segunda-feira, 16 de novembro de 2015

‘Adeus Rio Doce’, em Minas um grande deserto de lama vai ficar no lugar.

15/11/2015 Peixes mortos no leito do Rio Doce: moradores e pescadores relatam cenário de horror ao longo do seu curso (Foto: Associação dos Pescadores e Amigos do rio Doce)


‘Nilo brasileiro’. Vista aérea do Parque Florestal Estadual do Rio Doce, na região sudoeste de Minas Gerais, cortado pelo rio que foi completamente poluído há dez dias, ao receber rejeitos químicos da mineradora Samarco - Ana Branco Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/livros/rio-doce-sobrevive-nas-poesias-cronicas-romances-cancoes-18053688#ixzz3rbPflZpZ © 1996 - 2015. Todos direitos reservados a Infoglobo Comunicação e Participações S.A. Este material não pode ser publicado, transmitido por broadcast, reescrito ou redistribuído sem autorização.

Segunda foto: Como o Rio Doce era, antes da Vale. Primeira foto, do topo. Como o Rio Dioce virou por causa da Vale.

 

As toneladas de lama que vazaram no rompimento há dez dias de duas barragens da empresa Samarco em Mariana (MG) são protagonistas do maior desastre ambiental provocado pela indústria da mineração brasileira –a Samarco é empresa fruto da sociedade entre a Vale e a anglo-australiana BHP Billiton.

Sessenta bilhões de litros de rejeitos de mineração de ferro –o equivalente a 24 mil piscinas olímpicas– foram despejados ao longo de mais de 500 km na bacia do rio Doce, a quinta maior do país.


Segundo ecólogos, geofísicos e gestores ambientais, pode levar décadas, ou mesmo séculos, para que os prejuízos ambientais sejam revertidos.



Destruídos pelo tsunami marrom, que deixou ao menos sete mortos e 15 desaparecidos, os distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo devem se transformar em desertos de lama.


“Esse resíduo de mineração é infértil porque não tem matéria orgânica. Nada nasce ali. É como plantar na areia da praia de Copacabana”, diz Maurício Ehrlich, professor de geotecnia da Coppe-UFRJ (centro de pesquisa em engenharia da Federal do Rio).

“Nada se constrói ali também porque é um material mole, que não oferece resistência. Vai virar um deserto de lama, que demorará dezenas de anos para secar”, diz.


Segundo ele, a reconstituição do solo pode levar “até centenas de anos, que é a escala geológica para a formação de um novo solo”.

RIO DOCE
Transformado em uma correnteza espessa de terra e areia, o rio Doce não pode ter sua água captada. O abastecimento foi suspenso, e cerca de 500 mil pessoas estão com as torneiras secas.

Especialistas que conhecem a região descrevem o cenário como “assustador”.

Para Marcus Vinicius Polignano, presidente do Comitê de Bacia do rio das Velhas e professor da UFMG (Federal de Minas Gerais), um dos mais graves efeitos do despejo do rejeito nas águas é o assoreamento de rios e riachos, que ficam mais rasos e têm seus cursos alterados pelo aumento do volume de sedimentos, no caso, de lama. “É algo irreversível. Fala-se em remediação mas, no caso da lama nos rios, não existe isso. Não tem como retirá-la de lá.”

Enquanto está em suspensão no rio, a lama impede a entrada de luz solar e a oxigenação da água, além de alterar seu pH, o que sufoca peixes e outros animais aquáticos. A força da lama ainda arrastou a mata ciliar, que tem função ecológica de dar proteção ao rio.


“A perda da biodiversidade pode demorar décadas para ser reestabelecida. E isso ainda vai depender de programas montados para esse fim”, diz Ricardo Coelho, ecólogo da UFMG. 


“Existe ainda a possibilidade de espécies endêmicas [que existem só naquela região] serem extintas.”

“Há espécies animais e vegetais ali que podemos considerar extintas a partir de hoje”, diz o biólogo e pesquisador André Ruschi, diretor de uma das mais antigas instituições de pesquisa ambiental no país, a Estação de Biologia Marinha Augusto Ruschi.

Ele chama a atenção para o fato de que o rompimento das barragens coincidiu com o período de reprodução de várias espécies de peixes. “É o maior desastre ambiental da história do país”, avalia.


Mariana entra para a história como uma “ferida aberta”, diz Polignano. “É a prova de que nossa gestão ambiental está falida.”

DANO BILIONÁRIO
A Samarco, empresa fruto de sociedade entre a Vale e a anglo-australiana BHP Billiton, responsável pela exploração de minério de ferro nas barragens de Fundão e Santarém, no município de Mariana (MG), já foi multada pelo Ibama em R$ 250 milhões pelos danos ambientais causados pelo desastre.

Na última sexta-feira, dia 13, a Justiça de Minas Gerais determinou o bloqueio de R$ 300 milhões na conta da Samarco. A decisão liminar decorre de ação civil pública do Ministério Público Estadual, que listou mais de 500 desabrigados pelo rompimento das barragens. O valor deve ser revertido para reparação dos danos às vítimas.

Ainda assim, segundo estimativa de Alessandra Magrini, professora de planejamento energético e ambiental da Coppe-UFRJ e especialista no cálculo de prejuízos em desastres ambientais, os danos causados pelo desastre de Mariana “serão da ordem de bilhões”.

“É preciso contabilizar a produção sacrificada, ou seja, pesca, criações, plantações e outras atividades econômicas perdidas, mas também os danos aos recursos naturais, à fauna e à flora e às funções ambientais que eles exercem”, declara.

Magrini foi uma das responsáveis pelo cálculo da indenização do acidente que despejou 1,3 milhão de litros de óleo pela Petrobras na baía de Guanabara em 2000. À época, a reparação foi avaliada em cerca de R$ 350 milhões.

Segundo ela, “recursos naturais são de valoração pouco trivial”. “Quanto custa a perda de uma espécie, de um rio ou de um manguezal?”

Ela destaca o acordo feito há menos de dez dias entre EUA e a petroleira BP, responsável pelo vazamento de óleo no Golfo do México: US$ 20 bilhões (R$ 76,7 bilhões).

“Para se chegar a este valor, são necessários estudos do impacto do desastre que levem em conta não só a extensão do dano no espaço mas também o prejuízo ao longo do tempo”, diz. “Isso deveria ser feito no caso de Mariana”, avalia.


DESOVA DE TARTARUGAS
Desde o dia 5, quando as barragens romperam, toneladas de lama tomaram o rio Doce em direção a sua foz, no litoral do Espírito Santo.

O movimento vem sendo monitorado pelo Serviço Geológico do Brasil, órgão do governo federal, e a lama está prevista para chegar à cidade de Linhares (ES) na próxima terça-feira, dia 17.

Essa zona costeira é área de desova da tartaruga-de-couro, espécie que mede até 170 centímetros de comprimento e que está ameaçada de extinção. O mês de novembro corresponde justamente ao pico da desova da espécie.

Biólogos do Projeto Tamar efetuaram a retirada de alguns ninhos do local. Técnicos do Ibama também desenvolvem ações nos trechos do rio ainda não atingidos pelo rejeito. Segundo o órgão, o resgate de peixes vivos e sadios e sua preservação em tanques é das ações mais importantes agora.

TÓXICO OU ATÓXICO?
O rejeito de mineração de ferro, segundo especialistas, é composto por terra, areia, água e resíduos de ferro, alumínio e manganês.

Apesar de a composição não ser considerada tóxica para humanos, a lama funciona como uma “esponja” e arrasta para dentro do rio outros poluentes. Essa é uma das explicações possíveis para os altos níveis de mercúrio encontrados em amostras de água coletadas em Governador Valadares (MG).

“Elementos como mercúrio têm efeito cumulativo. Uma vez ingeridos, vão passando de um ser vivo a outro na cadeia alimentar, concentrando-se cada vez mais”, explica o biólogo André Ruschi.

A contaminação dos organismos por determinados tipos de metais e outros poluentes pode demorar para aparecer. “Mas esse impacto pode permanecer durante anos em todo o rio Doce”, completa o biólogo da UFMG Ricardo Coelho.

Para Denis Bessa, coordenador do Núcleo de Estudos sobre Poluição Aquática da Unesp, “a esperança é que os riachos que deságuam no rio Doce tenham muitas espécies de forma que possam repovoar toda a extensão do rio atingida pela lama”.

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