terça-feira, 6 de novembro de 2018

O Globo – ‘Brasil não aprendeu’ com o desastre de Mariana


Resultado de imagen para desastre de mariana fotosMaior tragédia ambiental da História do país tem ação civil de R$ 155 bilhões suspensa até 2020; processo criminal não tem prazo

4/11/ 2018

ANA LUCIA AZEVEDO

Destruição. Anoitecer em Bento Rodrigues: parte das ruínas foi submersa pelo dique construído para conter a lama, que percorreu 663,2 km até a foz do Rio Doce


O maior desastre socioambiental da História do Brasil completará três anos no dia 5 coma constatação de que a tragédia não foi suficiente para que o país avançasse no que diz respeito à segurança ambiental. O alerta vem do coordenador da Força Tarefa Rio Doce do Ministério Público Federal, o procurador da República José Adércio Leite Sampaio. A lama permanece quase toda onde foi deixada pela onda formada por 45 milhões de metros cúbicos de rejeitos da mineradora Samarco. A tsunami de lama, a maior já produzida por ação humana, causou destruição de Mariana até o litoral do Espírito Santo. Percorreu 663,2 km de cursos d’água da bacia do Rio Doce, matou 19 pessoas, destruiu distritos, afetou 39 municípios e acabou coma pesca, dentre outros danos. Ainda assim, a ação civil de R$ 155 bilhões está suspensa até agosto de 2020, e a criminal, sem fim à vista. Segundo Sampaio, de todos os 42 programas da Fundação Renova, criada pelo Termo de Transação e Ajustamento de Conduta( T TA C) para conduzira reparação, apenas um, o de assistência a animais, cumpre o cronograma. A Renova alega que o TTAC “não considerou a complexidade e a extensão do território atingido, já que não havia um conhecimento preciso da dimensão da tragédia ”. e que “alguns cronogramas tiveram que serre pactuados ”. O novo Bento Rodrigues, distrito rural de Mariana arrasado pela lama cujas ruínas se tornaram símbolo da tragédia, ficou para 2020. Restou aos atingidos esperar. —O Brasil não aprende uma da como desastre. Em três anos não houve qualquer avanço significativo. 


É uma enorme frustração. Minas continua com os dois fiscais para suas barragens. Ainda socializamos o prejuízo neste país. Só recentemente conseguimos incluir o custe ioda fiscalização na ação. Não é justo que o Estado brasileiro arque com isso —destaca o procurador. Sampaio observa que há indefinição até sobre quantas pessoas foram atingidas diretamente, um número que varia entre 30 mil e 50 mil .“Há muita gente no limbo”, afirma. Ou troque lamenta o descaso do país é o advogado Leonardo Amarante, que representa a Federação das Colônias de Pescadores e 4.500 pescadores do Rio Doce. Segundo Amarante, os acordos de indenização entre a Fundação Renova e os pescadores se arrastam: —A Renova faz cerca de cinco atendimentos por semana, uns 20 por mês. Nesse ritmo, nem em um século os sete mil pescadores atingidos serão indenizados. Eles não podem pescar porque a pesca no Rio Doce está proibida. O que fazem? Morrem de fome? Amarante, advogado de famílias das vítimas da tragédia do Bateau Mouche, que naufragou em 1988, matou 55 pessoas e se arrastou por quase 30 anos nos tribunais, vê a histórias e repetir. Para ele, o descaso comas vítima se a lentidão da Justiça estão prevalecem do mais uma vez. “Impressiona como o Brasil não aprenda nada com suas desgraças”, frisa. A Renova diz que precisou reavaliar seus parâmetros par apagamento de indenizações e que havia pedidos de pessoas que não haviam sido impactadas. A fundação afirma que destinou R$ 580 milhões a pescadores.

PROCESSO DEVAGAR

A ação civil pública está parada para negociação entre o Ministério Público, a Samarco e suas controladoras, Vale e BHP Billiton. O processo criminal depende da Justiça ouvir as cerca de 300 testemunhas convocadas pela defesa. As 20 de acusação já prestaram depoimento. Sampaio espera que até março esse processo tenha sido concluído e o juiz decida se os réus — 22 membros das diretorias de Samarco, Vale e BHP Billiton, além da empresa de engenharia VogBR —vão a júri popular. O desastre de Mariana é lembrado em meio à discussão sobre as mudanças do processo de licenciamento ambiental prometidas no plano de governo do presidente eleito. O plano prevê o estabelecimento de três meses para o prazo de avaliação de pedidos.

— As grandes obras, quando dão errado, têm consequências por gerações. Até hoje ainda se discute se a lama será removida ou não. Deveria haver salvaguardas nos empreendimentos de risco, para que a sociedade não pague depois —diz Sampaio. A jornalista Cristina Serra, autora do recém-lançado “Tragédia em Mariana” (Record), que investiga o desastre, salienta que, embora a Samarco tivesse as licenças para operar, o processo de concessão do licenciamento teve falhas e omissões. Ele lembra que o processo durou dois anos, pouco para um empreendimento de tamanha dimensão.

—O caso de Mariana mostra que o licenciamento e a fiscalização são fundamentais para protegera sociedade e ainda precisam melhorar—avalia a jornalista. O promotor Carlos Eduardo Ferreira, ex-coordenador da Força Tarefa, acredita que, para que novas tragédias sejam evitadas, o país precisa investir na qualificação da área ambiental. Ele lembra que o marco tinha as licenças de Fundão, mas que o processo foi cartorial. Assim como a fiscalização. —O problema não é a lei, mas operacional. Faltam gente e capacitação e sobra burocracia. O empreendedor temo direito de ter a licença analisada num prazo razoável e as reclamações sobre morosidade são legítimas. Mas não será coma aprovação sem rigor que a coisas e resolverá, pois a sociedade precisa ser protegida. Seria uma loucura licenciar uma barragem de mineração ou uma usina nuclear, por exemplo, em três meses. Para Cristina Serra, a tragédia representa muitos dos problemas do país ao escancarar deficiências em garantira segurança da sociedade. Ela considera o risco de impunidade enorme. A lama continua a comprometer os rios Gualaxo do Norte e Carmo. A cada chuva, como a que cai neste fim de semana em Mariana, ela escorre um pouco mais e segue seu caminho. A tragédia está viva.

“As grandes obras, quando dão errado, têm consequências por gerações. Até hoje se discute se a lama será removida ou não. Deveria haver salvaguardas nos empreendimentos de risco”

José Adércio Leite Sampaio, procurador federal

Nenhum comentário: