Documentário mostra casos de brasileiros que sofrem hoje
os impactos das mudanças climáticas
Por Amelia Gonzalez, G1
14/01/2019 10h32 Atualizado há 6 dias
Se não bastassem os alertas dados pelos cientistas, se não
bastassem os apelos da comunidade internacional para o
Brasil não abandonar o Acordo de Paris, que em 2015 acordou planejamentos
produtivos no sentido de baixar as emissões de gases do efeito estufa. Se não
bastassem os sinais evidentes de dias mais quentes ou muito frios, secas que
tornam solos inviáveis para a agricultura, tempestades e furacões que devastam
tudo e tiram vidas humanas. Há quem ainda se dê o direito de negar o impacto
das atividades humanas sobre as mudanças climáticas. Atribuir ao Sol a maioria
dos problemas, remontar a eras passadas que já testemunharam o avanço do gelo
sobre a superfície terrestre, é a opção dos negacionistas.
Estes preferem deixar tudo como está, sem mudanças de
paradigma. Fecham os olhos e ouvidos às evidências que já submetem milhares de
pessoas a uma vida cheia de privações por não conseguirem chamar a atenção de
autoridades, ou mesmo da sociedade civil como um todo, para suas tragédias.
Cada vez estão mais perto de nós os casos que mostram que aquele “amanhã”
anunciado nos anos 80, por exemplo, pelo famoso Relatório Brundtland, também chamado de “Nosso
Futuro Comum”, já chegou. É dever de todos, nem que seja por uma atitude
solidária, dar atenção a esses relatos.
Com este objetivo, sete organizações da sociedade civil
fizeram um
documentário de 24 minutos chamado “O Amanhã É Hoje”, mostrado em
dezembro, na Polônia, durante a Conferência das Partes sobre o Clima (COP24)
convocada pelas Nações Unidas.
Os efeitos das mudanças do clima sobre a vida de
brasileiros, expostos na tela, são capazes de tirar o fôlego até dos menos
sensíveis.
Para começar, falemos sobre desmatamento. Por mais cético
que seja o cidadão, é impossível não perceber que o verde faz falta, mesmo nas
cidades. Havia um descontrole sobre árvores derrubadas que chegaram a registrar
27 mil quilômetros quadrados/ano de desmatamento em 2004. O efeito de um bom
patrulhamento e de informações sobre a necessidade, para os humanos, de manter
a floresta em pé, sem visar somente ao lucro produzido pelas madeiras, acabou
dando resultado.
Até que, em 2012, comemorou-se uma baixa, dos 27 mil para 4
mil quilômetros quadrados de desmatamento.
Ricardo Abramovay, professor titular de economia da FEA/USP,
um dos entrevistados para o documentário, lembra que depois deste gol o país
voltou a mostrar um desmatamento preocupante:
“De 2012 para cá, já estamos com 7 mil quilômetros quadrados
de desmatamento. De julho a novembro de 2018 as queimadas na Amazônia cresceram
36%. E o Brasil, apesar do progresso que viveu (em termos ambientais) entre
2004 e 2012, hoje já é o sétimo maior emissor de gases do efeito estufa”, disse
ele.
O cenário é triste, devastador. Um pequeno grupo de
indígenas Krikati formou uma brigada voluntária contra incêndios e tem tido
muito trabalho. O fogo se alastra com uma facilidade aterrorizante, estimulado
pela falta de chuvas e pelo desmatamento. Isto, quando não é criminoso, como
costuma acontecer também no Maranhão, mas em outra parte, onde as quebradeiras
de coco babaçu ficam sem sua principal fonte de renda quando as palmeiras são
queimadas por quem as considera apenas um entrave ao gado e à monocultura. Esta
história é contada com detalhes nesta reportagem.
Em 2017 o país registrou mais de 275 mil incêndios, sendo
132 mil só na Amazônia. Celiana Krikati, a única mulher da brigada de sua
aldeia, fala para a câmera do documentário e não consegue segurar as lágrimas,
principalmente quando se lembra da precariedade de ferramentas de que dispõem
para combater o fogo:
“O fogo estragou áreas de cultivo, de caça, de pesca. A
gente combatia o fogo com chinelos, chiteiras. A gente ainda não tem todo o
material completo, estamos lutando por isso. Não recebemos recursos, a brigada
é constituída por pais de família e está sendo protetora da terra indígena.
Tudo isso é um trabalho que é do estado porque esse risco também é para a
comunidade."
A Terra Indígena Krikati sofre com as queimadas há tempos.
Incêndios levaram embora, de 2009 a 2011, 60% das aldeias.
De Norte a Sul, os impactos das mudanças climáticas já
alcançam os brasileiros. Esta é a principal mensagem do documentário, que foi
também ouvir a agricultora Maria José Rocha, de São José do Egito, no sertão de
Pernambuco. Ela sobreviveu a seis anos de uma seca cruel, que levou dali as
chances de bons cultivos. Havia árvores frutíferas, cabras...
“A gente via os animais morrendo sem poder fazer nada.
Tentávamos dar, mesmo de graça, mas ninguém queria porque ninguém tinha
condições de alimentá-los ou dar-lhes água. Isso foi em 2012, quando
felizmente, ao menos, as crianças não morreram. Tínhamos o dinheiro do Bolsa
Família que nos ajudava a comprar água”, disse ela.
Da seca às enchentes. Ouve-se também o drama de quem viveu a
tormenta em Nova Friburgo, cidade da Região Serrana do Rio de Janeiro, que em
2011 foi devastada por temporais que deixaram centenas de mortos. No litoral
catarinense, os produtores de ostras dão conta mudanças no nível do mar que
põem em risco seus negócios.
“A situação mais gritante (que dá conta de mudanças
climáticas) é a não presença do vento Sul. Antigamente, há cerca de três
décadas mais ou menos, a gente costumava dizer que quando o vento Sul batia,
ficava três, quatro dias ventando, e isso era bom para o nosso negócio”, disse
Leonardo Cabral.
No litoral de São Paulo, cidade de Santos, moradora conta
seu desespero com uma ressaca que invadiu seu prédio, levou-lhe dois carros e a
fez subir ao ponto mais alto do edifício, com o filho no colo e muito medo de
uma tsunami. O mar entrou também com força e tirou mais de 600 metros de terra
da Comunidade Nova Enseada, em São Paulo.
Como se vê, não é preciso ir longe para mostrar os efeitos
que as mudanças climáticas já estão causando. O Brasil, que nos anos 70 era
considerado quase imune a essas questões, já que tinha bens naturais em
profusão, está na rota das dificuldades. Vale a pena repetir aqui a reflexão de
Carlos Rittl,
secretário executivo do Observatório do Clima (OC):
“Continuar debatendo se isso (as mudanças climáticas
causadas pelas ações humanas) existe ou não é imoral”.
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