Incêndios em áreas de floretas maduras cresceram 152% na
Amazônia em 2023, aponta estudo
Análise de imagens de satélite mostram que o aumento vai
na contramão das quedas do desmatamento. Ibama/Prevfogo diz que atua em
conjunto com outras instituições em ações de prevenção e combate
11 de abril de 2024
Incêndio registrado em Boca do Acre no ano de 2023. Foto:
Débora Dutra/Cemaden
- Publicado originalmente por Agência Fapesp
Mesmo com a redução do desmatamento na Amazônia em 2023,
o bioma vem enfrentando outro desafio: os incêndios em áreas de vegetação
nativa ainda não afetadas pelo desmatamento. Estudo publicado na
revista científica Global Change Biology alerta que os incêndios em áreas das
chamadas “florestas maduras” cresceram 152% no ano passado em comparação a
2022, enquanto houve uma queda de 16% no total de focos no bioma e redução de
22% no desmatamento.
Ao destrinchar as imagens de satélite, os pesquisadores
detectaram que os focos em áreas florestais subiram de 13.477 para 34.012 no
período. A principal causa são as secas na Amazônia, cada vez mais frequentes e
intensas. Além dos eventos prolongados registrados em 2010 e 2015-2016, que
deixam a floresta mais inflamável e provocam a fragmentação da vegetação, o
bioma passa por uma nova estiagem no biênio 2023-2024, o que agrava ainda
mais a situação.
Tanto que o Programa
Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), aponta que
o total de focos de calor no primeiro trimestre de 2024 em toda a Amazônia foi
o maior dos últimos oito anos – 7.861 registros entre janeiro e março,
representando mais de 50% das notificações no país (o Cerrado vem em seguida,
com 25%). O mais alto número até então havia sido no primeiro trimestre de 2016
– 8.240 para o total do bioma.
“É importante entender onde os incêndios estão ocorrendo
porque cada uma dessas áreas afetadas demanda uma resposta diferente. Quando
analisamos os dados, vimos que as florestas maduras queimaram mais do que nos
anos anteriores. Isso é particularmente preocupante não só pela perda de
vegetação e desmatamento na sequência, mas também pela emissão do carbono estocado”,
afirma o especialista em sensoriamento remoto e autor correspondente do
artigo Guilherme
Augusto Verola Mataveli, da Divisão de Observação da Terra e Geoinformática
do Inpe.
Mataveli está atualmente no Tyndall Centre for Climate
Change Research, no Reino Unido, onde desenvolve parte de seu pós-doutorado
sobre emissão de gases de efeito estufa por queimadas com o apoio da FAPESP
(projetos 19/25701-8 e 23/03206-0),
que também financia o trabalho por meio de outros quatro projetos (20/15230-5, 20/08916-8, 21/04019-4 e 21/07382-2).
No ano passado, alguns pesquisadores do grupo publicaram
outro trabalho já mostrando o aumento de incêndios em uma fronteira emergente
de desmatamento no sudoeste do Amazonas, na região de Boca do Acre, entre 2003
e 2019 (leia mais em: agencia.fapesp.br/40757).
“Além da gravidade dos incêndios em áreas de florestas
maduras atingirem, por exemplo, árvores mais antigas, com maior potencial de
estoque de carbono, contribuindo para o aumento do impacto das mudanças climáticas,
há o prejuízo para as populações locais. Manaus é um desses casos, que foi a
segunda cidade com a pior qualidade do ar no mundo em outubro do ano passado”,
completa Mataveli.
Outros Estados registraram situação semelhante, incluindo
o Pará, onde a contagem de focos de calor em florestas maduras em 2023 foi de
13.804 – contra 4.217 em 2022.
Neste ano de 2024, uma das piores situações está em
Roraima, que concentra mais da metade dos registros do bioma. Com a quinta
maior população indígena do país – 97.320 pessoas –, o Estado viu 14 dos seus
15 municípios decretarem emergência em março por causa do fogo. A fumaça levou
à suspensão de aulas e a seca severa tem afetado comunidades indígenas,
deixando-as sem acesso a alimentos e expostas a doenças respiratórias, entre
outros impactos.
O Ibama/Prevfogo diz que tem atuado, desde novembro do
ano passado, em conjunto com outras instituições nas ações de prevenção e no
combate aos incêndios, atualmente concentrados em diferentes regiões de
Roraima. Segundo o órgão, desde janeiro, são mais de 300 combatentes, além de
quatro aeronaves que dão apoio ao trabalho.
“As mudanças climáticas são apontadas como um fator
crítico para o aumento de episódios de incêndios, tendo o El Niño como fator
agregador de risco devido à sua relação com a estiagem prolongada na região.
Ressaltamos a importância da atuação dos órgãos ambientais estaduais e
municipais no combate aos incêndios, em colaboração com os entes federais. Essa
parceria é fundamental para permitir uma ação mais estratégica e eficaz na
prevenção e no combate aos incêndios florestais”, informa o Ibama/Prevfogo em
resposta à Agência FAPESP.
Procurado pela reportagem, o Ministério do Meio Ambiente
(MMA) reforçou em nota os pontos destacados pelo Ibama.
Resiliência
A mortalidade de árvores induzida pelo fogo em áreas de
floresta excede frequentemente 50% da biomassa acima do solo, ou seja, os
incêndios têm potencial para reduzir significativamente os estoques de carbono
principalmente no longo prazo.
Neste ano, esse efeito já foi sentido. Em fevereiro, as
emissões por queimadas no Brasil bateram recorde, atingindo o mais alto índice
em 20 anos – 4,1 megatoneladas (cada megatonelada equivale a 1 milhão de
toneladas) de carbono, alavancadas por Roraima, segundo o observatório
climático e atmosférico europeu Copernicus.
Além disso, a resiliência da floresta fica comprometida,
afetando, entre outros, sua capacidade de criar um microclima úmido abaixo do
dossel das árvores para conter e reciclar a umidade dentro do ecossistema.
Outro ponto destacado pelos pesquisadores é que a
crescente inflamabilidade da floresta torna-se um desafio para os agricultores
tradicionais – eles normalmente usam o fogo controlado como forma de manejo de
áreas de subsistência. Isso demanda incentivo a cadeias de produção para que
sejam livres dessa prática.
Líder do grupo e coautor do artigo, o pesquisador Luiz
Aragão ressalta que, “à medida que o tempo passa sem soluções efetivas
para o problema do fogo na região amazônica, o bioma se torna mais vulnerável,
com impactos ambientais, sociais e econômicos”. Aragão explica que, mesmo
reduzindo as taxas de desmatamento, a área impactada por esse processo continua
crescendo.
“Já havíamos previsto isso em 2010 em uma publicação de
nosso grupo no periódico Science. Tanto as áreas já desmatadas quanto aquelas
em processo de remoção da floresta constituem fontes ativas de ignição do fogo
pelo homem. Como o desmatamento fragmenta a paisagem, criando mais bordas entre
as florestas e as áreas abertas, as florestas maduras ficam mais permeáveis ao
fogo. Somando as secas extremas, como a atual, à configuração da paisagem
fragmentada, o uso contínuo do fogo na região e a presença de áreas florestais
mais degradadas, por incêndios passados, extração ilegal de madeira e efeito de
borda, espera-se uma floresta cada vez mais inflamável. Medidas urgentes são
necessárias para mitigar os incêndios e manter a Amazônia como o maior bem do
país para alcançar o desenvolvimento nacional sustentável”, avalia Aragão.
O grupo sugere ainda o aumento de operações de comando e
controle e a expansão de brigadas de incêndio, além do desenvolvimento
constante de sistemas de monitoramento. “Com o uso de inteligência artificial,
podemos tentar desenvolver sistemas que, além de mostrar onde ocorreram os
incêndios, façam uma predição dos locais com mais propensão de ocorrer e assim
ter áreas mais específicas como foco de prevenção”, complementa Mataveli.
O artigo Deforestation falls but rise of wildfires
continues degrading Brazilian Amazon forests pode ser lido em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/gcb.17202.
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