Áreas de preservação ambiental fundamentais para a manutenção da biosfera e da água do Distrito Federal são alvo constante de invasões e de grileiros. Nem resguardo da Unesco garante a proteção.
Desde 1993, um acordo entre o GDF e a Unesco garante, no papel, a preservação da área.
Trata-se da Reserva de Biosfera do cerrado, criada pela Organização das
Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura (Unesco) no
Distrito Federal. O compromisso firmado entre o governo local e o
organismo internacional em 1993 deveria garantir a preservação de zonas
fundamentais para a conservação do cerrado, bem como a qualidade de vida
de Brasília. A realidade, entretanto, está longe de cumprir o acordo.
As invasões avançam livremente sobre as zonas que deveriam estar sob
proteção. ...
Esqueça os casebres de tapumes e lonas. Atrás dos Conjuntos 4 e 5 da Quadra 13 do Park Way, a construção civil clandestina corre solta. Inserido na Área de Proteção Ambiental
Gama e Cabeça de Veado — zona-tampão (leia Para saber mais) da Reserva
de Biosfera do Cerrado — , o Núcleo Rural Coqueiro data de 1953, mas viu
as características de ocupação mudarem drasticamente nos últimos anos.
De pequenas chácaras, o local vem se transformando em parcelamentos
urbanos, colocando em risco a preservação dos córregos que abastecem o
sistema do Lago Paranoá.
O retalhamento, apesar de antigo, se apressa intensamente. No último ano, a construção de casas de alvenaria
ganhou ritmo acelerado. O Correio esteve no local na última sexta-feira
e constatou caminhões transportando materiais para erguer novas
residências ou finalizar obras inconcluídas. Entre as chácaras 45 e 49,
há quem tenha comprado uma fatia de terra por R$ 10 mil. É o caso de um
casal que conversou com a reportagem sem se identificar. Antes, eles
moravam de aluguel em outras casas da região. Os dois não dizem quem
vendeu o lote.
“A gente sempre fica sabendo de alguém que está vendendo”, disse a
moça. O marido confirma que uma parte do imóvel chegou a ser demolida
pela fiscalização, mas as estruturas que estavam habitadas pela família
foram mantidas. “Com a gente morando, eles não derrubam, não”, confirmou
o homem. Ali, eles contam com abastecimento de água, inclusive com hidrômetros individuais, e energia desviada de postes.
A expansão da invasão é motivo de várias reclamações de moradores de
quadras vizinhas no Park Way. Flavia Ribeiro da Luz, integrante da
Associação Park Way Residencial, já expôs a situação a vários órgãos
governamentais, incluindo a administração regional do bairro, instâncias
ambientais, fiscais e também a Câmara Legislativa. “As matas daqui
formam um cinturão verde
de proteção à área tombada de Brasília e os córregos abastecem o Lago
Paranoá. É uma região extremamente sensível, mas tem sido tratada de
maneira inconsequente e irresponsável pelo governo”, criticou a
moradora.
A administração respondeu que conhece o problema e notifica
frequentemente as autoridades responsáveis por conter as invasões. O
último ofício encaminhado à Delegacia do Meio Ambiente (Dema) e à
Agência de Fiscalização (Agefis) é de 23 de julho. Responsável por
operações de retirada e derrubada, a Secretaria de Ordem Pública e
Social (Seops) informou que esteve no local duas vezes este ano, nas
quais demoliu duas construções e 250 metros de cerca. Apesar disso, fará
nova expedição no local amanhã. A Agefis não respondeu à reportagem até o fechamento desta edição.
Desmatamento
A ameaça às zonas verdes
se espalha por todo o DF e há locais assediados há anos, como o Parque
Nacional de Brasília — onde houve até projetos de lei sugerindo a
redução dos limites do parque para regularizar as invasões —, a Floresta Nacional, a bacia do São Bartolomeu por condomínios de luxo no Jardim Botânico e o Altiplano Leste, onde grileiros desmataram milhares de hectares de cerrado para parcelamentos ilegais.
Brazlândia é uma das cidades que mais sofrem com as invasões e, pela importância dessa região para a proteção do recursos hídricos
do Distrito Federal, inspira ainda mais cuidados. Há anos, dois
assentamentos de movimentos de sem-terra ocupam áreas da Caesb e da
União de extrema sensibilidade ambiental.
Recentemente, por meio de uma ação judicial
movida pela Promotoria de Defesa do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural
(Prodema), foi possível retirar um assentamento da APA do Barrocão, um
dos córregos tributários do Lago do Descoberto, este responsável por
mais de 60% da água que abastece a capital brasileira. Apesar disso,
outras áreas que não deveriam ser habitadas estão sendo ocupadas
irregularmente.
Em frente ao posto da Polícia Militar do DF, no Km 13 da BR-080,
invasores retirados de áreas da Vendinha, pertencente ao município
goiano de Padre Bernardo, se transferiram para a margem da rodovia, que
pertence ao Distrito Federal. São cerca de 200 estruturas bem simples,
feitas em tapume e lona, instaladas no terreno, da Terracap. “Deu
problema lá (em Goiás), então chegamos um pouco para frente”, resumiu a
ocupante de um casebre, que divide com dois filhos e o marido. Apenas
este ano, o endereço, vizinho à zonas de matas e sob o qual há corpos
hídricos, foi alvo de três operações do Comitê de Combate ao Uso
Irregular do Solo, que deve retornar ao ponto na próxima semana.
Para saber mais
Redutos protegidos
A zona-tampão ou de amortecimento, para a Unesco, fica em um raio de
até 3 km de áreas de proteção ambiental integral e deve admitir
atividades humanas que não acarretem em danos ao redutos protegidos. O
Park Way, a Vargem Bonita, o Lago Sul e a Candangolândia têm o objetivo
do disciplinamento da ocupação de áreas que contornam a zona de vida
silvestre da Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie)
Capetinga-Taquara, a Reserva Ecológica do IBGE e a do Jardim Botânico de
Brasília. O respeito às exigências de ocupação garante que atividades
nessas áreas não venham a ameaçar ou comprometer a preservação dos
ecossistemas, da fauna, da flora e dos demais recursos naturais da zona
de vida silvestre.
Fonte: Por ARIADNE SAKKIS e BRENO FORTES, Correio Braziliense - 03/08/2014 - - 10:21:27
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