Daniele Bragança - 24/06/15
Há duas semanas, a Justiça Federal decidiu
suspender os efeitos da portaria 445, que proíbe a captura, o
transporte, o manejo, o armazenamento e a comercialização de 475 peixes
ameaçados de extinção no país. A decisão, de caráter preliminar, motivou
a união de diferentes entidades da sociedade civil e pesquisadores a
lançar um manifesto pela manutenção da portaria do
Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Mais de 30 instituições de pesquisa e da
sociedade civil e 83 especialistas assinam o documento, entre eles a
Sociedade Brasileira de Carcinologia (que reúne especialistas em
crustáceos), Sociedade Brasileira para o Estudo dos Elasmobrânquios
(tubarões e raias) e Sociedade Brasileira de Ictiologia (peixes ósseos).
Além do manifesto, que já foi encaminhado aos ministérios do Meio
Ambiente e da Pesca, as organizações estudam recorrer à Justiça contra a
suspensão.
Para Guilherme Dutra, diretor de Estratégia Marinha e Costeira da
Conservação Nacional (CI-Brasil),
organização que assina o manifesto, há um forte lobby do setor
pesqueiro para que a portaria caia. “A lista [de espécies aquáticas
ameaçadas] é um retrato da realidade. O que está se fazendo com essas
ações é tentar esconder a realidade da péssima gestão da pesca e do
estado da conservação do ecossistema aquático no Brasil”, explica.
Entenda a disputa
Publicada em dezembro de 2014,
a portaria 445
define a Lista Nacional de Espécies de Peixes e Invertebrados Aquáticos
Ameaçados de Extinção, e proibia a captura, o transporte e a
comercialização dessas espécies.
A
lista foi contestada pelo setor pesqueiro,
que buscou ajuda no Ministério da Pesca. Após protestos, um grupo de
trabalho foi criado para acompanhar o andamento da norma, que deveria
entrar em vigor agora em junho. O Ministério do Meio Ambiente publicou
duas portarias alterando a original. A
primeira,
publicada no dia 28 de abril, abriu exceção para peixes da categoria
Vulnerável, que poderiam ser pescados desde que a espécie contasse com
regras próprias para captura e comercialização definidos previamente
pelo Ministério da Pesca.
Já a
segunda portaria,
publicada esse mês,
foi além e adiou a proteção de 31 espécies de valor comercial
classificadas como "Criticamente em Perigo" (CR) e "Em Perigo" (EN).
Segundo a nova portaria, essas espécies poderão ser exploradas
economicamente até junho de 2016, quando entraria definitivamente em
vigor a portaria 445 e com ela, a proibição da pesca. Isso se a Justiça
não tivesse suspendido o
efeito da portaria.
O Desembargador Jirair Aram Meguerian, do Tribunal Regional da Primeira
Região, entendeu que a norma não deveria ter sido editada
unilateralmente pelo Ministério do Meio Ambiente, sem a colaboração do
Ministério da Pesca.
O manifesto dos especialistas relembra que a portaria é resultado de 5
anos de estudo e que envolveu mais de mil especialistas. Afirma que a
suspensão da norma contraria o “direito fundamental ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado”, garantido pelo artigo 225 da Constituição
Federal.
Leia na íntegra:
Manifestação Pública em razão
da decisão judicial que suspendeu os efeitos da Portaria 445/2014-MMA,
que trata da lista de espécies aquáticas ameaçadas de extinção
Atualizada em 23 de junho de 2015 – 11h30
As Organizações da Sociedade Civil e pesquisadores dedicados ao
estudo e conservação de recursos marinhos e de água doce que subscrevem
esta manifestação vêm a público para defender a manutenção dos efeitos e
a legalidade da Portaria 445/2014 do Ministério do Meio Ambiente, que
definiu a Lista Nacional Oficial de Espécies de Peixes e Invertebrados
Aquáticos Ameaçados de Extinção. Esta Lista é resultado de um trabalho
criterioso de cinco anos, envolvendo mais de 1.300 especialistas e as
melhores informações disponíveis.
Entendemos que a decisão judicial do Senhor Desembargador Federal
Jirair Aram Meguerian, do Tribunal Regional Federal da Primeira Região,
que suspendeu temporariamente os efeitos da Portaria 445/2014,
desconsiderou os princípios constitucionais e o marco legal brasileiro
sobre o meio ambiente e está fundamentada equivocadamente num suposto
conflito de competências entre o Ministério do Meio Ambiente e o
Ministério da Pesca e Aquicultura.
A elaboração de listas oficiais de espécies ameaçadas de extinção
é um instrumento legal previsto na Política Nacional da Biodiversidade,
que é coordenada pelo Ministério do Meio Ambiente. Defendemos,
portanto, que não existe conflito ou extrapolação de competências na
publicação da Portaria 445/2014.
Ressaltamos que a suspensão da lista deixa 475 espécies sem
qualquer tipo de proteção, contrariando diretamente o "direito
fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado", garantido pelo
artigo 225 da Constituição Federal. Esse direito constitucional
fundamental deve ser sempre considerado na interpretação do marco legal
brasileiro.
A diminuição das populações das espécies incluídas na lista e o
colapso das pescarias que dependem dessas espécies é, sem sombra de
dúvidas, a principal ameaça à manutenção da atividade pesqueira no país.
Essa percepção é compartilhada por diversos setores e representantes de
pescadores, que entendem que a lista de espécies ameaçadas é um
instrumento importante para a sobrevivência da atividade e sua
sustentabilidade, e que ela deve ser mantida. Por outro lado, a
suspensão da Portaria 445/2014 retira a proteção ambiental de espécies
aquáticas ameaçadas pelo impacto de outras atividades além da pesca,
como a extração de petróleo e gás, construção de hidrelétricas,
destruição de habitats (ex: manguezais) e outras.
Deste modo, apelamos ao Poder Judiciário para que reveja esta
decisão e reiteramos a necessidade de uma proteção urgente para as
espécies ameaçadas de extinção ou sobrexplotadas pela pesca excessiva,
não manejada, não monitorada e não fiscalizada.
Pelas mesmas razões, pedimos também que sejam retirados os
Projetos de Decreto Legislativo em tramitação na Câmara dos Deputados
(PDC 36/2015, de autoria do Deputado Alceu Moreira - PMDB/RS) e no
Senado Federal (PDS 183/2015, de autoria do Senador Ronaldo Caiado –
DEM/GO), que sustam a Portaria 445.
Exigimos ainda a retomada imediata do Programa Nacional de
Monitoramento Pesqueiro; a criação dos Comitês Permanentes de Gestão da
Pesca; a implementação de medidas emergenciais de manejo de pesca
visando recuperar espécies e estoques sobrexplotados e ameaçados, por
meio de limites máximos de captura de espécies-alvo, da minimização das
capturas acidentais e da proteção de habitats vulneráveis, através da
adoção de planos de recuperação e manejo de base científica; e
rejeitamos a revogação da lista de espécies ameaçadas ou o adiamento de
seus efeitos. Esse é o único caminho para manter a abundância em nossos
mares e rios, e todos os benefícios de diversas atividades econômicas
como turismo e pesca. É assim que manteremos nossa segurança alimentar,
empregos, cultura e lucro, para a sociedade atual e futuras gerações.
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