Valor Econômico – País perde com saída do acordo de Paris, dizem especialistas
Por Daniela Chiaretti | De São Paulo
Silvia Zamboni/Valor Marina Grossi, do Cebds: "Nossas empresas podem ter problemas de competitividade e o país, de imagem"
A
retirada do Brasil do acordo climático das Nações Unidas, o chamado
Acordo de Paris, como o candidato Jair Bolsonaro (PSL) tem ameaçado
fazer se eleito, pode ter impactos econômicos e ambientais. Também não
será tão fácil, tecnicamente, sair de um acordo internacional que no
Brasil já é lei.
"Uma
eventual saída do Acordo de Paris é um mau sinal e um mau negócio para o
Brasil", diz Andre Guimarães, facilitador da Coalizão Brasil Clima,
Florestas e Agricultura, que reúne 180 membros entre setor privado, ONGs
e academia. Estão na entidade Cargill, Fibria, Unica (União da
Indústria de Cana-de-Açúcar), Suzano, Monsanto, Carrefour, Associação
Brasileira do Agronegócio (Abag), Sociedade Rural Brasileira e
Agroicone, além de ONGs como Ipam, WWF, Imazon, Imaflora e TNC.
"Perderemos um instrumento que nos ajudará a organizar o campo",
continua.
Diferentemente
do que afirma um dos homens próximos a Bolsonaro, o fazendeiro Luiz
Antonio Nabhan Garcia, o Acordo de Paris não "passa por cima da
legislação brasileira". O tratado internacional foi construído a partir
de compromissos voluntários estabelecidos pelos países. Tais metas são
conhecidas pela sigla NDC.
"A
NDC é uma ferramenta de ordenamento do território e que se propõe a
conservar florestas", segue Guimarães. "Cria regras para melhorar o
ambiente de negócios, para o campo, para a relação entre o setor
econômico e ambiental", diz. Ele cita possíveis prejuízos para a imagem
do país, que sempre liderou negociações internacionais. "Pode ter
implicações comerciais, com retaliações e dificuldades em outros fóruns
da ONU."
"Muitos
dos compradores de commodities estão cada vez mais preocupados com a
questão do desmatamento. Se não tivermos medidas claras de combate,
podemos sofrer retaliações comerciais", avisa. "Ao sairmos, passamos a
mensagem de que a questão não é seriamente tratada no Brasil."
O
desmatamento na Amazônia já subiu 36% no período eleitoral - de junho a
setembro em relação a 2017 -, segundo dados do Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe) e nota do Observatório do Clima (OC), rede de
ONGs que trabalham com mudança do clima. "A tendência é o desmatamento
aumentar, e muito", alerta Carlos Rittl, secretário-executivo do OC.
"Devemos esperar um aumento na violência no campo", segue.
O
presidente francês, Emmanuel Macron, disse durante a Assembleia Geral
da ONU, em setembro, que acordos comerciais não deveriam ser assinados
com países que não respeitarem o Acordo de Paris. "Isso foi dito para os
EUA, mas pode servir ao Brasil também", diz Rittl. Ele acredita que,
"se houver prejuízos para outro países do Mercosul pela posição
retrógrada que o Brasil pode adotar, podem existir constrangimentos
regionais". O acordo comercial que o bloco tenta com a União Europeia
também pode se ressentir, assim como ter impacto na relação com a China.
O Brasil tem papel importante no Basic (Brasil, África do Sul, China e
Índia).
"O
Brasil perde se sair do Acordo de Paris", concorda Marina Grossi,
presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento
Sustentável (Cebds), que reúne 60 grandes grupos empresariais que
representam 43% do PIB. "Prejudica a agenda de exportação", alerta.
"Nossas empresas podem ter problemas de competitividade, e o país, de
imagem."
Marina
lembra que o Acordo de Paris, ao sinalizar com a economia de baixo
carbono, define uma nova geopolítica global. "Não à toa grandes empresas
reagiram no mesmo dia que Trump anunciou a saída dos EUA do acordo e
afirmaram compromissos mostrando que estariam ali", diz ela.
Pelas
regras do acordo, um país signatário só pode sair três anos depois de
sua entrada em vigor, ou seja, em novembro de 2019. Só então o Brasil
pode enviar comunicado à ONU avisando a saída e isso levará outro ano.
Ocorre que, diferentemente dos EUA, o Brasil ratificou o acordo no
Congresso e a decisão foi promulgada pelo Executivo. No Brasil, sair do
Acordo de Paris significa desfazer uma lei.
Por
fim, se Bolsonaro ganhar a eleição e mantiver a ameaça, a desistência
do Brasil (sétimo emissor de gases-estufa do mundo), depois da saída dos
EUA (segundo maior emissor), pode enfraquecer a tal ponto o Acordo de
Paris que o tratado perde credibilidade. "É um erro sob vários
aspectos", diz Guimarães. "Mas o que se fala em campanha é uma coisa, o
que se faz no governo é outra. A sociedade precisa fazer um contraponto
para que a decisão seja tomada em bases mais qualificada", diz ele.
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