quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Desmatamento no Cerrado aumenta 12,3% e bioma perde 7,3 mil km² de vegetação nativa

 WWF

Desmatamento no Cerrado aumenta 12,3% e bioma perde 7,3 mil km² de vegetação nativa

 

23 dezembro 2020    

Maior conversão da vegetação nativa se concentra no Matopiba e segue dando lugar à produção de commodities, principalmente pecuária e soja

Por WWF-Brasil

De agosto de 2019 a julho de 2020, o desmatamento do Cerrado foi de 7,3 mil km2. A área representa 12.3% a mais do que o total registrado no período anterior. O desmatamento foi maior nos Estados do Maranhão, Tocantins e Bahia, que fazem parte do território do Matopiba, atual fronteira agrícola do Cerrado que também inclui o Piauí.

Os dados são do PRODES Cerrado, criado e operado pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) para monitorar e quantificar anualmente a remoção da cobertura natural do bioma a partir de dados do satélite Landsat.

"Precisamos reverter esse cenário de destruição em nome do nosso futuro. E, para isso, é necessário um grande esforço em conjunto dos governos e das empresas”, afirma Mauricio Voivodic, diretor executivo do WWF-Brasil. “Infelizmente, a combinação entre uma legislação que não protege adequadamente o bioma, em conjunto com a impunidade e o desmantelamento das agencias fiscalizadoras, está levando ao colapso de serviços ecossistêmicos fundamentais à população que vive no bioma e que depende, entre outros, da água das nascentes e rios do Cerrado, gerando conflitos sociais e disputas pela água como nunca vistos, em diversas regiões”, afirma Voivodic.

A região do Matopiba concentra os últimos remanescentes contínuos da vegetação nativa do Cerrado, onde também mais avança o agronegócio irresponsável, principal motor do desmatamento no bioma.

O Mato Grosso é o estado que tem a maior perda acumulada –e ainda assim perdeu 727 km2 de vegetação nativa para a produção de commodities, principalmente na região do Araguaia. Estudos demonstraram que o Brasil não precisa destruir um hectare sequer para atender a demanda esperada de crescimento da agricultura e da pecuária – o que é necessário é aumentar a produtividade das áreas já exploradas. E já temos tecnologia amplamente conhecida para isso.

Há pouco mais de uma semana, em 15 de dezembro, o grupo de 163 empresas que assina o Manifesto do Cerrado –e são grandes compradoras da soja brasileira– pediu aos produtores e empresas da cadeia da soja que elevassem seu compromisso com zero conversão (sem abrir novas áreas) no Cerrado. Está no bioma a produção de 60% da soja do Brasil. Este pedido não está isolado: Reino Unido e Europa discutem legislações para reduzir a importação de commodities que causam desmatamento, o que pode significar uma oportunidade ou uma restrição para o produto brasileiro dependendo de como a questão será tratada. Infelizmente, seguimos na direção da restrição.

Consequências
Os novos dados do Inpe para o Cerrado confirmam também o que já vinham alertando os cientistas: o ritmo de destruição da savana mais rica em biodiversidade do mundo está acelerado.

De acordo com o Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), em 15 anos o desmatamento no Cerrado foi mais intenso que na Amazônia. De 2000 a 2015, o Cerrado perdeu 236 mil km2, enquanto a perda na Amazônia, bioma duas vezes maior, foi de 208 mil km2, segundo pesquisadores do instituto.

O Cerrado é considerado a formação savânica mais biodiversa do mundo. Com aproximadamente dois milhões de km2, ocupa cerca de 25% do território brasileiro. No entanto, há pouca proteção: apenas 8% são Unidades de Conservação.

De acordo com o Mapbiomas (Mapeamento Anual de Uso e Cobertura do Solo do Brasil), 47,1% do Cerrado já foram convertidos, principalmente para a produção agrícola e pecuária. A produtividade do setor obtida na região tornou o Brasil um dos principais produtores mundiais de commodities agrícolas. A maior parte dessa produção agrícola é exportada, enquanto a carne tem como principal destino o mercado interno, com uma parcela menor sendo exportada para diferentes regiões do mundo.

A partir da década de 1970 o Cerrado se transformou na fronteira agrícola brasileira. Essa transformação modificou os aspectos socioeconômicos, concentrou riqueza e criou tensões com povos indígenas e comunidades que ocupavam tradicionalmente a região.

A biodiversidade –única no mundo– desaparece junto com o desmatamento, sem que se conheçam suas propriedades, que poderiam se tornar importantes ativos para fármacos, cosméticos e alimentos, 40% das espécies do Cerrado só acontecem neste bioma.

O desmatamento também preocupa os cientistas quanto ao futuro hídrico e climático. O conflito pela água já se estabelece nas fronteiras do desmatamento do Cerrado, em especial no Matopiba, onde o alto consumo de água para irrigação das lavouras deixa a população com dificuldades de acesso ao recurso hídrico.

O rio São Francisco, por exemplo, tem registros recentes de seus menores níveis históricos de vazão, o que compromete a agricultura, a geração de energia e diversos outros setores de nossa economia", diz Mariana Napolitano, gerente de Ciências do WWF-Brasil.

O desmatamento do Cerrado também contribui para liberar na atmosfera gases de efeito estufa. Com menos vegetação, os períodos de seca tendem a ficar mais longos, e o regime de chuvas se altera.

Nenhum comentário: