sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

O Globo – Catástrofe / Coluna / Ascânio Seleme


A notícia seria manchete instantânea nos sites. O assunto ocuparia todos os jornais, TVs e rádios do Brasil por semanas, meses, anos, até virar história. Vazaria pelas fronteiras e seria tema de debate nos países vizinhos, nos Estados Unidos, na Europa, na Ásia. A repercussão seria gigantesca, menor apenas do que os efeitos da catástrofe. A primeira notícia seria dada assim: “Usina nuclear de Angra explode, ainda não se sabe número de vítimas”. A segunda nota, menos de meia hora depois, aterrorizaria o país, embora não fosse surpreendente: “Plano de emergência não funcionou”.

“Não há sinais de sobreviventes”, anunciaria o repórter a bordo do primeiro helicóptero que sobrevoasse a usina. “O que se vê daqui do alto é um enorme amontoado de ferros retorcidos”. No solo, equipes de jornalistas anunciariam que bloqueios estavam sendo feitos para ninguém se aproximar do local da explosão. Famílias desesperadas se aglomerariam nas barreiras em busca de notícias de parentes. O cenário comum em todas as tragédias brasileiras teria um adicional muito mais dramático. “Cientistas dizem que radiação deve se espalhar rapidamente e recomendam imediata evacuação de Angra e Mangaratiba”.

“Pânico!”, gritaria a manchete seguinte, com imagem de filas de carros, caminhões, ônibus, motos, bicicletas, gente a pé, correndo, tentando sair de Angra pela apertada Rio-Santos. “Caos nas ruas da cidade e na estrada. Pessoas não sabem para que lado ir; autoridades pedem calma”. Em seguida, apareceriam as primeiras imagens de saques e brigas. O desespero tomaria conta rapidamente de toda a região. Alertas sobre o vento mostrariam que a onda radioativa poderia chegar rapidamente a Itaguaí e Santa Cruz. “Autoridades falam em perímetro de segurança num raio de 200 quilômetros”, anunciaria um site. O Rio!

O alvoroço sem precedentes que ocorreria em seguida jamais seria esquecido. As cenas de violência e desespero ficariam grudadas nas retinas dos brasileiros para sempre. Desnecessário descrevê-las. Todos sabem como seria. Tudo o que se veria em Angra e Mangaratiba seria sombra pálida diante do caos que avassalaria o Rio quando a nuvem tóxica superasse as montanhas da Floresta da Tijuca e se despejasse sobre a cidade.

O Brasil, paralisado, acompanharia o desdobramento da tragédia. Cada detalhe seria conhecido com assombro pelo país. Diretores da Eletronuclear não conseguiriam explicar por que o reator principal explodiu. Pior, por que os protocolos de segurança falharam. Alguém diria que as sirenes derreteram com o calor da explosão. Mais grave: “A tragédia poderia ter sido evitada; circuitos de resfriamento da usina deveriam ter sido trocados há dois anos”, revelaria reportagem.

Dez anos depois, com um número de vítimas jamais contabilizado, a área isolada iria do Rio até Paraty. Com carência material e de pessoal para cercar com eficiência toda a região, Exército e Marinha acumulariam relatórios de infiltração de pessoas, sobretudo nas zonas urbanas abandonadas. Os índices de óbitos por câncer e outras doenças degenerativas causadas pela radiação seriam multiplicados por mil em todo o quadrilátero afetado pelo poluição nuclear. As massas deslocadas da área contaminada jamais se adaptariam à nova vida. O Brasil demoraria ainda algumas dezenas de anos para se recuperar da catástrofe.

Você acha que exagerei? Talvez. Talvez o raio de segurança fosse menor, de 50, 40 quilômetros. Talvez. Quem sabe? O fato é que, diante da insegurança de todos os mecanismos de controle e fiscalização brasileiros, uma bomba dessa pode muito bem explodir de uma hora para outra. O Brasil é vergonhosamente frágil. Tragédias como as de Mariana e Brumadinho, como a do edifício Wilton Paes de Almeida, em São Paulo, ou do Ninho do Urubu, no Rio, são claros exemplos de descuido, descaso e desrespeito. O Brasil precisa superar essa incompetência nacional com a urgência da faísca que é capaz de detonar uma tragédia de proporções atômicas.

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