quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Agrofloresta é alternativa de desenvolvimento na Amazônia





Agrofloresta é alternativa de desenvolvimento na Amazônia

agrofloresta

Agrofloresta é alternativa de desenvolvimento na Amazônia

Enquanto a matéria orgânica desmatada queima na Amazônia para dar espaço para o gado, um novo estudo mostra que sistemas agroflorestais, também conhecidos como agrofloresta, podem gerar benefícios superiores nas dimensões social, ambiental e também econômica.

Os bons resultados foram obtidos na Reserva Extrativista Chico Mendes, no município de Xapuri/AC, onde o WWF-Brasil, em parceria com a Universidade Federal do Acre, EMBRAPA Acre e Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Acre, testou dois modelos diferentes em duas áreas de solo distintas. Enquanto um deles empatou com o rendimento médio anual da soja, o outro obteve o dobro de lucratividade, comprovando que o desenvolvimento econômico no bioma, com geração de emprego e elevação de qualidade de vida, pode ser obtido com a floresta em pé.


A relação benefício-custo obtida no SAF 01 foi 1,6 – ou seja, para cada real investido, a família terá um retorno de R$ 1,60 ao final do ciclo produtivo. No caso do SAF 02, a relação é ainda maior: 2,3.

A taxa de retorno no SAF 01 foi de 36,59% e de impressionantes 111,2% no SAF 02. O valor anual equivalente por hectare foi de R$ 1.949,61 no SAF 01 e de R$ 4.534,13 no SAF 02. O retorno do investimento é relativamente curto (em torno de dois anos) e a rentabilidade por hectare calculada para 20 anos é o dobro da soja, no caso de um deles, e equivalente, no outro. Em valores atualizados para hoje, o lucro por hectare verificado no SAF 01 foi R$ 22.361,83 e de R$ 52.006,12 no SAF 02.


Em suma, os dois sistemas produtivos estudados se provaram não apenas viáveis técnica e financeiramente, mas também bastante atrativos como alternativa de investimento. Um detalhe importante: a mão de obra representa a maior parte dos custos totais das áreas avaliadas, o que indica o alto potencial de geração de trabalho e renda desses sistemas, o que possibilita remunerar a mão de obra da própria família, com oportunidade de inclusão social e produtiva das mulheres e jovens residentes na zona rural.

Segundo Edegar de Oliveira Rosa, diretor de conservação e restauração do WWF-Brasil, “este estudo mostra que existem outras alternativas de desenvolvimento para a Amazônia e ocupação de áreas já abertas, que conciliam o clima, e todo o seu potencial de produção, com um sistema com funções similares à da floresta nativa.  Além dos benefícios ambientais, este sistema é mais inclusivo, fortalece a economia local e a segurança alimentar. Precisamos sair da lógica do desmatamento para pecuária. A floresta vale muito mais em pé e existem modelos melhores para ocupar as áreas já desmatadas”.

A restauração florestal com agroflorestas é uma importante alternativa de Inclusão social e produtiva na agricultura familiar, possibilitando geração de trabalho e renda, e proporcionando segurança alimentar e nutricional ao mesmo tempo em que promove a recuperação de áreas degradadas e a adequação ambiental dos estabelecimentos e posses rurais em conformidade com a legislação vigente.  Além disso, contribui com a arrecadação de impostos, presta serviços ambientais como captura de carbono e conservação da água, do solo e da biodiversidade, valorizando o bem-estar humano e trazendo benefícios para toda a sociedade.


O novo Código Florestal, de 2012, autoriza agricultores familiares a utilizar sistemas agroflorestais para restauração florestal das Áreas de Preservação Permanente e de Reserva Legal com fins econômicos.  No caso do Acre, onde o estudo foi conduzido, o Programa de Regularização Ambiental regulamenta a restauração de passivos com finalidade econômica nas propriedades e posses familiares através de Sistemas Agroflorestais.


Entre os fatores críticos para o sucesso de uma agrofloresta está o financiamento, uma vez que o retorno, embora rápido, acontece dois anos após os investimentos iniciais, e a assistência técnica. O fortalecimento das organizações associativas comunitárias também se constitui em importante estratégia para viabilizar a adoção das agroflorestas como proposta de desenvolvimento que alia inclusão social, produção diversificada e conservação dos recursos naturais.


Descritivo dos experimentos

 

 

As duas agroflorestas analisadas foram implantadas em 2015 na Comunidade Altamira, Seringal Nova Esperança, envolvendo um grupo de 12 famílias associadas à Cooperativa Central de Comercialização Agroextrativista do Acre – COOPERACRE que participam de um projeto de fomento ao plantio de seringueira com objetivo de fornecer Cernambi Virgem Prensado – CVP para a planta industrial da cooperativa, localizada no município de Sena Madureira/AC. A cooperativa foi responsável pelo apoio no preparo do solo e na aquisição e distribuição das mudas enxertadas de seringueira. O WWF-Brasil, através do Projeto Paisagens de Inovações Sustentáveis no Acre – PIS, foi responsável pela realização de oficinas, intercâmbios e assistência técnica junto às famílias, em parceria com a Universidade Federal do Acre, EMBRAPA e SEMA, bem como na aquisição de sementes de adubos verdes. As mudas de espécies arbóreas nativas foram produzidas no viveiro do Parque Zoobotânico da UFAC e também no viveiro temporário construído na comunidade com apoio do projeto.

O SAF 01 foi implantado em área degradada e compactada, com sinais de erosão e presença de plantas indicadoras de solos ácidos e pobres em nutrientes, como o sapé (Imperata brasiliensis), levando a família a introduzir adubos verdes na área. As quatro espécies utilizadas – feijão de porco, gergelim, margaridão e ingá de metro apresentaram crescimento vigoroso e produziram grande quantidade de biomassa, porém elevaram a demanda de mão de obra no sistema. Além da roçagem do feijão de porco e do gergelim, e das podas no margaridão e ingá de metro, a família também utiliza a roçadeira motorizada e aplicação de herbicida para controle da rebrotação da braquiária e outras plantas espontâneas que surgem na área.

O SAF 02 foi implantado no ano de 2015, em área de vegetação secundária em estágio inicial de regeneração (capoeira nova). O preparo do solo foi realizado de forma manual utilizando enxada e facão, sem utilização de calcário para correção da acidez. A composição e arranjo de espécies foi semelhante ao SAF 01, porém utilizando a mandioca como espécie anual e a bananeira sendo introduzida em maior densidade de plantio.


Nesta área não foram utilizados adubos verdes e as espécies arbóreas introduzidas com finalidade econômica foram as mesmas do SAF anterior: araçá boi, camu camu, cacau, açaí, seringueira e mais o cupuaçu.  O SAF 02 foi implantado em uma situação ambiental bem mais favorável, apresentando solo de cor escura e com maior quantidade de matéria orgânica, sem sinais de erosão ou compactação e sem a presença de plantas indicadoras de áreas degradadas. A implantação do sistema foi realizada de forma manual, sem mecanização, e o manejo da vegetação secundária oriunda da regeneração natural gerou grande quantidade de biomassa, o que, aliado ao manejo da bananeira, plantada em maior densidade do que no SAF 01, também torna o sistema dependente de grande quantidade de mão de obra.

A escolha das espécies que irão compor a agroflorestal devem considerar o potencial de acesso aos mercados como critério de planejamento. No caso dos SAFs avaliados, a definição das espécies levou em consideração os produtos processados nas plantas industriais da cooperativa na qual os produtores são associados, em especial as polpas de frutas e o látex coagulado. As políticas públicas voltadas ao acesso de mercados institucionais, como o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA e o Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE, também são importantes alternativas para viabilizar a comercialização de produtos agroflorestais.


Os consórcios implantados foram planejados com base na sucessão ecológica, incluindo, junto com as árvores, espécies agrícolas anuais e semi-perenes que proporcionam retorno altamente positivo nos primeiros anos de estabelecimento do Sistema Agroflorestal, principalmente o abacaxi e a banana. O uso de espécies de ciclo curto nas áreas de restauração florestal influencia positivamente o fluxo de caixa e diminui o tempo de retorno do capital investido. A boa remuneração proporcionada pelas espécies semi-perenes foi chave para a viabilidade dos SAFs avaliados, se constituindo em grupo essencial no planejamento produtivo das áreas de restauração florestal com finalidade econômica.


A importância das agroflorestas para o Acre

 

Segundo dados do Cadastro Ambiental Rural – CAR, o Estado do Acre possui um passivo ambiental de 302.177 hectares, dos quais 117.983 estão localizados em pequenas e médias propriedades. Neste contexto, as agroflorestas possuem enorme potencial de restauração desses passivos nas áreas de agricultura familiar e agroextrativista, possibilitando agregar geração de renda na atividade.


A porção leste do Estado do Acre, região em que se localiza a RESEX Chico Mendes, faz parte do chamado “Arco do Desmatamento”, uma área que apresenta os maiores índices de desflorestamento da Amazônia brasileira. Mesmo com o crescimento do desmatamento verificado nos últimos anos, a RESEX Chico Mendes mantém mais de 90% de sua cobertura florestal e corrobora com a tese de que as áreas protegidas funcionam como barreiras ao avanço do desmatamento.

Fonte: WWF Brasil


in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 09/09/2020

CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à EcoDebate com link e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

Nenhum comentário: