Circula pelo WhatsApp um vídeo de uma
palestra que supostamente demonstra, com uma sequência impressionante de
números, que o Brasil encolheu. O palestrante sugere que o país
conserva florestas demais e tem tanta área protegida, tanta terra
indígena e tanta exigência de preservação que ficou sem espaço para
desenvolver a agropecuária. Como tantas outras histórias do zapzap, esta
também é fake news.
É verdade que há muita área ainda com
vegetação nativa no Brasil. Os dados do projeto MapBiomas, uma rede
brasileira de 15 instituições de pesquisa que mapeou todas as mudanças
no uso da terra no Brasil desde 1985 até 2017, mostram que o país tem
67% do território coberto por florestas e campos naturais. Mas nem de
longe estamos sozinhos em termos de conservação: 70% da Rússia está
coberta por vegetação nativa, incluindo uma área florestal quase do
tamanho do Brasil. Há cerca de 30 países com mais de 60% de cobertura
florestal, incluindo a Coreia do Sul, com 63%, a Suécia, com 67% e o
Japão, com 68%.
O Brasil, por outro lado, é o quarto maior
produtor de alimentos do planeta, atrás de China, Índia e EUA, e tem a
terceira maior extensão de terras sob produção agropecuária, atrás
apenas de China e EUA. O MapBiomas mostra que o país tem hoje 245
milhões de hectares em pasto e lavoura. É 1,17 hectare de área produtiva
por habitante, mais do que nos EUA (1 ha) e que a populosa China (0,34
ha).
Cerca de 25% do Brasil está dentro de
terras indígenas e unidades de conservação. São 216 milhões de hectares,
excluindo as APAs, categoria de área protegida que permite produção e
ocupação (o Distrito Federal tem 80% de seu território dentro de uma
APA). Só que essas áreas protegidas estão muito mal distribuídas: 90%,
ficam na Amazônia, que concentra apenas 10% da produção agropecuária.
Fora da Amazônia, apenas 5% do território está sob áreas protegidas. E é
fora da Amazônia que ocorre 90% da produção agropecuária.
Além disso, uma porção enorme das áreas
protegidas amazônicas está em regiões remotas ou sem aptidão agrícola.
Ou seja, o número de áreas protegidas parece impressionante no
powerpoint, mas não compete com o agronegócio.
O Brasil também não é nenhuma jabuticaba no
quesito “área protegida” legalmente. Protegemos muita floresta porque
temos a maior biodiversidade do mundo para resguardar. A Austrália tem
20% de seu território protegido. A França, 26%, o Japão e o Reino Unido,
29%, e a Alemanha, 38%. Entre os nossos vizinhos, Peru, Colômbia e
Bolívia têm mais de 40% do território protegido.A média do mundo é 29%
em unidades de conservação e territórios indígenas. A proporção de áreas
protegidas no Brasil é não destoa da média.
O argumento de que as áreas protegidas e
outras áreas legalmente designadas – para assentamentos de reforma
agrária, por exemplo – são “improdutivas” é falacioso. Terras indígenas e
unidades de conservação de uso sustentável desenvolvem agricultura,
manejo florestal e extrativismo. Atire o primeiro pote de açaí quem acha
que isso não é produção. Só a comercialização de produtos da floresta
movimenta em torno de R$ 1,5 bilhão ao ano – e isso excluindo a
indústria madeireira na Amazônia. Faltam políticas e investimentos para
que nossas áreas protegidas gerem ainda mais renda e empregos.
Cruzando os dados do MapBiomas com o mapa
fundiário do Brasil compilado pelo projeto Atlas da Agropecuária
Brasileira, conclui-se que as propriedades privadas (cadastradas no
Incra ou com Cadastro Ambiental Rural, o CAR) possuem quase 190 milhões
de hectares de vegetação nativa, ou cerca de um terço do total do país.
Imóveis privados podem exercer produção
rural em toda a sua extensão, exceto nas áreas de preservação
permanente, que protegem, especialmente, os cursos d’água e perfazem em
média cerca de 10% da área da propriedade. Uma parcela da área que varia
de 20% a 80%, dependendo do bioma, deve ser mantida com vegetação
nativa na forma de reserva legal, sendo a produção limitada a atividades
que não ponham a mata abaixo.
A conservação das áreas florestais é bem
diferente quando comparamos as áreas públicas e privadas. As
propriedades privadas tiveram perda líquida de mais de 20% de sua
cobertura florestal nos últimos 30 anos. Nas unidades de conservação e
terras indígenas a perda foi de 0,5% e, em outras áreas públicas não
protegidas, de 5%.
Infelizmente, apesar da queda das taxas de
desmatamento entre 2005 e 2012, o Brasil ainda é o país que mais desmata
do planeta: em 50 anos, destruímos quase 20% da Amazônia, o equivalente
a mais de dez vezes o território da Holanda e o da Bélgica somados.
Não é verdade que precisamos desmatar mais
para ampliar nossa produção. Graças ao uso intensivo de tecnologia,
tivemos enormes ganhos de produtividade e evitamos maior desmatamento.
De 1991 a 2017, a produção de grãos e oleaginosas subiu 312%, mas a área
plantada cresceu apenas 61%. Em São Paulo, por exemplo, a área de
cultivo agrícola dobrou desde 2000, crescendo essencialmente sobre as
pastagens sem que o Estado diminuísse a produção pecuária. Sabe quem
mais cresceu por lá? A Mata Atlântica. São Paulo hoje tem mais floresta,
mais agricultura e mais boi.
Há espaço no Brasil para ampliar a produção
e a conservação. Dizer o contrário é ofender o espírito empreendedor e
competitivo do agricultor brasileiro. O Brasil tem tudo para ser o maior
produtor mundial de alimentos e em bases sustentáveis. Para isso,
podemos e devemos zerar o desmatamento, acabar com a ocupação ilegal de
terras públicas, defender nossas áreas protegidas e aprofundar os ganhos
de produtividade de nossa produção rural. É ganha-ganha.
Tasso Azevedo é coordenador técnico do Observatório do Clima e coordenador geral do MapBiomas (esquerda)
Luís Fernando Guedes Pinto é gerente de Certificação Agrícola do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola) (direita)
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