Na tentativa de evitar o impeachment, Dilma vende tudo. Artigo de Rolf Kuntz no Estadão:
Num aperto danado, com 985 mil empregos formais fechados em um ano, a
presidente Dilma Rousseff resolveu vender o Ministério da Saúde ao
PMDB, em troca de proteção contra o impeachment e de apoio a medidas de
ajuste. A oferta, quase no estilo “família vende tudo”, envolve um
pacote ministerial. Mas a decisão de trocar o companheiro Arthur Chioro
por um peemedebista qualquer tem significado particular.
Durante anos, o governo tentou impingir ao público a imagem de grande
preocupação com a saúde. Também tentou propagar o mito de realizações
importantes no setor. Além disso, desde a extinção do imposto do cheque,
a CPMF, em 2007, petistas do alto e do baixo clero lamentaram, num
choro incessante, a perda de um tributo apontado como essencial para a
saúde. Agora, de repente, o ministério, até há pouco tratado como joia
da coroa, torna-se tão vendável quanto um sofá usado. Além disso, os R$
32 bilhões esperados da nova Contribuição Provisória sobre Movimentação
Financeira deverão reforçar – quem diria? – as finanças da Previdência.
Foi essa a finalidade apontada pelos ministros econômicos quando
propuseram a recriação do mais aberrante dos tributos brasileiros.
Nenhum cidadão razoavelmente informado e com pelo menos dois
neurônios em operação levou a sério, em qualquer momento, a propaganda
oficial sobre a política de saúde – ou, a propósito, sobre a política
educacional do PT. Da mesma forma, só os muito desinformados e muito
desprevenidos acreditaram no vínculo entre a CPMF e os programas de
saúde. O imposto do cheque sempre serviu, de fato, para engordar a
receita geral do Tesouro e para sustentar, especialmente no período
petista, a gastança do governo federal.
Se educação e saúde fossem mesmo prioritárias, para os governos e
para seus aliados, a aplicação de recursos nos dois setores nunca
dependeria de verbas vinculadas nem de tributos carimbados. Vinculação
fiscal – exceto, talvez, por períodos limitados e em casos muito
especiais – distorce o uso de recursos, torna a administração menos
eficiente e menos criativa, dispensa a competência e abre espaço para a
corrupção. Quando é obrigatório gastar certo volume de dinheiro, a
tendência a gastar mal torna-se muito forte. Tudo isso é confirmado pela
experiência brasileira. Além disso, a repentina mudança da finalidade
oficial da CPMF elimina qualquer dúvida sobre o interesse real do
governo.
Parte dos congressistas ainda se opõe, pelo menos vocalmente, à
recriação desse tributo. O apoio dos petistas parece garantido. Além do
mais, governadores interessados numa lasca do bolo pressionarão
parlamentares pela aprovação com alíquota de 0,38%, quase o dobro da
proposta pelo Executivo (0,20%). Há, entre os chamados formadores de
opinião, quem aponte a CPMF como um tributo justo, por incidir,
supostamente, mais sobre o rico e poupar o pobre. Essa crença é uma
bobagem. Mesmo se ganhasse uma carteirinha para ficar livre do imposto
na ponta do consumo, o pobre ainda seria onerado pela incidência nas
fases anteriores da circulação. Cumulatividade é um de seus defeitos.
Os ministros econômicos sabem disso e conhecem também as outras más
características do imposto do cheque. Mas deixam de lado esses detalhes,
ou por darem pouco valor à qualidade e à funcionalidade dos tributos ou
por julgarem muito difícil, talvez impossível, consertar as contas
federais sem esse recurso.
A tarefa é complicada, de fato, porque a ampliação constante dos
gastos obrigatórios, como os salários, os benefícios da Previdência e
também as despesas vinculadas, tornou mais engessado, ano a ano, um
orçamento já pouco flexível. Mesmo assim, muito provavelmente seria
possível aumentar os cortes, de forma significativa, se houvesse
disposição e coragem para uma redução severa dos postos de livre
nomeação e para um exame detalhado de todos os programas.
Em 2011, quando houve um ensaio, ou encenação, de faxina ministerial,
foi descoberto um enorme desperdício de recursos. Perdia-se muito
dinheiro em projetos mal concebidos e mal executados. Gastava-se em
programas de utilidade duvidosa. Queimavam-se grandes verbas em
convênios com ONGs muitas vezes despreparadas para a prestação dos
serviços contratados.
Houve muito barulho, na época, e até a esperança de eliminação das
bandalheiras mais evidentes. Nada indica, no entanto, uma alteração
efetiva dos padrões dominantes na administração. Ao contrário: nos anos
seguintes, bastaria acompanhar a execução dos programas ligados à Copa
do Mundo para verificar a persistência, e até o agravamento, dos maiores
vícios.
A devastação da economia, acelerada no primeiro mandato da presidente
Dilma Rousseff, coincidiu com o engessamento maior do Orçamento federal
e com maior degradação dos padrões administrativos. O fiasco permanente
do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), apenas disfarçado pelos
números do programa habitacional, confirmou muito claramente a
incompetência crescente da gestão pública. Mas o funcionalismo nunca
deixou de crescer e o aumento da folha sempre superou a inflação. Ao
mesmo tempo, subsídios continuaram e continuam sendo canalizados para
grupos escolhidos.
A resposta da presidente consistiu, até agora, em propor remédios
para fechar as contas em 2016. Para este ano, a expectativa de um pífio
superávit primário de 0,15% do PIB, reafirmada há poucos dias, depende
de cerca de R$ 43 bilhões de receitas extraordinárias – tão
extraordinárias e voláteis quanto o apoio comprável com nomeações.
Nenhuma solução de maior alcance foi sugerida seriamente. Para conseguir
apoio a esse quase nada a presidente põe à venda o governo. A Standard
& Poor’s limitou-se a rebaixar a nota de crédito do País. A
autodegradação do governo é muito mais séria do que isso.
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