quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

O Globo – Modelo de barragens em xeque / Artigo / Emanuel Alencar


Emanuel Alencar é jornalista e editor de conteúdo do Museu do Amanhã

Os mares de lama que varreram o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, e parte de Vila Feterco, em Brumadinho, deixaram centenas de mortos e desaparecidos e já alteraram irreversivelmente ecossistemas e cursos hídricos. Os desastres ambientais com perdas humanas de valor incalculável (melhor falarem ecocídios) representam um alerta sobre a exaustão do modelo de exploração mineral do país. Após o rompimento da barragem de Bento Rodrigues, conversei com Bruno Milanez, pesquisador de avaliação dos impactos da cadeia minero-metalúrgica da Universidade Federal de Juiz de Fora. Questionei sobre o método de depósitos der e jeitos de minérios aplicados majoritariamente no Brasil, notadamente em Minas. Ele foi contundente: é imprescindível a adoção de um modelo menos exploratório e mais regulado. Há que se pensar em alternativas ao método de “alteamento para montante”, o mais barato e também mais inseguro.

Em 2016, o órgão ambiental estadual de Minas (Feam) identificara 27 barragens de mineração tidas como “não seguras”. A estrutura colapsada de Mariana foi curiosamente considerada segura pela auditoria. Tragicamente, o mesmo ocorre agora, coma barragem de alteamento do Córrego do Feijão — o discurso é de incredulidade, dadas as garantias de que o rompimento seria extremamente improvável. O site da Feam informa que “a Barragem B1 da Vale possuía laudo de um auditor (contratado pela Vale) de 2018 garantindo sua estabilidade entregue à Agência Nacional de Mineração (AMN)”. Questões que põem em xeque a confiabilidade dos sistemas de auditoria, todos eles. “A total falta de controle dessas barragens de rejeitos da mineração chama a atenção”, disse-me Milanez, há três anos.

Como os danos socioambientais de acidentes que envolvem rejeitos tóxicos são de difícil reparação, preveni ré o único caminho. Pelo mundo, há inclusive movimentos de resistência ao modelo de construção de novas barragens. Na Costa Rica e nas Filipinas, medidas extremas proibiram a mineração metálica a céu aberto em determinados territórios. É claro que são países com economias menos ancoradas na mineração — na Costa Rica, 0,1% do PIB; nas Filipinas, algo como 1% —, mas chama a atenção o papel da sociedade civil nos processos decisórios nas agendas de desenvolvimento. Desastres com fortes impactos geraram mudanças de paradigmas, como mostra a publicação “Diferentes formas de dizer não — Experiências internacionais de resistência, restrição e proibição ao extrativismo mineral”.

No Brasil, onde a mineração responde por quase 5% do PIB, é preciso discutir com urgência alternativas que gerem menos impactos ao meio ambiente e à população, como tecnologias para substituir as barragens de rejeitos de alteamento para montante. E que novas tecnologias são essas? Há ao menos dois tipos de modelos de “tratamento” dos rejeitos mais ambientalmente adequados. Um deles é a filtragem a vácuo e a disposição dos rejeitos em pilhas. O outro é a produção de pastas sólidas, por meio de um processo de separação do sólido e do líquido —um processo conhecido como espessamento. E mambos os casos, atesta o engenheiro Roberto Galery, professor do Departamento de Engenharia de Minas da Universidade Federal de Minas Gerais, as tecnologias podem substituir as barragens, historicamente bastante suscetíveis a problemas (basta lembrar que Brumadinho é a oitava tragédia do tipo no Brasil, embora disparada a mais terrível).

Esses processos são estudados no Brasil, mas as alternativas podem custar o dobro em relação à tradicional disposição em barragens. Então, a equação com que o empresário se depara é: custo operacional em alta em preços oscilantes do minério. Está formado o cenário que cria barreiras às inovações pelo ponto de vista dos custos. O novo e absurdo episódio deve acelerar a busca por horizontes mais sustentáveis. Uma das possibilidades é o reaproveitamento de sílica dos rejeitos para a construção civil e o uso da lama para a confecção de tijolos. Não temos outra alternativa: a substituição dos procedimentos deverá acontecer. Enquanto isso, a recuperação dos passivos será dolorosa e longa— e as perdas de vidas e cicatrizes, permanentes.

Nenhum comentário: