sábado, 18 de janeiro de 2014

Depois de muitos anos, o brasileiro voltou a conviver com inflação pesada.

Espaço possível - ANDRÉ GUSTAVO STUMPF

CORREIO BRAZILIENSE - 18/01

A luta do cidadão contra o Estado é constante, diária e impossível de ser conciliada. No pequeno espaço da minha autonomia, que começa nas restrições da gramática e termina no patrulhamento político, há algum espaço para o movimento. Quem vive em Brasília sabe que o serviço de fornecimento de energia é pavoroso. Não há luz quando chove, quando ameaça chover ou quando há a possibilidade de caírem algumas gotas. A energia desaparece nos momentos essenciais. E volta aos poucos e aos pedaços. Uma fase, outra fase e mais outra.

Os equipamentos elétricos se consomem. Queima tudo. Perdi recentemente uma geladeira. Não acredito que a empresa vá me dar outra, embora a responsabilidade seja toda dela. Enfim, fui comprar uma nova. E não são sou muito versado no quesito compras. Meu filho me advertiu que era melhor ver na internet. Vi. Depois fui à loja física como se deve dizer hoje. Estive lá, conversei com o vendedor e descobri que a venda em 10 parcelas iguais sem juros está saindo de moda. A inflação conspira para acabar com essa modalidade de comércio. Agora o financiamento sem juros, digamos usual, é o de seis meses. A modalidade de 18 meses já vem com pesada conta de juros.

Creio que essa seja a novidade mais importante dos últimos dias. Depois de muitos anos, o brasileiro voltou a conviver com inflação pesada. Além de Argentina e Venezuela, que possuem problemas específicos, o Brasil experimenta elevação de preço que resulta das próprias soluções para a economia. A produção caiu, o crescimento do Produto Interno Bruto é pífio, as reservas diminuíram e os deficits explodem por todos os lados. Pesa no bolso do consumidor quando ele descobre que as liquidações pós-Natal são mentirosas, que as taxas de juros estão na estratosfera e que cada vez há mais mês no final do salário. Alguém precisa informar a verdade à presidente.

A inflação brasileira não está em 6% ao ano. Ela gira em torno de 7% ou 8%, segundo informa Cristiano Romero em interessante artigo. As tarifas administradas pelo governo foram simplesmente congeladas, com elevação de apenas 1,5%, enquanto para todo o resto o Banco Central aplica a fórmula conhecida: libera a elevação da Selic. Chegou agora a 10,5%. Saiu do patamar de sete e pouco. E subiu rápido. Ainda assim, a carestia se mostra resistente e ameaça o conjunto da economia. O fato é que, sem entrar na discussão econômica, a inflação chegou ao bolso do brasileiro. E nele vai se instalar até a eleição de novembro.

Nenhum político vai discutir com técnicos sobre a curva da inflação nacional. Candidatos e homens de partidos antecipam tendências. Os bons enxergam além da linha do horizonte. O PMDB tem cinco ministérios. Quer mais um. A presidente Dilma Rousseff anunciou discretamente para seu vice, Michel Temer, que não há espaço para colocar mais gente do partido no governo. Afinal, ela precisa acomodar as outras siglas de sua enorme aliança para formar longo tempo de televisão. As lideranças do PMDB não gostaram e ameaçam deixar o governo federal. Difícil de acreditar.

Thales Ramalho, secretário-geral do antigo e saudoso MDB, dizia que existiam flores do recesso. Eram assuntos menores que ganhavam relevância em função de inexistência de assuntos mais importantes. É o caso do rolezinho, que está despertando a atenção dos jornais e dos noticiários de televisão. Até o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, resolveu falar sobre o assunto. A crise do PMDB com o governo federal não é episódica. Ela existe, é latente, e os líderes olham para o futuro com muita cautela. Não há verdades definitivas neste início de 2014.

Mas os números da economia já acenderam luzes amarelas na campanha de reeleição da presidente. Político muda de ideia e de partido com a facilidade de quem troca de camisa. E ainda se justifica. É cedo para que tamanha controvérsia aconteça. Mas é sinal de que a presidente Dilma Rousseff vai precisar de muito engenho e arte para montar a chapa e conseguir colocar a seu redor todos os interessados. Motivos para insatisfação há. E a inflação contínua a perturbar o eleitor. Tudo isso sugere alternativas. É o que todos estão explorando neste momento. Cada um deles procura o atalho para chegar ao grande prêmio da Presidência da República.


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