quarta-feira, 20 de maio de 2015

Salário perder para inflação leva à queda do consumo


Pedro Coutto


Excelente e oportuna a reportagem de Clarice Spitz e Marcelo Correa, edição de ontem de O Globo, destacando o fenômeno crítico que está ocorrendo no país com os reajustes salariais perdendo para os índices inflacionários nos diversos espaços de tempo que separam entre si os 12 meses de 2014 e o período equivalente agora, em 2015. Acentuo este aspecto porque existem acordos firmados em janeiro, fevereiro, março, abril e também maio, mês no qual estamos entrando em quase três semanas. Clarice Spitz e3 Marcelo Correa realizaram um levantamento estatístico com base em dados do Ministério do Trabalho.


Tal processo é péssimo para a economia como um todo, porque na verdade reajustar salários abaixo da taxa (oficial) de inflação significa reduzir os princípios condenados pela própria Constituição Federal. Existe, porém, apenas como símbolo de justiça social, pois na prática nenhuma lei até hoje definiu concretamente como se chega a calcular o salário real de quem trabalha. Deixando de lado este lado da questão e passando a outro, verificamos que a redução salarial indireta conduz inevitavelmente à queda do mercado de consumo. Consequência tão óbvia quanto politicamente dramática, uma vez que a diminuição do consumo afeta diretamente o volume da produção, já que empresa alguma vai produzir para estocar.


Reduzida a compra, pela perda do poder aquisitivo, reduzida a produção, ingressamos no caminho da recessão. Acarreta também menor arrecadação de tributos, menos arrecadação para o INSS, retração nos depósitos nas contas do FGTS. Isso porque INSS e FGTS têm suas receitas diretamente vinculadas às folhas salariais, incluindo as contribuições de empregados e empregadores. Por tudo isso, a matéria de O Globo foi exatamente oportuna, sobretudo no momento em que o ministro Joaquim Levy persiste na defesa do ajuste fiscal.


DESAJUSTE SOCIAL
O ajuste fiscal, como defende o titular da Fazenda, só poderá na verdade agravar as tensões sociais, assegurando o prolongamento de uma crise que, no fundo, tem os salários como causa e também alvo. A crise do consumo decorre da diminuição do poder de compra dos assalariados. Sob a lente do ajuste fiscal, os salários situam-se como alvo de um projeto de obtenção de recursos financeiros, pelo governo, da velha fonte do trabalho humano. A população vê-se na obrigação compulsória de ter de arcar com as consequências da recessão. Mas como? A resposta é simples, produzindo-se recessão ainda mais intensa.


Esta, inclusive, é a previsão de Clarice Spitz e Marcelo Correa para o segundo semestre. O mês de julho, por exemplo, é a data-base para os acordos salariais de metalúrgicos e bancários. Serão acordos difíceis, já se pode prever. Pois a situação está difícil para todos, empregadores e empregados, e na mesma edição de O Globo está revelado o fato de a Mercedes Benz ter colocado 7 mil e 500 metalúrgicos em regime de férias coletivas. Num mercado que desemprega, de um lado, e dá férias compulsórias de outro, as perspectivas não podem ser favoráveis ao estabelecimento de acordos capazes de, pelo menos, empatarem com a inflação que está acumulando velocidade.


No meio desse vendaval que abala os que trabalham, tem que se considerar ainda que a espiral da inflação avança diariamente sobre os salários. Claro. Os preços são corrigidos antes sempre de sua reposição nos vencimentos mensais. Assim o efeito negativo é duplo: uma reposição que não repõe; a velocidade do aumento dos preços que não para de acelerar. O mercado de trabalho perde, de longe, a competição.

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