Decisão de não sediar a COP 25 pode ajudar a comprometer
economicamente o país
Por Amélia Gonzalez, G1
30/11/2018 09h05 Atualizado há um mês
Rio 92 — Foto: Luciana Whitaker/Folhapress/Arquivo
Do orgulho à vergonha. Esta é a sensação dos ambientalistas
diante da decisão do presidente eleito Jair Bolsonaro de não
sediar a próxima Conferência do Clima, a COP 25. O Brasil tinha se colocado
na lista entre os países que queriam abrir suas portas para o encontro, que
debate internacionalmente um dos maiores desafios que a humanidade já tem e
terá ainda com mais força daqui para a frente, que são as mudanças climáticas.
Mas o Itamaraty retirou o nome do país da lista e Bolsonaro avisou: a decisão
foi minha. E será com vergonha que os representantes brasileiros vão dar a
notícia na reunião internacional do clima que vai começar na próxima
segunda-feira (1), na Polônia, a COP 24.
Por que tínhamos orgulho? Porque durante os governos de
Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma, havia um consenso de
que a questão do meio ambiente é uma oportunidade, que dá voz ativa ao país,
projeta o nome internacionalmente, dá importância onde se tem pouco espaço de
crescimento, que são esses fóruns internacionais. Foi na Rio-92, evento que até
mesmo quem não é ligado à área traz vivo na lembrança, que o mundo começou a
debater sobre a necessidade de se baixar as emissões de carbono.
Durante a
COP-15, que aconteceu em Copenhague em 2009, em que se esperava que os líderes
conseguissem um acordo climático global que só foi conseguido seis anos depois,
o ex-presidente Lula e seu ministro do Meio Ambiente Carlos Minc eram
aguardados pelos negociadores como figuras de prestígio na área, que poderiam
ajudar a mediar os debates.
São cenas que contrastam com o que temos agora, momento de
vergonha para os brasileiros na área ambiental.
Conversei com Marcio Astrini, Coordenador de Políticas
Públicas do Greenpeace, antes de ele embarcar para a Polônia, na cidade de
Katowice, onde vai acontecer a reunião a partir de segunda-feira. Para ele, o
fato de não hospedarmos a próxima cúpula é o primeiro tijolo no muro da
vergonha que o presidente eleito está construindo na área ambiental.
“É a primeira medida concreta. Ao longo do tempo, se ele
continuar a realizar esses retrocessos todos que prometeu durante a campanha,
aí vai criar um comprometimento sério da imagem do Brasil nessa área. Porque o
Brasil tem um vínculo muito forte na questão do meio ambiente e negócios da
agropecuária no exterior. Quem compra os nossos produtos não quer que eles
tenham vínculo com desmatamento, trabalho escravo e violência na terra porque
isso mancha a própria imagem de quem está comprando. Essa sequencia de más
notícias que ele vai dar na agenda ambiental no governo dele vai trazer essa
consequência econômica”, disse Astrini.
Os representantes brasileiros chegarão à Polônia com três
notícias muito ruins na área ambiental do país. Além desta, de que não
hospedará mais a COP 25, há
também o aumento do desmatamento e a nomeação de um ministro na área de
relações internacionais, Ernesto Araújo, que
acha que o problema climático é uma invenção de marxistas que querem
dominar o mundo e a mente das pessoas
“É o conjunto de fatos, não é uma coisa só. O comprador não
vai quebrar o contrato só por causa do aumento do desmatamento, ou só porque
não vamos sediar mais a cúpula ou só por causa da indicação do ministro. Mas
tudo isso vai destruindo o que o Brasil construiu como garantia ambiental para
os seus negócios lá fora”, disse Marcio Astrini.
Fã ardoroso do presidente Donald Trump — que também já se
autointitulou um cético do clima, nomeou pessoas com igual ojeriza às questões
ambientais para administrar a pasta e
retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris — Bolsonaro talvez não tenha
percebido as diferenças fortes que há entre os dois países nesta área. O maior
nó dos norte-americanos com relação às emissões é sua fonte de energia,
portanto recai sobre o setor da indústria. Aqui no Brasil, nosso maior problema
é o desmatamento.
Trump enfrentou uma reação forte internamente, não só por
parte da população, como dos Estados e das empresas, o que acabou esvaziando um
pouco a decisão dele. Tanto que o todo-poderoso já
está revendo a saída do Acordo. No Brasil, os estados não teriam esta
reação, nem poderiam. A luta contra o desmatamento tem que partir do governo
federal, porque os incentivos para o desmatamento também partem dele, na
opinião de Astrini.
“O nosso grande problema do clima é o desmatamento da
Amazônia, é o que se precisa resolver para dar conta das promessas feitas no
Acordo. A esperança nossa é que justamente o governo federal ajudasse, criando
leis mais enérgicas, porque todas as leis deste campo são federais. Quando o
governo federal retira a disposição dele de agir, os estados não têm condição
de dizer que agirão sozinhos, mesmo que quisessem. O pior é que eles não
querem.
O atual governador do Mato Grosso, Pedro Taques (PSDB), há
três anos fez um decreto liberando o uso de correntão. Grande parte do
poder desses estados é constituído pelo desmatamento. Só no Pará, a indústria
da madeira movimenta R$ 4, 5 bilhões. E 90% da exploração de madeira no Pará é
ilegal”, disse Marcio Astrini.
Não temos, como se vê, muita saída. Será um período em que
os ambientalistas precisarão usar todas as suas ferramentas para exercer uma
resistência a decisões de um governo que tem mandado mensagens claras, mesmo
antes de tomar posse, de que o meio ambiente não é assunto com o qual ele vai
querer se preocupar. Mesmo que isso nos traga, entre outras coisas, prejuízos
econômicos. E nosso protagonismo internacional neste setor, que já foi motivo
de orgulho, de agora em diante será objeto de vergonha.
Durante a realização do evento lá na Polônia estarei a
postos para passar as informações aos leitores. Sigamos em frente.
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