Alvo
de frequentes críticas por abusos e violência, a Polícia Militar do
Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) decidiu investir nas redes sociais em
busca de uma forma de se aproximar da população, de melhorar sua imagem e
criar novos canais para denúncias.
O esforço inclui páginas no Facebook, contas no Instagram e números de Whatsapp para os batalhões.Há ainda um manual com dicas e normas sobre o conteúdo postado tanto nas fanpages institucionais quanto nos perfis pessoais dos policiais, segundo apuração exclusiva da BBC Brasil (leia abaixo).
"Até agora, as redes sociais eram vistas mais como uma ameaça do que como uma oportunidade. Essa era a visão do governo e do comando da segurança pública", diz o coronel Frederico Caldas, coordenador de Comunicação Social da corporação.
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"Mas é um caminho inevitável, e no nosso planejamento atual daremos ênfase às redes e ao Whatsapp, um extraordinário canal de diálogo direto com a população".
A busca por diálogo nas redes ocorre em meio a casos como o do entregador Rafael Camilo Neris, morto durante operação policial no Morro da Coroa, no Rio, na semana passada, aos 23 anos.
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Iniciado há menos de três meses com a criação da página oficial da PMERJ no Facebook, o movimento rumo às mídias sociais começou a se espalhar pelos 39 batalhões de todo o Estado, 38 UPPs da capital e demais unidades (que juntas somam mais de cem).
Ele já surte efeito, com prisões e operações especiais realizadas a partir de denúncias feitas pelas redes ou pelo Whatsapp, além da alteração da rotina policial em alguns locais.
Para a cúpula da PM fluminense, o desafio é expandir as novas tecnologias para todas as unidades (das mais de 100, cerca de 40 já mantêm perfis na rede) e padronizar o que é veiculado nesses canais.
A expectativa é de que além da modernização das rotinas, haja um impacto na proximidade com a sociedade. Mas, para especialistas, apesar de ser visto como uma boa iniciativa, isso depende muito mais de uma mudança concreta no modus operandi das tropas nas ruas do que de esforços de comunicação.
Whatsapp na Serra
Em Teresópolis, no topo da serra fluminense, o carro-chefe das novidades tecnológicas tem sido o Whatsapp. O número do 30º Batalhão no aplicativo circula no vidro traseiro de 115 ônibus, e é veiculado por 15 segundos antes dos trailers nos cinemas da cidade, além de ser divulgado pelas redes sociais da polícia e pela imprensa local.
"É uma capacidade de reação imediata", diz o industrial Hélio Neves, morador da cidade e presidente do Conselho Comunitário de Segurança.
Ele conta ter presenciado um assalto e alertado os policiais pelo aplicativo de mensagens. "Em menos de meia hora tive um retorno do comandante, e o suspeito tinha sido preso. Sei de lojistas que alertaram o batalhão ao verem algo em suas câmeras, e acredito que essa rapidez na comunicação esteja tendo um impacto sobre o número de assaltos", avalia.
Neves diz que os retornos do comando da polícia no aplicativo sobre as denúncias também "aumentam a sensação de segurança".
Para o tenente-coronel Cleber Maia, comandante do 30º BPM, de Teresópolis, as mudanças trouxeram melhorias. Aos 47 anos e há 27 na polícia, ele é um dos defensores da expansão das redes e aplicativos para todo o Estado.
"Com alertas pelo Whatsapp, de moradores que viram movimentações estranhas, já prendemos quatro pessoas armadas, que portavam grandes quantidades de drogas e um carro roubado, e detivemos sete pessoas com R$ 17.200 ligados à contravenção. Em menos de três meses nosso Whatsapp já recebeu 200 denúncias", conta.
Novas rotinas
Para a fisioterapeuta Bel Costa, de 40 anos, a tecnologia tem ajudado a melhorar a segurança no bairro de Laranjeiras, na Zona Sul do Rio de Janeiro.Na metade de abril ela criou o grupo "Relatos de assaltos e violência em Laranjeiras, Flamengo e proximidades" no Facebook, que hoje já conta com 14 mil membros e deu origem a outras páginas semelhantes.
"Temos policiais no grupo que se identificam, e outros preferem participar sem dizer que são da PM. O que é postado ali ajuda no trabalho da polícia. Havia um russo que assaltava há alguns meses aqui no bairro, de bicicleta e com um revólver. Uma série de posts sobre onde ele atuava, que moto-táxi pegava, onde tinha sido visto, levou à sua prisão", relembra, acrescentando que também faz denúncias no Whatsapp do batalhão local.
Integrante dos grupos que se proliferaram na região de seu batalhão, o 2º, de Botafogo, o tenente-coronel Marcio Oliveira Rocha, de 48 anos, indica que as redes sociais já alteraram de forma concreta as rotinas do trabalho policial.
"Ali eu posso interagir com 15 mil pessoas de forma instantânea. Se surge uma denúncia nesses grupos, no nosso perfil no Facebook ou no nosso Whatsapp, posso despachar uma viatura de forma urgente ou usar a informação posteriormente, enviando uma equipe à paisana para checar, por exemplo", diz.
"Outra coisa é que os dados coletados pelas redes nos servem para pensar e repensar nossas estratégias. Onde reforçar o policiamento, horários, maior ocorrência de crimes, dentre outras coisas", complementa.
"Mundo cão"
Se no noticiário as manchetes com mortes de civis, abusos de autoridade ou excessos de violência desafiam a estratégia da Comunicação Social da polícia, nas redes sociais páginas repletas de fotos de cadáveres, gente ensanguentada e a glorificação da violência também preocupam.No Facebook, por exemplo, há uma série de perfis que levam os nomes de unidades especiais (como o Bope, Batalhão de Choque, ou até a "PMERJ News") e de batalhões de bairros que incitam a violência. Alguns, como o "Sangue de Polícia", têm mais de 17 mil seguidores.
Suspeita-se que alguns sejam de autoria de cidadãos comuns, e outros sejam mantidos por policiais.
"Já conseguimos tirar do ar, após um trâmite com o Facebook, uma página que se intitulava como da PMERJ, e outra do Bope, com conteúdo deste tipo. Juntas, elas tinham quase 300 mil seguidores. Se ficar provado que um policial da ativa mantém páginas assim, poderá sim sofrer sanções de acordo com o manual de conduta que estamos lançando", diz Caldas, chefe da comunicação da PMERJ.
Segundo ele, "perfis falsos com grande repercussão serão encaminhados ao Facebook para que se providencie a retirada do ar", diz.
'Modus operandi'
Para João Trajano Sento-Sé, doutor em Ciência Política e Sociologia e pesquisador do Laboratório de Análise de Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), o uso das novas tecnologias para o contato entre a polícia e a população é "louvável, e bem-vindo".Mas para que a imagem da instituição melhore junto à sociedade, algo que já consta das prioridades da PMERJ desde a década de 1990, segundo o especialista, é preciso fazer mais do que um esforço de Comunicação Social.
"É necessário investir e ter como prioridades as duas frentes que geram a péssima imagem da polícia no Rio de Janeiro: uso abusivo da violência e alto índice de corrupção. Não podemos ter boas iniciativas de melhoria de imagem totalmente distanciados do modus operandi da polícia nas ruas na maior parte do tempo. As duas coisas precisam andar juntas", avalia, relembrando casos recentes em que policiais são suspeitos de mortes de civis durante operações ou patrulhas no Rio.
CONHEÇA AS REGRAS DO MANUAL DA PMERJ PARA AS REDES SOCIAIS
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