15/11/2015
Segunda foto: Como o Rio Doce era, antes da Vale. Primeira foto, do topo. Como o Rio Dioce virou por causa da Vale.
As toneladas de lama que vazaram no rompimento há dez dias de duas barragens da empresa Samarco em Mariana (MG) são protagonistas do maior desastre ambiental provocado pela indústria da mineração brasileira –a Samarco é empresa fruto da sociedade entre a Vale e a anglo-australiana BHP Billiton.
Sessenta
bilhões de litros de rejeitos de mineração de ferro –o equivalente a 24
mil piscinas olímpicas– foram despejados ao longo de mais de 500 km na
bacia do rio Doce, a quinta maior do país.
Segundo ecólogos, geofísicos e gestores
ambientais, pode levar décadas, ou mesmo séculos, para que os prejuízos
ambientais sejam revertidos.
Destruídos pelo tsunami marrom, que
deixou ao menos sete mortos e 15 desaparecidos, os distritos de Bento
Rodrigues e Paracatu de Baixo devem se transformar em desertos de lama.
“Esse resíduo de mineração é infértil
porque não tem matéria orgânica. Nada nasce ali. É como plantar na areia
da praia de Copacabana”, diz Maurício Ehrlich, professor de geotecnia
da Coppe-UFRJ (centro de pesquisa em engenharia da Federal do Rio).
“Nada se constrói ali também porque é um
material mole, que não oferece resistência. Vai virar um deserto de
lama, que demorará dezenas de anos para secar”, diz.
Segundo ele, a reconstituição do solo
pode levar “até centenas de anos, que é a escala geológica para a
formação de um novo solo”.
RIO DOCE
Transformado em uma correnteza espessa
de terra e areia, o rio Doce não pode ter sua água captada. O
abastecimento foi suspenso, e cerca de 500 mil pessoas estão com as
torneiras secas.
Especialistas que conhecem a região descrevem o cenário como “assustador”.
Para Marcus Vinicius Polignano,
presidente do Comitê de Bacia do rio das Velhas e professor da UFMG
(Federal de Minas Gerais), um dos mais graves efeitos do despejo do
rejeito nas águas é o assoreamento de rios e riachos, que ficam mais
rasos e têm seus cursos alterados pelo aumento do volume de sedimentos,
no caso, de lama. “É algo irreversível. Fala-se em remediação mas, no
caso da lama nos rios, não existe isso. Não tem como retirá-la de lá.”
Enquanto está em suspensão no rio, a
lama impede a entrada de luz solar e a oxigenação da água, além de
alterar seu pH, o que sufoca peixes e outros animais aquáticos. A força
da lama ainda arrastou a mata ciliar, que tem função ecológica de dar
proteção ao rio.
“A perda da biodiversidade pode demorar
décadas para ser reestabelecida. E isso ainda vai depender de programas
montados para esse fim”, diz Ricardo Coelho, ecólogo da UFMG.
“Existe
ainda a possibilidade de espécies endêmicas [que existem só naquela
região] serem extintas.”
“Há espécies animais e vegetais ali que
podemos considerar extintas a partir de hoje”, diz o biólogo e
pesquisador André Ruschi, diretor de uma das mais antigas instituições
de pesquisa ambiental no país, a Estação de Biologia Marinha Augusto
Ruschi.
Ele chama a atenção para o fato de que o
rompimento das barragens coincidiu com o período de reprodução de
várias espécies de peixes. “É o maior desastre ambiental da história do
país”, avalia.
Mariana entra para a história como uma “ferida aberta”, diz Polignano. “É a prova de que nossa gestão ambiental está falida.”
DANO BILIONÁRIO
A Samarco, empresa fruto de sociedade
entre a Vale e a anglo-australiana BHP Billiton, responsável pela
exploração de minério de ferro nas barragens de Fundão e Santarém, no
município de Mariana (MG), já foi multada pelo Ibama em R$ 250 milhões
pelos danos ambientais causados pelo desastre.
Na última sexta-feira, dia 13, a Justiça
de Minas Gerais determinou o bloqueio de R$ 300 milhões na conta da
Samarco. A decisão liminar decorre de ação civil pública do Ministério
Público Estadual, que listou mais de 500 desabrigados pelo rompimento
das barragens. O valor deve ser revertido para reparação dos danos às
vítimas.
Ainda assim, segundo estimativa de
Alessandra Magrini, professora de planejamento energético e ambiental da
Coppe-UFRJ e especialista no cálculo de prejuízos em desastres
ambientais, os danos causados pelo desastre de Mariana “serão da ordem
de bilhões”.
“É preciso contabilizar a produção
sacrificada, ou seja, pesca, criações, plantações e outras atividades
econômicas perdidas, mas também os danos aos recursos naturais, à fauna e
à flora e às funções ambientais que eles exercem”, declara.
Magrini foi uma das responsáveis pelo
cálculo da indenização do acidente que despejou 1,3 milhão de litros de
óleo pela Petrobras na baía de Guanabara em 2000. À época, a reparação
foi avaliada em cerca de R$ 350 milhões.
Segundo ela, “recursos naturais são de
valoração pouco trivial”. “Quanto custa a perda de uma espécie, de um
rio ou de um manguezal?”
Ela destaca o acordo feito há menos de
dez dias entre EUA e a petroleira BP, responsável pelo vazamento de óleo
no Golfo do México: US$ 20 bilhões (R$ 76,7 bilhões).
“Para se chegar a este valor, são
necessários estudos do impacto do desastre que levem em conta não só a
extensão do dano no espaço mas também o prejuízo ao longo do tempo”,
diz. “Isso deveria ser feito no caso de Mariana”, avalia.
DESOVA DE TARTARUGAS
Desde o dia 5, quando as barragens
romperam, toneladas de lama tomaram o rio Doce em direção a sua foz, no
litoral do Espírito Santo.
O movimento vem sendo monitorado pelo
Serviço Geológico do Brasil, órgão do governo federal, e a lama está
prevista para chegar à cidade de Linhares (ES) na próxima terça-feira,
dia 17.
Essa zona costeira é área de desova da
tartaruga-de-couro, espécie que mede até 170 centímetros de comprimento e
que está ameaçada de extinção. O mês de novembro corresponde justamente
ao pico da desova da espécie.
Biólogos do Projeto Tamar efetuaram a
retirada de alguns ninhos do local. Técnicos do Ibama também desenvolvem
ações nos trechos do rio ainda não atingidos pelo rejeito. Segundo o
órgão, o resgate de peixes vivos e sadios e sua preservação em tanques é
das ações mais importantes agora.
TÓXICO OU ATÓXICO?
O rejeito de mineração de ferro, segundo
especialistas, é composto por terra, areia, água e resíduos de ferro,
alumínio e manganês.
Apesar de a composição não ser
considerada tóxica para humanos, a lama funciona como uma “esponja” e
arrasta para dentro do rio outros poluentes. Essa é uma das explicações
possíveis para os altos níveis de mercúrio encontrados em amostras de
água coletadas em Governador Valadares (MG).
“Elementos como mercúrio têm efeito
cumulativo. Uma vez ingeridos, vão passando de um ser vivo a outro na
cadeia alimentar, concentrando-se cada vez mais”, explica o biólogo
André Ruschi.
A contaminação dos organismos por
determinados tipos de metais e outros poluentes pode demorar para
aparecer. “Mas esse impacto pode permanecer durante anos em todo o rio
Doce”, completa o biólogo da UFMG Ricardo Coelho.
Para Denis Bessa, coordenador do Núcleo
de Estudos sobre Poluição Aquática da Unesp, “a esperança é que os
riachos que deságuam no rio Doce tenham muitas espécies de forma que
possam repovoar toda a extensão do rio atingida pela lama”.
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