quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Sistema Cantareira pode secar por completo em 2015

Pedro Luiz Côrtes


À medida que o nível do Sistema Cantareira vai diminuindo, as pessoas perguntam sobre a possibilidade de ele efetivamente chegar a zero, sem volume morto que possa servir de alternativa. A resposta direta é sim, ele pode secar.


Essa situação poderá acontecer ainda em 2015, pois a quantidade de água que sai (consumo e evaporação) é maior do que a entregue pelas chuvas. Tem sido assim nos últimos meses. Para que isso não ocorra, precisamos de chuvas acima da média, algo que não se vislumbra para o próximo verão.


Mas, independente de ele secar, como será o nosso futuro? Isso se explica pelo fato de, aos poucos, atingirmos níveis cada vez menores nesse sistema, com impactos para a sua recuperação. Quanto mais avançamos em direção à base, mais longo será o caminho de volta.


Há algumas possibilidades que podem ser consideradas. A primeira delas avalia se poderíamos ter uma rápida recomposição do sistema. Isso aconteceu em 1987, quando um longo El Niño (setembro de 1986 a janeiro de 1988) providenciou chuvas acima da média e durante períodos mais longos.


Mesmo que isso se verificasse a partir de agora, ao final do evento estaríamos em um nível similar ao de maio de 2013, o que não representa um grande alento. Mas essa é uma ocorrência de baixa probabilidade, pois um El Niño tão longo foi verificado apenas uma vez nos últimos 64 anos (a partir de dados do Instituto Astronômico e Geofísico da USP e da administração nacional de oceanos e atmosfera do governo americano).

Entramos no 'cheque especial da água' e vamos levar um bom tempo até que consigamos sair dele Pedro Luiz Côrtes, professor, sobre situação do Sistema Cantareira nos próximos anos
O grande problema é que, devido ao fato de o nível d"água estar muito baixo, chuvas normais não permitirão que o Sistema Cantareira atinja rapidamente uma situação de segurança. Mesmo considerando uma recarga normal, da ordem de 20% do volume total do Sistema, isso apenas nos levaria a um nível similar ao verificado em dezembro de 2013, o que é pouco.


Em resumo: nós entramos no "cheque especial da água" e vamos levar um bom tempo até que consigamos sair dele, principalmente porque continuamos a utilizar a água das represas que compõem o Sistema. Modelos matemáticos apontam para um prazo ao redor de cinco anos para recuperação, podendo até mesmo ser maior.


Isso vai depender de como o clima vai se comportar nos próximos anos. Um prazo menor, embora factível, é improvável diante do nível atual e do histórico de recarga do Sistema.


Há outros fatos que merecem a nossa atenção. O sistema de abastecimento de água da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) vem trabalhando muito próximo ao seu limite operacional nos últimos dez anos. Isso o torna mais vulnerável a eventos climáticos como elevação da temperatura (com aumento de consumo) ou secas mais prolongadas.


Essa situação mostra que a recomposição das represas que abastecem a RMSP vai apenas nos levar de volta a um cenário que não afasta a possibilidade de novas crises. É fundamental rediscutir a questão da água, dentro de uma perspectiva de governança de uma região que busque o protagonismo de soluções inteligentes e sustentáveis.


As obras propostas pelo governo do Estado terão o mérito de apenas mitigar parcialmente esse problema, sem resolvê-lo de uma maneira mais permanente. E elas serão concluídas dentro de três ou quatro anos. O que fazer então?


É necessário que o Estado mostre os cenários com os quais está trabalhando e as medidas propostas para cada um deles. Isso é fundamental para uma administração estratégica do abastecimento de água da região metropolitana e para conscientizar a população.


Negar que o Sistema Cantareira pode atingir o nível zero (sem água disponível para captação) é incentivar as pessoas a não pouparem o suficiente. É preciso difundir o uso adequado de fontes alternativas desse recurso, como a água de reúso, captação de água da chuva, práticas de redução de consumo e uso de água subterrânea.


Há soluções disponíveis e a boa notícia é que, usando racionalmente, não precisaremos abrir mão da nossa qualidade de vida. A alternativa é a escassez, isso sim um problema que afetará todos e repercutirá na nossa qualidade de vida e na manutenção das atividades econômicas da região.

 
 
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