Novo estudo
Queimadas na Amazônia afetam a saúde de milhares de pessoas
Brasília, 26 de agosto de 2020
- Queimadas associadas ao desmatamento desenfreado estão intoxicando o
ar que milhões de pessoas respiram e afetando a saúde na Amazônia
brasileira, dizem o IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), o
IEPS (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde) e a Human Rights
Watch em relatório publicado hoje.
As queimadas e o desmatamento na Amazônia aumentaram dramaticamente
durante 2019 – primeiro ano de governo do presidente Jair Bolsonaro – e
2020 já está se revelando pior, concluíram as organizações.
O relatório “O Ar é Insuportável: Os impactos das queimadas associadas ao desmatamento da Amazônia brasileira na saúde” utiliza
dados oficiais de saúde e meio ambiente para estimar que 2.195
internações hospitalares por doenças respiratórias em 2019 são
atribuíveis às queimadas. Quase 500 internações envolveram crianças com
menos de um ano de idade, e mais de mil foram de pessoas com mais de 60
anos. Essas internações representam apenas uma fração do impacto total
das queimadas na saúde, considerando que milhões de pessoas foram
expostas em 2019 a níveis nocivos de poluição do ar decorrentes das
queimadas associadas ao desmatamento da Amazônia.
“Até
que o Brasil efetivamente controle o desmatamento, podemos esperar que
as queimadas continuem a cada ano, impulsionando a destruição da
Amazônia e intoxicando o ar que milhões de brasileiros respiram”, diz
Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch no Brasil. “O
fracasso do governo Bolsonaro em lidar com esta crise ambiental tem
consequências imediatas para a saúde da população na Amazônia, e
consequências de longo prazo para a mudança climática global.”
As
queimadas não ocorrem de forma natural na floresta amazônica. São
provocadas após a derrubada de árvores, geralmente de forma ilegal, a
fim de preparar o terreno para agricultura, pastagem ou especulação de
terras. As queimadas geralmente atingem seu pico em agosto e setembro.
A
fumaça é rica em material particulado fino, um poluente ligado a
doenças respiratórias e cardiovasculares, bem como morte prematura.
Crianças, pessoas idosas, gestantes e pessoas com doenças pulmonares ou
cardíacas preexistentes são especialmente vulneráveis.
A
avaliação das organizações sobre os impactos na saúde inclui uma
análise estatística de dados oficiais sobre internações hospitalares,
desmatamento, focos de calor e qualidade do ar, particularmente pela
presença de poluentes fortemente associados às queimadas na região
amazônica. As internações atribuíveis às queimadas duraram, em média,
três dias, e totalizaram quase 7 mil dias nos hospitais.
A
avaliação também se baseia em entrevistas com 67 profissionais da
saúde, autoridades e especialistas. Eles disseram que o impacto das
queimadas se estende muito além das internações, já que muitas pessoas
que adoeceram pela fumaça nem chegaram a acessar os serviços de saúde e
muitas outras tiveram problemas respiratórios que, embora graves, não
exigiram internação.
“A
patologia é mais grave conforme for menor a idade da criança”, disse o
diretor adjunto de um hospital infantil sobre crianças com doenças
pré-existentes. “Recém-nascidos prematuros, bebês que usaram aparelhos
respiratórios, entre outros, são muito sensíveis a essas condições.”
As
organizações descobriram que, em agosto de 2019, quase 3 milhões de
pessoas em 90 municípios da região amazônica foram expostas a níveis de
poluição atmosférica nocivos, acima do limite recomendado pela
Organização Mundial da Saúde. No mês de setembro, o número aumentou para
4,5 milhões de pessoas em 168 municípios.
O
desmatamento ilegal e as queimadas subsequentes ocorrem, muitas vezes,
em terras indígenas ou no entorno, às vezes destruindo plantações e
afetando o acesso a alimentos, plantas medicinais e caça, além dos
impactos na saúde.
Autoridades
e profissionais da saúde temem maior sobrecarga no sistema de saúde,
que já enfrenta a pandemia de covid-19, com a chegada de pacientes
afetados pelas queimadas em 2020, podendo causar o colapso do sistema de
saúde em partes da região amazônica. Além disso, a fumaça pode agravar
os sintomas do vírus, resultando em mais casos graves e mortes.
“As
autoridades deveriam fazer mais para enfrentar esta crise crônica e
evitável de saúde pública”, afirma Miguel Lago, diretor-executivo do
IEPS. “Elas deveriam implementar um mecanismo eficaz de monitoramento da
qualidade do ar e implementar padrões que protejam a saúde por meio de
políticas preventivas e responsivas, com atenção especial aos grupos
vulneráveis.”
O
desmatamento aumentou 85 por cento durante o primeiro completo do
presidente Bolsonaro no cargo, de acordo com uma estimativa conservadora
do DETER, sistema brasileiro de alerta por satélite. O ritmo permanece
no segundo ano de governo.
De
acordo com a Política Nacional de Mudanças do Clima, o governo se
comprometeu a reduzir a taxa geral de desmatamento anual para 3.925
quilômetros quadrados até 2020. Em vez disso, 4.700 quilômetros
quadrados já haviam sido desmatados até o final de julho de 2020.
Diversos
fatores indicam que as queimadas na Amazônia serão mais intensas em
2020. Em abril deste ano, as áreas recém-desmatadas combinadas com as
áreas desmatadas que não foram queimadas em 2019 já totalizavam 4.509
quilômetros quadrados na Amazônia que poderiam ser alvo de queimadas
durante esta estação seca. Em julho, foram detectados 28% mais focos de
calor do que em julho do ano passado.
O
governo Bolsonaro decretou uma proibição de queimadas durante a estação
seca deste ano, mas seu impacto provavelmente será limitado se não
houver uma fiscalização mais efetiva, afirmou o relatório.
“O
governo federal tem a obrigação de proteger o ecossistema único que é a
Amazônia, bem como seus habitantes, mas a destruição acelerada da
floresta está nos empurrando para um ponto de inflexão, em que pode não
ser mais capaz de se recuperar, com consequências irreversíveis para a
economia brasileira e para a mudança climática global”, diz o
diretor-executivo do IPAM, André Guimarães, . “O governo federal deveria
garantir urgentemente uma coordenação eficaz entre todas as agências de
fiscalização ambiental para evitar essa catástrofe.”
Para obter mais relatórios do IPAM, visite:
Para obter mais relatórios do IEPS, visite:
Para obter mais relatórios da Human Rights Watch sobre Meio Ambiente e Direitos Humanos, visite:
Para mais notícias da Human Rights Watch sobre o Brasil, visite:
Para mais informações por favor entre em contato:
Em Brasília, Cristina Amorim (inglês, português): +55 61 9127-6994 ou cristina.amorim@ipam.org.br
Em Nova York, Daniel Wilkinson (inglês, espanhol): +1-646-552-8063 ou wilkind@hrw.org e Luciana Téllez-Chávez (francês, inglês, espanhol): +1-646-819-9079 ou tellezl@hrw.org
No Rio de Janeiro, Miguel Lago (inglês, português): +55 21 99835-1434 o miguel.lago@ieps.org.br
Em São Paulo, Maria Laura Canineu (inglês, português): +55 11 99797-7695 ou caninem@hrw.org e Andrea Carvalho (inglês, português): +55 11 99881-4690 ou carvala@hrw.org
Depoimentos selecionados do relatório:
• Acre: A
poluição do ar foi especialmente “intensa” durante a temporada de
queimadas de 2019, disse um médico que trabalha no Hospital Geral Santa
Juliana de Rio Branco, no estado do Acre. “Tive que hospitalizar muitos
pacientes com doenças crônicas, especialmente doença pulmonar obstrutiva
crônica e insuficiência cardíaca”, o que ele atribuiu ao impacto da
poluição causada pelas queimadas. Depois de tratar pacientes por uma
condição que se desenvolveu ou piorou durante episódios de piora crítica
da qualidade do ar durante a temporada de queimadas, ele disse que
aconselhou os pacientes a não deixarem suas casas, mas lamentou que as
autoridades estaduais não emitissem alertas de saúde para a população em
geral.
• Amazonas: Em
Lábrea, município ao sul do Amazonas, o secretário municipal de saúde
disse que a fumaça das queimadas tem um impacto dramático na qualidade
do ar a cada ano. “Eu mesmo sofro muito, quase não consigo falar, fico
com garganta e olhos secos”, disse ele. “Nossa demanda nos hospitais
aumenta em 30 por cento na época de queimadas e aumenta cerca de 20 por
cento a compra de medicamentos, insumos, equipamentos e inaladores”. Há
também um “aumento impressionante” no número de crianças e idosos que
precisam de atendimento
• Pará: “Durante
semanas, a fumaça cobre o céu”, disse um médico que supervisiona
projeto de atendimento de saúde a 15 mil indígenas e ribeirinhos que
vivem às margens do rio Tapajós, no Pará. “É mais comum vermos quadros
de falta de ar, alérgicos, bronquite e asma”. A maioria dos impactos na
saúde são subnotificados, disse ele.
• Rondônia: Em
Porto Velho, o diretor adjunto de um hospital infantil, disse que as
crianças com doenças pré-existentes como asma, bronquite e rinite foram
as mais afetadas pela fumaça. “A patologia é mais grave conforme for
menor a idade da criança”, disse ele. “Recém-nascidos prematuros, bebês
que usaram aparelhos respiratórios, entre outros, são muito sensíveis a
essas condições”. O diretor, um pediatra com 30 anos de experiência,
disse que ele e seus colegas estavam "muito preocupados" com a chegada
da temporada de queimadas deste ano, pois o estado já estava lutando
para lidar com a pandemia de Covid-19.
IPAM
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