O diretor da Polícia Federal, Leandro Daiello, afirma que ninguém está livre de investigação: "nós
investigamos fatos, aonde os fatos vão chegar é consequência da
investigação, doa a quem doer". Dilma e Lula estão na berlinda,
portanto. A conferir:
Discreto
e de poucas palavras, o diretor-geral da Polícia Federal, Leandro
Daiello(foto), saiu do quase anonimato e disse ao Estado que, mesmo que
as investigações cheguem perto da presidente Dilma Rousseff, do
ex-presidente Lula e de suas campanhas, isso não muda nada na Lava Jato e
ninguém estará livre de ser investigado: “Nós investigamos fatos, não
pessoas. Aonde os fatos vão chegar é consequência da investigação, doa a
quem doer”.
Gaúcho de 49 anos, no cargo desde 2011, ele usou três vezes a mesma expressão, “doa a quem doer”, para dizer que a PF é uma instituição independente, que trabalha dentro da lei e com regras consolidadas de conduta, e que isso e as investigações vão continuar com “o ministro José Eduardo Cardozo na Justiça ou não, com o Daiello na PF ou não”.
A entrevista ocorre quando o governo Dilma está sob forte pressão da Lava Jato, da PF, do Ministério Público, da Justiça Eleitoral e do Tribunal de Contas da União, com versões recorrentes sobre a saída de Cardozo – que negou essa possibilidade na sexta-feira, depois de encontro com a presidente. O delegado fez firme defesa de Cardozo: “Sua conduta tem sido totalmente republicana”.
Se o ministro deixar o cargo, a PF muda?
Se
o ministro vai ou não ficar é uma questão que afeta o Ministério da
Justiça e a Presidência, não a PF. A PF é uma instituição sólida,
seguirá sua vida com Cardozo ou sem Cardozo, com Daiello ou sem
Daiello. Nós temos uma estrutura que se consolidou nos últimos anos, uma
doutrina de polícia, de investigação, e uma cultura de polícia de
Estado e de polícia legalista.
A direção
do PT convocou o ministro para cobrar a atuação da PF, e o
ex-presidente Lula diz nos bastidores que o ministro “não controla” a
PF. Não controla mesmo?
A
PF é controlada pela lei. Nós cumprimos a lei e ninguém vai aceitar
ingerência política aqui. Pressionar o ministro da Justiça para
influenciar, evitar, coibir qualquer ação da PF não é uma possibilidade.
Pensar nesse sentido é premeditar o cometimento de um crime.
O ministro da Justiça não é seu chefe?
O
ministro da Justiça é o responsável pela PF, mas na esfera
administrativa. As ações da PF na esfera de investigação são feitas no
limite da lei.
Então, o que tanto o senhor conversa com o ministro da Justiça? O senhor vive no ministério...
Assuntos correlatos à PF, fronteira, tráfico de drogas, equipamentos novos...
E investigação do PT, das campanhas da presidente?
O
ministro tem conhecimento de uma investigação no dia em que a operação é
desencadeada, logo após as buscas e prisões. O diretor-geral, nesse
momento, informa ao ministro o que esta acontecendo, mas só nesse
momento.
E se um ministro da Justiça pedisse para o diretor da PF “maneirar” nessas investigações de empreiteiro, de Lula, de Dilma, de petistas?
O
diretor-geral da PF tem como prioridade o cumprimento da lei. Ele vai
cumprir a lei e fazer as investigações que a lei determina e dentro do
limite que a lei determina.
Isso já aconteceu?
Não. O ministro tem uma conduta totalmente republicana e é extremamente legalista, como o diretor-geral da PF também é.
Algum político procurou o senhor para mandar esse recado?
Não há espaço para isso. A história da PF e as ações da PF já deixam claro uma postura republicana e uma polícia de Estado.
O PT reclama que tudo é doação de campanha e que a oposição também recebe. Dilma citou o tucano Aécio Neves. Por que a PF só atinge praticamente o PT?
A
PF não investiga pessoas, mas fatos. Se existem indícios de que um
fato pode ser crime, a PF vai investigar dentro de suas atribuições,
que são o desvio de recursos da União, contrabando e tráfico de drogas.
Do outro lado, tucanos reclamam que toda investigação contra petistas e aliados ao governo tem sempre um único tucano, para constar que vocês são isentos.
Vale
o mesmo princípio. A PF preza por esclarecer os fatos, trazer a
verdade ao processo. É essa a nossa missão, doa a quem doer. A PF só
instaura procedimento investigatório se tem indício de existência de
crime e, quando o personagem tem foro privilegiado, ou seja, mandato, a
PF precisa de autorização do STF ou do STJ.
Se não há pressão política, há pressão do poder econômico, principalmente com o ineditismo de empreiteiros na cadeia?
A
PF, por sua doutrina, é imune a qualquer tipo de pressão. Não nos
interessa quem está sendo investigado, mas fazer uma investigação
competente, com provas robustas.
Um agente da PF disse à CPI da Petrobrás que implantou duas escutas, na cela do Alberto Youssef e no fumódromo, a mando de delegados da Lava Jato.
Toda
e qualquer conduta duvidosa é apurada de imediato pela Corregedoria.
Estamos apurando se o fato existiu e se foi ilícito administrativo ou
penal.
Uma escuta ilegal poderia anular a Lava Jato?
Não
vislumbro nada nesse suposto fato que possa levar à nulidade da Lava
Jato. A operação é muito bem construída, com robustez das provas, que
segue seu trajeto dentro do padrão das operações da PF.
Até onde vai a Lava Jato?
Vai
até exaurir. Enquanto encontrar fatos com indícios de serem
criminosos, a PF continuará investigando. A Lava Jato começou com a
investigação de quatro doleiros, se estendeu para seus clientes, novos
inquéritos foram abertos e virou o que virou. E vamos continuar.
Mesmo que isso chegue perto de Dilma, do ex-presidente Lula e de campanhas de ambos?
Nós investigamos fatos, aonde os fatos vão chegar é consequência da investigação, doa a quem doer.
Se essa investigação chegar aos seus chefes e mexer com a institucionalidade do País, como o senhor lida com isso? Na parede da sua sala tem uma foto oficial da presidente da República.
Quando
começa uma investigação você não sabe as pessoas que vão surgir. É
preciso ter clareza de que não é dado o direito ao policial de não
cumprir o que a lei determina. Não se trata de uma questão de escolha.
As brigas com o MPF atrapalham as investigações?
As
divergências entre PF e MPF são antigas, admito que continuam
existindo, mas temos obrigação com a sociedade brasileira de trabalhar
em conjunto e assim é feito.
A PF tem uma grampolândia?
Os
equipamentos podem ser auditados para saber quem usou, quando usou, no
que usou. A PF não é uma grampolândia. Não chega a 1% o número de
investigações com monitoramento telefônico. Na Acrônimo (que investiga o
governador de Minas, Fernando Pimentel) não teve, por exemplo.
O governador disse que fará uma representação contra o vazamento de informações contra ele.
Qualquer
representação será apurada com rigor pela Corregedoria, mas é preciso
ter presente que as operações têm em média um ano na PF e não há
vazamentos nesse período. Só que, quando cumpro prisão e busca, todas
as pessoas alvos têm acesso aos dados e, aí, não tenho mais como
controlar. No caso do governador Pimentel, o juiz determinou a entrega
da sentença e, quando fui na busca, tive de entregar a sentença. Vou a
15, 16 lugares, e entrego a decisão. A partir dali, já não posso
garantir nada. Antes disso, alguém sabia da operação?
O que é fundamental no combate ao crime organizado?
O
foco é descapitalizar as organizações criminosas, porque, sem
dinheiro, elas se enfraquecem e, asfixiadas, também não têm como
corromper servidores e entes públicos. Por isso, várias operações que
cresceram tanto começaram com a investigação de doleiros. É aí que está o
dinheiro.
Há muitas críticas à prisão preventiva do Marcelo Odebrecht. Por que não temporária ou condução coercitiva?
Pedido de prisão não é unilateral, passa pelo parecer do MPF e pela decisão do juiz. Mas não falo de caso concreto.
A presidente disse em Nova York que não respeita delator. O que acha?
A
PF usa todos os meios de produção de prova previstos em lei, nem mais
nem menos. Quanto à delação premiada, é um instrumento que tem ajudado
muito nas investigações.
O diretor-geral pode telefonar para um superintendente regional que ele nomeou e pedir para aliviar numa investigação?
Ele cai na hora, porque a instituição não aceita. E, se eu fizer uma coisa errada, qualquer policial pode me prender.
Houve tentativas de cooptação de jovens pela internet para atentados durante as Olimpíadas?
A
PF tem uma unidade de prevenção ao terrorismo que cresce no mesmo
padrão das outras polícias, mas a PF não fala de situações em
andamento, que existiram ou não.
O Congresso tenta votar uma lei antiterror para o País. Aprova?
Acho importante para estarmos em sintonia com os demais países, para nos adequarmos a uma situação da atualidade. (Estadão).
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