Desmatamento no Cerrado aumenta 12,3% e bioma perde 7,3 mil km² de vegetação nativa
23 dezembro 2020
Maior conversão da vegetação nativa se concentra no
Matopiba e segue dando lugar à produção de commodities, principalmente pecuária
e soja
Por WWF-Brasil
De agosto de 2019 a julho de 2020, o desmatamento do Cerrado foi de 7,3 mil
km2. A área representa 12.3% a mais do que o total registrado
no período anterior. O desmatamento foi maior nos Estados do Maranhão,
Tocantins e Bahia, que fazem parte do território do Matopiba, atual
fronteira agrícola do Cerrado que também inclui o Piauí.
Os dados são do PRODES Cerrado, criado e operado pelo Inpe (Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais) para monitorar e quantificar anualmente a
remoção da cobertura natural do bioma a partir de dados do satélite
Landsat.
"Precisamos reverter esse cenário de destruição em nome do nosso futuro.
E, para isso, é necessário um grande esforço em conjunto dos governos e das
empresas”, afirma Mauricio Voivodic, diretor executivo do WWF-Brasil.
“Infelizmente, a combinação entre uma legislação que não protege adequadamente
o bioma, em conjunto com a impunidade e o desmantelamento das agencias
fiscalizadoras, está levando ao colapso de serviços ecossistêmicos
fundamentais à população que vive no bioma e que depende, entre outros, da água
das nascentes e rios do Cerrado, gerando conflitos sociais e disputas pela
água como nunca vistos, em diversas regiões”, afirma Voivodic.
A região do Matopiba concentra os últimos remanescentes contínuos da vegetação
nativa do Cerrado, onde também mais avança o agronegócio irresponsável,
principal motor do desmatamento no bioma.
O Mato Grosso é o estado que tem a maior perda acumulada –e ainda assim
perdeu 727 km2 de vegetação nativa para a produção de
commodities, principalmente na região do Araguaia. Estudos demonstraram que o
Brasil não precisa destruir um hectare sequer para atender a demanda esperada
de crescimento da agricultura e da pecuária – o que é necessário é aumentar
a produtividade das áreas já exploradas. E já temos tecnologia amplamente
conhecida para isso.
Há pouco mais de uma semana, em 15 de dezembro, o grupo de 163 empresas que
assina o Manifesto do Cerrado –e são grandes compradoras da soja brasileira–
pediu aos produtores e empresas da cadeia da soja que elevassem seu compromisso
com zero conversão (sem abrir novas áreas) no Cerrado. Está no bioma a
produção de 60% da soja do Brasil. Este pedido não está isolado: Reino Unido e
Europa discutem legislações para reduzir a importação de commodities que causam
desmatamento, o que pode significar uma oportunidade ou uma restrição para o produto
brasileiro dependendo de como a questão será tratada. Infelizmente, seguimos na
direção da restrição.
Consequências
Os novos dados do Inpe para o Cerrado confirmam também o que já vinham
alertando os cientistas: o ritmo de destruição da savana mais rica em
biodiversidade do mundo está acelerado.
De acordo com o Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), em 15 anos
o desmatamento no Cerrado foi mais intenso que na Amazônia. De 2000 a 2015, o
Cerrado perdeu 236 mil km2, enquanto a perda na Amazônia, bioma duas
vezes maior, foi de 208 mil km2, segundo pesquisadores do instituto.
O Cerrado é considerado a formação savânica mais biodiversa do mundo. Com
aproximadamente dois milhões de km2, ocupa cerca de 25% do
território brasileiro. No entanto, há pouca proteção: apenas 8% são Unidades de
Conservação.
De acordo com o Mapbiomas (Mapeamento Anual de Uso e Cobertura do Solo do
Brasil), 47,1% do Cerrado já foram convertidos, principalmente para a
produção agrícola e pecuária. A produtividade do setor obtida na região
tornou o Brasil um dos principais produtores mundiais de commodities agrícolas.
A maior parte dessa produção agrícola é exportada, enquanto a carne tem como
principal destino o mercado interno, com uma parcela menor sendo exportada para
diferentes regiões do mundo.
A partir da década de 1970 o Cerrado se transformou na fronteira agrícola
brasileira. Essa transformação modificou os aspectos socioeconômicos,
concentrou riqueza e criou tensões com povos indígenas e comunidades que
ocupavam tradicionalmente a região.
A biodiversidade –única no mundo– desaparece junto com o desmatamento,
sem que se conheçam suas propriedades, que poderiam se tornar importantes
ativos para fármacos, cosméticos e alimentos, 40% das espécies do Cerrado só
acontecem neste bioma.
O desmatamento também preocupa os cientistas quanto ao futuro hídrico e
climático. O conflito pela água já se estabelece nas fronteiras do
desmatamento do Cerrado, em especial no Matopiba, onde o alto consumo de
água para irrigação das lavouras deixa a população com dificuldades de acesso
ao recurso hídrico.
“O rio São Francisco, por exemplo, tem registros recentes de seus menores
níveis históricos de vazão, o que compromete a agricultura, a geração de
energia e diversos outros setores de nossa economia", diz Mariana
Napolitano, gerente de Ciências do WWF-Brasil.
O desmatamento do Cerrado também contribui para liberar na atmosfera gases de
efeito estufa. Com menos vegetação, os períodos de seca tendem a ficar mais
longos, e o regime de chuvas se altera.
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