08/09/2015
às 16:32Fábio Júnior, Chico Buarque, Fernanda Montenegro e o ódio ao povo brasileiro de fato!
Vejam esta foto. É um flagrante do Brazilian Day.
A fala do
ator, cantor e compositor Fábio Júnior, no Brazilian Day, no domingo, em
Nova York, merece um tratamento que vai além do jocoso, como se tenta
aqui e ali, à esquerda e à direita. É coisa mais séria, que guarda mais
intimidade com os males do Brasil do que parece.
As elites
intelectuais, ou as pessoas que em tanto se arvoram, odeiam o povo que
há. Para elas, sempre será o vulgo, a brutalidade, a estupidez, a
tolice. Na cabeça desses vigaristas — e insisto: pouco importa se
direitistas ou esquerdistas; eles só são diferentes, no particular, na
forma de silenciar a plebe rude —, a função da patuleia é carregar
pedras para os monumentos. Os dois grupos teriam dado, se existissem
então, um pé no traseiro de Shakespeare e suas banalidades humanas…
A forma
contemporânea que as elites intelectuais de esquerdas têm de isolar o
povo é tomar a estética como uma ética. O produto mais elaborado
tecnicamente carregaria consigo necessariamente uma utopia, digamos,
superior. O terreno da fruição, que é o da arte, passa a ser tomado como
o das dissensões e disputas sociais. Os artistas considerados mais
elaborados pela crítica serão necessariamente tomados como portadores
das melhores respostas coletivas.
Fiquemos
no caso em questão. Fábio Junior é um artista popular. Já foi
considerado, em programas de humor da TV, o preferido das domésticas — e
havia naquilo certo riso de escárnio. Suas letras não costumam dialogar
com uma certa tradição literária — não mais do que isso — buscada por
Chico Buarque. O “eu lírico” das letras tem menos matizes, é mais
direito, exibe menos relevos existenciais. Em suma: na música, Fábio
Júnior não é Chico Buarque.
Cito Chico
Buarque como o exemplo de uma espécie de coronelismo moral que toma
conta das artes no Brasil. Alguns luminares são dotados de uma espécie
de monopólio das boas intenções, pouco importa a porcaria que digam, em
razão de suas escolhas políticas. Há três dias, tentando explicar o
desastre da novela “Babilônia” — que só naufragou porque era ruim —
Fernanda Montenegro preferiu criticar o suposto conservadorismo do
Brasil e produziu as seguintes pérolas:
“Babilônia, de Gilberto Braga, tem uma importância histórica muito grande. O beijo gay do qual tanto se falou não foi um beijo lambido, chupado, uma comendo a boca da outra. Foi a expressão de carinho de duas mulheres de 80 anos que há 40 estão juntas. Mulheres que representam uma elite. Não são ripongas. São bem-sucedidas e responsáveis. Habitam bem, comem bem. Um beijo carinhoso causou todo esse escândalo? Para mim, foi uma manta protetora, para distrair a atenção.
Porque a novela foi histórica por outra coisa. Pela afirmação
da negritude. Negros, mulatos, pardos, todos se afirmaram pela atitude.
Ninguém era subserviente. Ninguém de uniforme, servil. O único de
uniforme foi o motorista negro, amante da patroa, e assassinado no
começo. Glorinha (Pires) ficou louca de desejo por um homem de outro
extrato social. Essa foi a verdadeira revolução da novela. Nunca tantos
negros se casaram com brancos, nunca houve tanta miscigenação.
A negra
que se forma advogada, o que tem sua barraquinha. Isso foi o que
incomodou. O resto foi pretexto.”
Há aí uma
tal soma de bobagens, de generalizações cretinas, de preconceitos
enrustidos, que fica difícil saber por onde começar. Em primeiro lugar,
hoje, o maior contingente de cor de pele do Brasil é a parda — portanto,
os mestiços, os miscigenados. Antes de Gilberto Braga, o país misturou
os brasileiros.
Sobra a sugestão de que as duas lésbicas deveriam ter sido aceitas porque, afinal, exibem os padrões da Zona Sul.
A
observação, por sua vez, entra em choque com a bobagem racialista,
jamais evocada pelos críticos da novela — e notem que foi o povo que se
divorciou dela, justamente aquele formado por uma maioria de mestiços.
Finalmente, noto que a atriz atribui certa, como posso chamar?,
superioridade viril ao negro uniformizado que pega a patroa branca. Bem,
nesse caso, já deixamos o terreno da sociologia para entrar no do
fetiche.
Os esquerdistas e progressistas no geral
podem ser os donos da pauta da imprensa, podem ser os donos dos meios
influentes de divulgação de ideias, podem ser os donos “da arte”, mas
não são os donos do povo. Independentemente do que digam ou divulguem,
há uma realidade viva em construção, que consegue, de vez em quando,
furar o muro da vergonha das placas de aço.
Ninguém
precisa trocar os versos de Chico Buarque pelos de Fábio Júnior. Ninguém
precisa trocar o preferido das patroas — sobretudo das que se banham no
mar do Leblon — pelo preferido das domésticas. Nem Chico produz uma
ética nem Fábio Júnior. São apenas dois compositores e cantores. Um
saudado pelo crítica — às vezes, por maus motivos; outro, atacado — às
vezes, também por maus motivos.
Chico
Buarque, Caetano Veloso ou quantos outros vocês queiram incluir aí,
inseridos à esquerda no debate cultural, não deveriam, por pudor, jamais
misturar o prestígio que angariaram no terreno da estética para tentar
nos vender uma ética — especialmente quando, no caso de Chico, ela se
confunde com o apoio descarado a uma elite corrupta e truculenta que
hoje toma conta do Estado brasileiro. Caetano é um pouco mais matizado,
mas se deixou fantasiar de black bloc num momento em que o país, sem
querer parecer meramente retórica, tem é de tirar a máscara.
Fábio
Júnior nunca ganhou um tostão com proselitismo político. Considerando o
trabalho que faz, é possível que mais tenha dissabores do que ganhos com
o discurso que fez no Brazilian Day. Não confundiu a sua opinião —
muito sensata: ele atacou a roubalheira, certo? Não tentou justifica-la,
como Chico Buarque — com os seus versos; não procurou o apoio
irrestrito que lhe conferem os meios de comunicação para tentar vender
uma tese política.
O Brasil,
meus caros, mesmo quando se manifesta lá em Nova York, está mudando. Há
uma gente nova na rua, para desespero dos que se queriam donos da
opinião.
Vejam lá o
cartaz que reproduz uma frase deste escriba. Os petistas adorariam que
fosse exibido por um louro, de olhos azuis. Assim, eles, que se
consideram donos dos negros, poderiam fazer seu proselitismo vigarista,
me associando a uma elite branca que estaria contra o povo.
Mas não!
Quem porta o cartaz é um negro. O negro em nome dos quais procuram falar
Fernanda Montenegro e Chico Buarque. Para o delírio dos brancos de
esquerda da Zona Sul.
Esse país, felizmente, está chegando ao fim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário