sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Folha de S. Paulo – Ministro do ambiente visita terra indígena que arrenda área para plantar soja


Ministério da Agricultura afirma que há um acordo para o plantio, vetado pela legislação, mas Ibama nega.

Fabiano Maisonnave
MANAUS

Em sua primeira viagem à Amazônia, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, 43, escolheu conhecer uma terra indígena onde produtores rurais brancos fazem plantio mecanizado de soja e milho transgênicos mediante o pagamento de uma porcentagem da safra, segundo investigação do Ibama do ano passado. A prática é considerada ilegal pelo Ministério Público Federal (MPF).

"Estivemos hoje na Festa da Colheita dos índios parecis, que plantam e produzem com muita competência, demonstrando que podem se integrar ao agro sem perder suas origens e tradições”, escreveu Salles no Twitter após visita à Terra Indígena Utiariti, no noroeste de Mato Grosso. ​​

Junto com a declaração, o ministro do governo Jair Bolsonaro publicou uma foto em que aparece com um cocar, à frente de indígenas usando vestimentas tradicionais.

Esta é a primeira viagem de Salles, que é paulistano, à Amazônia. Durante entrevista ao programa Roda Viva, na última segunda-feira (11), ele admitiu nunca ter pisado na região, que ocupa cerca de 60% do território nacional.

A ministra Tereza Cristina (Agricultura) também participou da visita. Em nota à imprensa, sua pasta afirma que os parecis plantaram 10 mil hectares para a safra 2018/19, dos quais 8,7 mil hectares de soja, graças a um suposto acordo celebrado entre Ministério Público Federal, Ibama e Funai.

Apesar da afirmação, o Ibama e o MPF não assinaram nenhum acordo para viabilizar o plantio mecanizado nas terras indígenas de Mato Grosso.

"O Ibama não firmou nenhum acordo sobre o plantio nas terras indígenas Paresi, Rio Formoso, Tirecatinga, Utiariti, Manoki e Uirapuru antes ou após as autuações e embargos realizados em 2018”, disse à Folha a ex-presidente do Ibama na gestão Michel Temer (MDB), Suely Araújo.

"Não é função institucional do MPF autorizar ou proibir a produção de quem quer que seja, de indígena ou não índio. Da mesma forma, não existe nenhum acordo entre o Ibama, a Funai e o MPF nesse sentido”, afirma a nota do MPF em Mato Grosso, enviada em resposta ao questionamento da reportagem.

O MPF afirma que reconhece a autodeterminação dos povos indígenas, mas também defende "a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional, que asseguram aos povos indígenas o usufruto exclusivo de suas terras, vedando, com isso, que pessoas da sociedade envolvente se aproveitem do território tradicional indígena para suas atividades econômicas disfarçadas de ilegais contratos de parceria ou arrendamento”.

A Promotoria informou que tem intermediado um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) entre o Ibama e os parecis para regularizar a produção agrícola, além de oferecer opções de cultivo sustentáveis, com o apoio da Embrapa.

A reportagem tentou entrar em contato a ministra Tereza Cristina e a sua assessoria de imprensa, mas não obteve resposta. 

Em junho do ano passado, o Ibama aplicou multas a 17 arrendatários não indígenas que somaram R$ 133,89 milhões. Outros R$ 6,3 milhões de multas foram aplicados para cinco associações indígenas de terras indígenas parecis e nambiquaras, todas no noroeste de Mato Grosso.

As multas do Ibama se referem apenas ao cultivo de transgênicos, proibido em TIs por lei, e a outros ilícitos ambientais. Além disso, foram embargados 22 mil hectares explorados ilegalmente nessas TIs.

O arrendamento de terras indígenas é vetado pela legislação, mas a fiscalização desse crime está fora da alçada do órgão federal ambiental.

A Constituição de 1988 estabelece que apenas os indígenas têm direito ao usufruto de áreas demarcadas, mas o governo Bolsonaro estuda legalizar o arrendamento por não indígenas.

Segundo postagens do Ministério da Agricultura no Twitter, Tereza Cristina afirmou, durante a visita, que "é possível produzir para gerar renda ao mesmo tempo em que se preserva a cultura e as tradições indígenas”.

“A lei pode ser mudada, é para isso que nós estamos lá no Congresso Nacional. As coisas evoluem, as coisas mudam, a vontade de vocês é soberana”, disse a ministra, indicada pela bancada ruralista.

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