A
crise política e econômica brasileira tem sido acompanhada com
preocupação pelos países da América do Sul. O grau de inquietude muda de
acordo com a intensidade da relação de cada país da região com o
Brasil, segundo analistas ouvidos pela BBC Brasil.
Maior economia regional, o Brasil costuma ser chamado pelos vizinhos de "gigante da América do Sul" - um gigante que tanto pode influenciar sua vizinhança por sua "saúde" ou "por seus problemas".
"Parece que estamos vendo o fim do ciclo" de influência do Brasil em países como Bolívia, Argentina e Venezuela, opinou o analista político e econômico boliviano Javier Gómez, do Centro de Estudos para o Desenvolvimento Trabalhista e Agrário (CEDLA, na sigla em espanhol), em La Paz.
Na Argentina, a maior preocupação atual é com a desvalorização do real, que poderia afetar a economia do país e o comércio bilateral, de acordo com economistas.
Ao mesmo tempo, analistas argentinos estão atentos aos fatos políticos, "como o risco de impeachment" e seu possível efeito nos investimentos internacionais.
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Nos países com menor vinculo econômico e comercial com o Brasil, as preocupações são outras. No Chile, a expectativa é se a situação política chegará a comprometer a esperança de que o Brasil se aproximará da Aliança do Pacífico (Chile, Colômbia, Peru e México).
"(A presidente) Dilma enfraquecida afeta interna e externamente", disse o professor de Ciências Política Guillermo Holzmann, da Universidade de Valparaíso.
No Peru, na Colômbia e no Equador, as atenções se voltam sobretudo ao desenrolar das investigações da operação Lava Jato envolvendo as empreiteiras brasileiras com obras milionárias em seus territórios.
Confira as principais preocupações de nossos vizinhos.
Argentina
Em função dos fortes vínculos econômicos e comerciais com a Argentina, o Brasil tem sido citado nas conversas de políticos e empresários argentinos que temem que a crise política complique ainda mais o governo de Dilma Rousseff e que a desvalorização do real afete a economia vizinha.Nos últimos dias, a Lava Jato e os possíveis efeitos cambiais têm sido destaque na imprensa argentina.
"O Brasil preocupa muito. Primeiro pela recessão, porque um Brasil que retrocede afeta diretamente a Argentina", disse o economista Marcelo Elizondo, da consultoria econômica DNI, de Buenos Aires. Segundo ele, 50% das exportações industriais argentinas são enviadas ao Brasil e a retração econômica brasileira significa menos compras externas.
Além disso, a desvalorização do real torna os produtos argentinos mais caros ao mercado brasileiro.
"Em relação ao âmbito político, existe inquietude entre setores empresariais daqui porque o governo brasileiro realiza reformas econômicas que perdem vigor em função da crise política", disse.
Nos bastidores de alguns setores políticos e entre analistas comenta-se em Buenos Aires que, se a crise política brasileira continuar, pode "ter eco" na política da Argentina, que elege o sucessor de Cristina Kirchner em outubro.
"O próximo governo (argentino) não terá o poder que tem o de Cristina. E se o risco de impeachment de Dilma aumentar, poderá ter eco aqui", disse um dos analistas, pedindo anonimato. "Um Brasil fraco não é bom para a Argentina. Investidores que esperam o novo governo para investir, pensando em exportar ao Brasil a partir do ano que vem, podem acabar revendo seus planos, infelizmente."
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Bolívia
A Bolívia tem percebido três efeitos econômicos ligados ao Brasil, segundo o analista político e econômico Javier Gómez, da CEDLA: "Retração nos investimentos da Petrobras no país, desvalorização do real (o que facilita as importações de produtos brasileiros já realizadas pelo país andino) e a queda no preço do gás exportado para o Brasil, em função do recuo do preço internacional do petróleo".Porém, o que tem intrigado analistas bolivianos é a política brasileira. "Nos últimos anos, o Brasil foi um modelo (político, econômico e social) que influenciou outros países como a Bolívia, a Argentina e a Venezuela. Mas parece que estamos vendo o fim desse ciclo", disse Gómez.
Quando Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a Presidência, em 2003, foram intensificadas as viagens presidenciais aos países da América do Sul – o que não ocorreu na gestão Dilma. Nas viagens de Lula, principalmente, foram anunciados diferentes acordos bilaterais e regionais e obras de empreiteiras brasileiras na região.
O período coincidiu ainda com a maior presença da Petrobras na região, incluindo na Bolívia.
"As coisas estão mudando. A Petrobras tem o direito de produzir 70% da produção do gás do país, mas, com os investimentos da empresa estancados, o país já busca outros parceiros", agregou Gómez.
Chile
No Chile, analistas entendem que o quadro atual da política e da economia brasileira preocupa não somente a América do Sul, mas "ao mundo", afirmou por e-mail o professor de Ciências Política da Universidade de Valparaíso, Guillermo Holzmann."O impacto (no Chile) do quadro atual brasileiro parece mínimo devido ao contexto (de recuo) na China e (crise) na Grécia, mas sem dúvida é um caso de preocupação mundial", afirmou.
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Segundo ele, a principal preocupação no Chile hoje é que a situação no Brasil "afete os planos de incorporação (do país) na Aliança do Pacífico e aos investimentos ligados às exportações (brasileiras) através de portos chilenos para o Pacífico".
Outro analista chileno, Ricardo Israel, da Universidade Autônoma do Chile, foi mais direto ao dizer que o quadro atual mostra novamente o "Brasil como o eterno país do futuro".
"Quando parece que vai decolar como potência e chegar ao desenvolvimento, algo acontece. Normalmente uma ferida autoprovocada que o faz retroceder."
Peru, Equador e Colômbia
Empreiteiras brasileiras investigadas na Lava Jato têm diferentes projetos nesses três países. Os empreendimentos incluem obras de infraestrutura, irrigação e mineração, entre outros.No Peru, muitos dos acordos foram assinados nos governos de Alejandro Toledo (2001-2006) e Alan García (presidente pela última vez entre 2006 e 2011).
Os dois planejariam ser candidatos à sucessão do atual presidente Ollanta Humala, em 2016, e especula-se que, dependendo do andar das investigações da Lava Jato no Brasil, a operação poderia "atingir a campanha presidencial" e operações anticorrupção semelhantes no Peru.
Especialista em Economia, o professor da Universidade de San Marco, Carlos Aquino, disse que em termos econômicos a crise brasileira não afetaria os peruanos. Quando perguntado sobre as empreiteiras disse que "até agora são especulações".
Na Colômbia, segundo o jornal El Tiempo, o governo estaria "ativando os controles" para evitar problemas nos contratos assinados com a Odebrecht. "O vice-presidente Germán Vargas Lleras disse que o estatuto anticorrupção prevê que qualquer condenação internacional em termos de subornos inabilitará uma empresa por 20 anos para contratos com o Estado", informou.
Paraguai e Uruguai
Nos dois menores países do Mercosul, a crise brasileira também tem sido destaque diário na imprensa e tema nas conversas de autoridades locais.No entanto, no caso do Paraguai, o analista político e econômico Fernando Masi, do Centro de Análise e Difusão da Economia Paraguaia, disse que a percepção é que o Brasil vai sair "rápido" da crise por ter "poder político" e "instituições fortes". Ele admitiu, porém, que o Paraguai deverá crescer menos que o esperado neste ano, em função da recessão brasileira.
Venezuela
Por estar tão atolada em sua própria crise, a Venezuela tem olhado pouco para o que acontece no Brasil, segundo o analista venezuelano Luis Vicente León, da consultoria Datanalisis, de Caracas."São tantos problemas aqui que o Brasil tem surgido de forma muito paralela em algumas conversas, mas não é o que preocupa nesse momento", disse.
Segundo ele, além das incertezas no governo de Nicolás Maduro, existe preocupação com a queda no preço internacional do petróleo – essencial para o país.
"Lula foi muito próximo de Chávez e Dilma é muito cordial com Maduro, mas hoje Cuba tem maior influência aqui do que o Brasil", disse.
Segundo ele, porém, a oposição venezuelana poderia chegar a incluir os casos de corrupção envolvendo empreiteiras brasileiras na campanha para a eleição legislativa de dezembro.
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