuidando, tratando, ensinando filhotes e descansando com eles",
explica a pesquisadora.
Em seguida, esses dados foram analisados em comparação com o
número total de descendentes que cada macho havia produzido em sua vida.
"(E a conclusão foi que) os gorilas machos que gastaram
maiores porcentagens de seu tempo envolvidos em tais comportamentos geraram
maior prole do que os outros, que se dedicaram menos", diz Rosenbaum,
enfatizando que, para o estudo, ajustes de controle foram feitos para que o
grau de dominância do membro do grupo, a idade e a longevidade não interferissem
no resultado final da amostra.
Os dados mostram um cenário um pouco diferente do que o
imaginário padrão sugere quando se pensa em um grupo de gorilas. Sai a ideia de
que a reprodução, no grupo, é dominada por um macho-alfa. E entra o poder de escolha
feminino.
Conforme ressalta o antropólogo Christopher Kuzawa, coautor
do trabalho e professor do Instituto de Pesquisa Política da mesma
universidade, uma interpretação provável é que "as fêmeas optam por se
acasalar com machos com base nessas interações", ou seja, os machos que
"passam muito tempo com grupos de filhotes, que cuidam e descansam com
eles, são os que têm mais oportunidades reprodutivas".
Rosenbaum lembra que há muito tempo se sabe que os
gorilas-das-montanhas competem entre si, dentro do grupo, para ter "acesso
às fêmeas" e conseguirem boas "oportunidades de acasalamento".
"Mas esses novos dados sugerem uma estratégia mais
diversificada", comenta. "Os machos que cuidam dos filhotes são muito
mais bem-sucedidos."
O estudo dá algumas pistas de como foi que os comportamentos
paternos podem ter evoluído — Foto: Alice C. Gray/BBC
De onde viemos
O estudo dá algumas pistas de como os comportamentos paternos
podem ter evoluído, inclusive no caso dos seres humanos.
A antropóloga lembra que, tradicionalmente, os cientistas
relacionam o cuidado parental masculino, de forma geral, a uma estrutura social
específica - a monogamia -, "que ajudaria a garantir que os machos
cuidassem de seus próprios filhos".
"Mas esta pesquisa (em que o comportamento foi
observado entre animais não monogâmicos) sugere que há um caminho alternativo
pelo qual a evolução pode ter gerado este comportamento, em situações de grupo
em que os machos podem não saber quais filhotes são seus", comenta.
A ilação, portanto, é: será que não foi assim também entre
os ancestrais humanos?
O próximo passo dos pesquisadores é analisar se há hormônios
específicos que auxiliam este comportamento - e provoca essa relação de causa e
consequência.
Estudos anteriores do qual o antropólogo Kuzawa fez parte
mostraram que, em humanos, a testosterona diminui à medida que os homens se
tornam pais. "E acredita-se que isto ajude a concentrar a atenção nas
necessidades do recém-nascido", pontua.
No caso dos gorilas, os pesquisadores não sabem se algo
semelhante ocorre.
Há dúvidas para ambos os cenários. Se os gorilas que estão
envolvidos particularmente em interação infantil experimentam declínios de
testosterona e isso impediria sua capacidade de competir com outros machos, o
nível baixo do hormônio poderia funcionar como algum atrativo para as fêmeas?
Ou, como eles são bem-sucedidos na atividade sexual, no caso
dos gorilas, altos níveis de testosterona e o comportamento de paternidade
ativa não são excludentes?
Estas novas questões ainda precisam ser estudadas. Rosenbaum
adianta que a ideia agora é justamente esta: caracterizar os perfis hormonais
dos machos ao longo do tempo.
Os cientistas acreditam que as fêmeas optam por se acasalar
com machos com base nessas interações — Foto: TERENCE FUH NEBA, WWF CENTRAL
AFRICAN REPUBLIC/BBC
Poder feminino
Se ainda não se sabe ao certo qual é o mecanismo biológico
que norteia o comportamento dos gorilas machos, o que os cientistas já cravam
com segurança é que, nas comunidades desses animais, o papel feminino é
fundamental na hora de escolher quais genes serão passados adiante.
"Não sabemos ainda qual é o mecanismo que impulsiona
tal correlação encontrada, mas a explicação mais plausível é que as fêmeas
preferem machos que cuidam da prole", define Rosenbaum.
"Isso sugere que a escolha feminina pode ser um fator
muito mais importante do que supúnhamos anteriormente na condução da trajetória
evolutiva dos gorilas."
Ela enfatiza que, com base na pesquisa, pode-se dizer que as
gorilas fêmeas "não são apenas observadoras passivas que acasalam com
qualquer macho que vença as lutas".
"Elas têm preferências e as expressam. E suas escolhas
têm importantes consequências evolutivas", diz.
E, enquanto estuda o mundo dos gorilas, a psicóloga não
deixa de pensar nos seres humanos.
"Um dos mistérios da evolução humana é como foi que
formas muito intensas de cuidados masculinos começaram, ainda entre nossos
ancestrais já extintos. Nossa pesquisa sugere um caminho que a seleção natural
pode ter tomado para obter formas rudimentares desse comportamento zeloso",
aponta.
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