quinta-feira, 17 de setembro de 2020

“Parece que explodiu uma bomba e destruiu tudo. Nos deparamos com muitos animais mortos. Inúmeros, incontáveis!”, relata veterinário no Pantanal


 

 

“Parece que explodiu uma bomba e destruiu tudo. Nos deparamos com muitos animais mortos. Inúmeros, incontáveis!”, relata veterinário no Pantanal



"Parece que explodiu uma bomba e destruiu tudo. Nos deparamos com muitos animais mortos. Inúmeros, incontáveis!", relata veterinário no Pantanal
Há pouco mais de vinte dias, o veterinário mineiro Felipe Coutinho Batista Esteves se juntou à equipe da ONG Ampara Silvestre que está trabalhando para tentar salvar os animais feridos pelos incêndios no Pantanal, na região entre os municípios de Poconé e Porto Jofre, uma das áreas mais afetadas no Mato Grosso. O time atendeu a um apelo de outra organização, a Instituto Homem Pantaneiro, que percebeu a urgência em fazer o resgate dos animais, que não conseguem fugir do fogo.

Por WhatsApp, tarde da noite, Felipe responde minha mensagem. Diz que no momento está na pousada, mas em breve sairá de lá e ficará sem sinal de telefone por muito tempo.

Durante cerca de uma hora então, trocamos mensagens. Ele me relata, por áudio, como tem sido o seu dia a dia, cheio de altos e baixos.

Diariamente a equipe da Ampara Silvestre, que conta com veterinários, biólogos e voluntários, faz patrulhas de barco e carro pelas regiões afetadas pelo fogo. Também atende chamados de alerta sobre animais feridos para fazer os primeiros-socorros e decidir sobre o encaminhamento do bicho, dependendo de seu estado.

“Primeiro fazemos fluidoterapia (hidratação com água) e depois começamos a limpar as feridas, colocar curativos. Depois que o animal está estabilizado, ele é encaminhado pela secretaria do meio ambiente para o Centro de Medicina e Pesquisa de Animais Silvestres (Cempas) ou para o Hospital Veterinário da Universidade Federal do Mato Grosso”, diz.

"Parece que explodiu uma bomba e destruiu tudo. Nos deparamos com muitos animais mortos. Inúmeros, incontáveis!", relata veterinário no Pantanal
Felipe, logo à frente, na direita, ajuda a carregar uma onça-pintada ferida
As espécies rasteiras são as mais afetadas, como jacarés, serpentes e jabutis porque têm um deslocamento mais lento diante do fogo.

“Notamos também que alguns animais conseguem fugir das chamas, mas acabam voltando e queimam as patas, uma das lesões mais comuns que temos visto”.

"Parece que explodiu uma bomba e destruiu tudo. Nos deparamos com muitos animais mortos. Inúmeros, incontáveis!", relata veterinário no Pantanal

Animal com a pata totalmente queimada pelo fogo

Eutánasia: difícil decisão para aliviar a dor dos animais

Mas, em meio a tanto fogo – já considerado o maior dos últimos quase 50 anos, no Pantanal – nem todos os bichos podem ser salvos.

“Temos nos deparado com muitos animais mortos. Muitos! Inúmeros, incontáveis animais mortos. Veados, antas, serpentes, jacarés, quatis, tudo o que você pode imaginar”, relata Felipe. “Infelizmente a gente fica com a impressão que chegou tarde. Só que como é um incêndio de grandes proporções, a gente nota que é agulha no palheiro, trabalho de formiguinha, mas um animal salvo já é alguma coisa”, acredita.

No caso dos animais que não têm mais chance de sobreviver, a equipe decide pela eutanásia. “Temos um compromisso ético perante a vida desse animal. Estamos aqui para dar oportunidade de um tratamento, mas quando ele não é possível, recorremos à eutanásia. Em muito casos, as extensões das lesões são muito grandes, como a gente viu em uma jaguatirica, que tinha perda de tendões”.

"Parece que explodiu uma bomba e destruiu tudo. Nos deparamos com muitos animais mortos. Inúmeros, incontáveis!", relata veterinário no Pantanal
Veado que não conseguiu fugir do incêndio
Não são apenas as feridas e queimaduras provocadas pelo fogo que ameaçam a fauna do Pantanal neste momento. Os incêndios devastaram a vegetação e com isso, a fonte de alimentos dos bichos. “Percebemos em nossas patrulhas diárias que os animais estavam morrendo de sede e de fome

também. Começamos então a colocar cochos (recipientes) de água e frutas para alimentá-los”, conta.
Para o veterinário, essas ações são mais importantes até do que o próprio resgate de sobreviventes.

Descaso com o Pantanal

Mais do que o choque com o encontro diário de dezenas de animais mortos, o que consterna os profissionais envolvidos no trabalho no Pantanal é perceber o completo descaso do poder público com esse bioma tão importante e representativo de nosso país, com a maior concentração de animais da América do Sul. Felipe considera isso simplesmente inadimissível, inaceitável.

“Não existe nenhuma política de prevenção. Não existe uma brigada permanente de incêndio, há um descaso dos órgãos ambientais, um jogo de empurra-empurra. Uma vez que o fogo vem, não tem jeito”, denuncia. “Nessa hora, ninguém assume o problema de verdade. Notamos ainda um conformismo estratégico dos órgãos ambientais: é mais fácil ver o fogo passar, com um contingente baixo de brigadistas – os aviões do ICMBio chegaram 30 dias depois do fogo começar e dois deles já foram embora”.

Pergunto como o profissional faz para enfrentar tanto sofrimento.

“Parece que explodiu uma bomba e destruiu tudo. É muito difícil ver isso. Porém, eu costumo dizer que a gente só tem dois minutos para lamentar e ir pro próximo. Porque os animais não podem esperar. Há muitos deles precisando de atendimento e ajuda. Se a gente parar e lamentar cada vez, não consegue executar o trabalho”, admite.
Felipe diz que cada animal salvo é uma pontinha de esperança. “Com nossa ajuda ele poderá voltar à natureza.


Felipe tratando de mais onça-pintada, vítima dos incêndios

A resiliência se sobrepõe à impotência

Essa não é a primeira vez que o mineiro está em meio a um desastre ambiental. Em seu estado natal, trabalhou em Barão de Cocais e Brumadinho, após o vazamento das barragens de minério na região. Reconhece que não é fácil estar nesses lugares e que é preciso ter um equilíbrio emocional muito grande para participar dessas ações.

“Hoje presenciei uma das situações mais duras até agora. Vimos um veado-campeiro parado, na beira do rio, e o fogo atrás dele, por todos os lados. Ele não tinha para onde ir. É uma situação de impotência. Porque se tentássemos intervir, o instinto animal poderia fazer com que ele fosse em direção ao fogo. Seria pior”, desabafa.

Entretanto, nem situações como as vividas em mais um dia no Pantanal o fazem desistir dessa missão.
“Mas a gente está aqui pra isso. São atribuições do próprio ofício, da própria medicina veterinária. A gente está aqui pela causa, então tem que ser forte”, finaliza.



A equipe da Ampara Silvestre que está fazendo
um trabalho lindo no Pantanal
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*Há diversas campanhas sendo realizadas para ajudar o trabalho dos profissionais que fazem o resgate e tratamento de animais no Pantanal. Veja como contribuir para a da Ampara Silvestre e outras entidades nesta outra reportagem – Como ajudar o Pantanal
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Fotos: arquivo pessoal e José Medeiros
Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.

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