Antas estão morrendo e sendo afetadas por agrotóxicos
utilizados no Cerrado de MS, aponta pesquisa
Cientistas alertam para a grande quantidade de
pesticidas, proibidos de serem usados no Brasil, nos organismos dos animais
analisados. A preocupação aumenta em decorrência da espécie estar em risco de
extinção.
Por José Câmara, G1 MS
30/06/2021 16h22 Atualizado há um ano
Pesquisa aponta que as antas estão ingerindo os agrotóxicos
por meio das plantas que comem em seu habitat natural. — Foto: Reprodução
O uso de pesticidas no Cerrado de Mato Grosso do Sul tem
preocupado cientistas da fauna regional. De acordo com uma pesquisa publicada
no final de junho, deste ano, na revista Wildlife Researchantas, antas
brasileiras estão morrendo e sendo afetadas por agrotóxicos utilizados em
propriedades agrícolas que ficam no bioma.
O documento assinado por cientistas da Iniciativa Nacional
para a Conservação da Anta Brasileira, do Instituto de Pesquisas Ecológicas
(INCAB-IPÊ), além de apontar a contaminação da espécie, pede investigações mais
profundas sobre o tema, em decorrência do uso dos pesticidas irregulares.
A pesquisa conclusiva traz um relatório detalhado da
detecção de pesticidas e metais pesados analisados nas antas. Uma das
principais conclusões foi a detecção da alta prevalência do agrotóxico,
popularmente conhecido como 'chumbinho', presente de forma intensa no conteúdo
estomacal dos animais. De todas as antas avaliadas, 41% delas testaram positivo
para este ou mais produtos químicos.
O estudo de campo foi feito entre os anos de 2015 e 2017,
nas cidades de Nova Alvorada do Sul e Nova Andradina, municípios próximos a
Campo Grande. Conforme os dados levantados pela pesquisa, esta região contém
plantações de cana-de-açúcar, cultura que utiliza da pulverização aérea de
inseticidas, agrotóxicos encontrados nos organismos das antas analisadas.
Em
2012, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento decidiram retirar do mercado brasileiro o
agrotóxico aldicarbe, pesticida encontrado nos animais. Diante da presença
dos pesticidas, após 2012, o estudo deixa claro que agricultores estão
utilizando o produto irregular.
A coordenadora da INCAB e uma das autoras do artigo,
Patrícia Medici, alerta para os riscos da contaminação das antas. “Esse é um
estudo de longo prazo e conseguimos apontar agora com ampla certeza quais os
agrotóxicos que estão afetando a saúde das antas. Embora pouco se saiba sobre o
impacto da exposição crônica a estas substâncias ao longo de meses ou anos, já
sabemos que o índice de pesticidas encontrado nos tecidos, outros órgãos e
sangue dos animais é muito superior ao limite permitido de ingestão. Isso pode desencadear
processos fisiológicos com implicações importantes para a saúde dos animais
afetados, particularmente nas respostas endócrinas, neurológicas e
reprodutivas", afirma.
Agrotóxicos no habitat natural
Pesquisadores estão preocupados com a vida das antas
brasileiras. — Foto: INCAB/Divulgação
Os especialistas explicam que as exposições das antas aos
agrotóxicos são feitas no próprio habitat natural, seja pela ingestão de
plantas em contato com o solo ou água contaminada. "A análise estomacal
demonstra exposição pela ingestão de plantas nativas contaminadas e de itens
das culturas agrícolas eventualmente utilizados como recurso alimentar",
descrevem.
“Isso é assustador e prejudicial e não sabemos ainda os
efeitos colaterais para esses bichos. É como se as antas se alimentassem de
veneno um pouco a cada dia, alimentando uma bomba-relógio em seu próprio corpo.
Essa falta de conhecimento sobre a saúde da anta é um grande obstáculo para um
planejamento adequado ações de conservação”, alerta Patrícia.
Além do "chumbinho", outros pesticidas foram
encontrados como organofosforados - diazinon, malathion e mevinphos também
foram encontrados nas patas dos animais. A pesquisadora explica que as
substâncias podem tornar as antas mais vulneráveis a infecções e doenças,
afetando adversamente sua saúde e sobrevivência.
“Já está claro que a agricultura em grande escala no Cerrado
brasileiro está resultando em pesticidas e exposição a metais em concentrações
que excedem a segurança ambiental e pode causar efeitos adversos à saúde das
antas e, talvez, de outros animais. Precisamos olhar com mais seriedade para
essa questão que afeta os animais silvestres e as vidas humanas. É inadmissível
a utilização de agrotóxicos sem critérios e sem fiscalização”, conclui
Patrícia.
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