segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

El País: grito de impeachment volta a assombrar a política brasileira.


Manifestação contra Collor, em 1992: ele caiu por muito menos.
O tema é matéria de "capa" da edição brasileira do jornal espanhol. Como é assinada por repórter brasileiro, está cheia de luvas de pelica, dando voz a um desconhecido "cientista político", que tenta amaciar  a gravidade da situação. Mas o El País pelo menos reconhece o fato: o grito de impedimento de Dilma Rousseff está nas ruas - e ali estará por muito tempo, reforçado pela crise econômica. Fundamento jurídico para o impeachment não falta. Agora só falta a decisão política:


O primeiro presidente eleito pela população brasileira após 20 anos de ditadura militar não terminou o próprio Governo. Foi em 1992, com o processo de impedimento do hoje senador Fernando Collor de Melo, que o brasileiro se familiarizou com o dispositivo do impeachment, que, 23 anos depois, volta a assombrar a política brasileira em meio ao maior escândalo de corrupção da história do país, à expectativa de recessão econômica e à ameaça de racionamento de água e de energia. E isso não é exclusividade de Dilma Rousseff. Desde a queda de Collor, os brasileiros se acostumaram a clamar pela retirada antecipada de cada presidente eleito.

ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se acostumou aos gritos de "Fora FHC" durante o segundo mandato (1999-2002), quando o país entrou em crise em meio à desvalorização do real, levando a protestos como a "Marcha dos 100 mil", que cobrava sua saída. Seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, também esteve ameaçado de cair no fim do primeiro mandato, peloescândalo do mensalão, e, segundo o que registra a crônica política, isso só não ocorreu porque seus opositores apostaram equivocadamente que o desgaste do caso dispensava o impeachment, pois seria o bastante para impedir a reeleição de Lula.
A insistência, eleição após eleição, de gritar "impeachment" tem a ver com a boa lembrança que o brasileiro tem do processo que levou à renúncia de Fernando Collor em 1992, arrisca o cientista político Leonardo Barreto, doutor pela Universidade de Brasília. A queda do presidente criou as condições para a implementação do Plano Real, que estabilizou a economia brasileira após anos de turbulência. A renúncia de Collor também deixou a impressão de protagonismo da população, que, já enervada pelo confisco das poupanças (entre outras medidas de ajuste) para frear a inflação, foi às ruas para protestar contra um presidente envolto em suspeitas de corrupção desde sua campanha.

"Fora Dilma"

Não é de se espantar, portanto, que, em meio ao novo clamor deimpeachment, surjam boatos de confisco da poupança dos correntistas da Caixa Econômica Federal, desmentidos nesta sexta-feira pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. "Tais informações são totalmente desprovidas de fundamento, não se conformando com a política econômica de transparência e a valorização do aumento da taxa de poupança de nossa sociedade, promovida pelo governo, através do Ministério da Fazenda", informou o Ministério da Fazenda em nota.
A gritaria contra a presidenta Dilma Rousseff soa isolada em ruas e redes sociais desde o dia de sua reeleição, em 26 de outubro do ano passado, mas entrou na pauta política do país com o surgimento das primeiras ramificações políticas da Operação Lava Jato, principalmente depois da denúncia de que o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, teria recebido 200 milhões de dólares em propina por meio de contratos da Petrobras. Foi nesse contexto que o jurista Ives Gandra Martins redigiu um parecer para dizer que já existe base jurídica para um pedido de impedimento da presidenta.
O parecer de Gandra, que aponta a “improbidade por culpa” da presidenta no caso Petrobras, não repercutiu apenas por causa da reputação de seu autor. O jurista elaborou sua avaliação sobre o caso a pedido de José de Oliveira Costa, que vem a ser membro do conselho do Instituto do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a quem atende em causas judiciais. Confrontado com o caso, FHC apressou-se em dizer, em seu perfil no Facebook, que “não há ameaças golpistas, a não ser na imaginação de partidários do governo que sentindo o descalabro procuram justificativas jogando a responsabilidade em ombros alheios”.
Os opositores do Governo resistem em defender abertamente o impeachment neste momento, mas, apostando no desgaste da gestão Dilma, não deixam o assunto sair do foco, e alguns deles, como o senador Ronaldo Caiado (DEM), ensaiam ir à passeata contra a presidenta marcada para 15 de março. O movimento, que conta com adesões em 15 Estados, ganhou força depois que pesquisa Datafolha mostrou uma brusca queda de popularidade da presidenta Dilma Rousseff. Nesta semana, após a divulgação da pesquisa, a consultoria política Arko Advice elevou de 15% para 30% a probabilidade de um pedido de impeachment prosperar — para o Eurasia Group, “a possibilidade de impeachment segue baixa (20%), mas se tornou um risco real a se monitorar”.
Pressão
Segundo o líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima, “a palavra impeachment está escrita na nossa Constituição e, portanto, por ser um tema constitucional, não tem de causar arrepio em ninguém”. O senador tucano acrescentou, em plenário, que “se chegar o instante em que a Constituição tenha de ser cumprida, ela será cumprida”. Eleito por um partido da base do Governo, o senador Cristovam Buarque (PDT) engrossou o coro: “A palavraimpeachment não deve causar arrepio porque está na Constituição. O que causa arrepio é estar na boca do povo.”
Do outro lado, governistas como o senador Lindbergh Farias (PT), que liderou os protestos dos caras-pintadas durante o processo de impeachment de Collor, reagem contra o que chamam de “golpismo”. “Não temos problema de falar emimpeachment, a não ser quando serve para patrocinar um golpe”, disse em plenário a senadora Gleisi Hoffmann, admitindo, contudo, que o Governo precisa melhorar a comunicação sobre seus feitos para afastar o clamor ainda localizado de derrubada da presidenta. E o antídoto para os riscos que um processo político contra Dilma pode de fato estar numa “batalha de comunicação”, convocada pela própria presidenta na primeira reunião ministerial de seu segundo mandato — e que deve levá-la à televisão após o carnaval para defender seu Governo.
O clamor pelo impeachment de Dilma tem elementos parecidos ao processo que levou à renúncia de Collor em 1992, como a quebra de confiança sobre a capacidade do Governo de sanear os problemas econômicos do país e uma tensão entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional, simbolizada pela eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara. “Mas Dilma tem uma coisa que Collor não tinha: apoio popular”, comenta o cientista político Leonardo Barreto.
Barreto lembra que o consenso social pela queda de Collor contribuiu para que a maioria do então presidente da República no Congresso se virasse contra ele e aceitasse o pedido de impeachment. “Agora, Dilma, que acabou de ser reeleita com 54 milhões de votos, tem o apoio de alguns grupos sociais. O que leva a questionar se os líderes do Congresso topariam dar início a um processo como esse, muito desgastante, que poderia levar as pessoas de volta aos gramados da Esplanada dos Ministérios para protestar”, diz o cientista político, lembrando dos protestos de junho de 2013.
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, por quem o pedido de impeachment terá de passar se ocorrer até 2016, tem dito que "não há espaço" para discutir o assunto. "Não concordo com esse tipo de discussão e não terá o meu apoiamento", disse o deputado que, eleito a partir de uma plataforma de independência, vem impondo sucessivas derrotas ao Governo no Congresso Nacional.
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