Fórum das ONGS Ambientalistas
quarta-feira, 11 de Novembro de 2015
Maurício Guetta, advogado do ISA
Tragédia
ambiental em Mariana (MG) acontece justamente no momento em que governo
e poder econômico pressionam pela flexibilização das regras do
licenciamento ambiental, regras que poderiam ter evitado desastres como esse. Leia
artigo de opinião de Maurício Guetta, advogado do ISA
A tragédia do rompimento das barragens de rejeitos de mineração da Samarco, empresa controlada pela Vale e pela australiana BHP Billiton, deixa exposta a ferida brasileira sobre os descaminhos políticos que vivemos, principalmente em relação a questões socioambientais.
Mortes de um (ainda) sem número de pessoas, uma cidade inteira destruída, fauna e flora dizimadas, rios estéreis, desabastecimento público de água e outros tantos danos irreparáveis poderiam e deveriam ter sido evitados.
A tônica sempre latente no Brasil é a da insuficiência de planejamento e de prevenção, além do desrespeito aos direitos dos vulneráveis, invisíveis aos olhos do Estado, refletindo o descaso do Poder Público e das empresas exploradoras de recursos naturais com a mais relevante orientação constitucional em relação ao Direito Socioambiental: sendo os danos socioambientais de impossível ou difícil reparação, geralmente com drásticas e duradouras consequências para a população e o equilíbrio ecológico, é preciso sempre adotar práticas de prevenção destinadas a antecipá-los e, com isso, evitá-los.
Por uma trágica coincidência, foi ao final do seminário “Licenciamento Ambiental: realidade e perspectivas”, realizado, na semana passada, pelo ISA e o Ministério Público Federal, que recebemos a triste notícia sobre este que certamente é um dos maiores – senão o maior – desastre ambiental da história recente brasileira.
A mais contundente lição extraída das exposições de 23 especialistas no evento foi uníssona: o Licenciamento Ambiental, principal instrumento da Política Nacional de Meio Ambiental, é uma conquista do povo brasileiro e deve ser aprimorado.
Apesar disso, para atender à malsinada “Agenda Brasil” – conjunto de propostas supostamente destinadas a tirar o País da crise econômica – tramitam no Congresso 19 Projetos de Lei com o objetivo de alterar a legislação sobre o tema, sendo a sua grande maioria destinada a simplificar o licenciamento.
Segundo esta lógica perversa, o meio ambiente e as populações afetadas nada mais seriam do que meros entraves ao desenvolvimento.
Entre esses Projetos de Lei, destaca-se, pelo seu conteúdo absurdo, o 654/2015, do senador Romero Jucá (PMDB-RR), segundo o qual os “empreendimentos de infraestrutura estratégicos para o interesse nacional” (segundo o texto da proposta: rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos, empreendimentos de energia e quaisquer outros destinados à exploração de recursos naturais) seriam regidos por um diminuto rito de Licenciamento Ambiental.
Trocando em miúdos: as obras com maior potencial de causar significativos danos socioambientais seriam justamente aquelas com menor controle e prevenção.
O que não se percebe é que o aperfeiçoamento – e não o desmantelamento – dos instrumentos de prevenção de danos seria altamente benéfico não apenas ao meio ambiente e às populações afetadas por empreendimentos potencialmente poluidores, mas também ao empresariado, que teria maior segurança jurídica e econômica para operar, além de ver reduzidos os conflitos e demandas a que tem de responder, inclusive judicialmente.
Será que a tragédia que observamos hoje nos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo trarão lições aos governantes e legisladores? Infelizmente, não há nenhum sinal nesse sentido. Apesar da magnitude do desastre, nem a presidente Dilma Rousseff, nem Izabella Teixeira ou Eduardo Braga, ministros de Meio Ambiente e de Minas e Energia, levantaram-se de suas poltronas para ir à região impactada, ou apresentar um plano emergencial. Omissão que não surpreende.
Aliás, interessante notar que o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, não teve qualquer pudor ao realizar uma coletiva de imprensa na sede da própria Samarco. Vale anotar que o próprio governador é autor do Projeto de Lei Estadual n.º 2.946/2015, que igualmente pretende flexibilizar as regras do Licenciamento Ambiental em seu Estado. Nada mais comum no País em que interesse público e interesse privado andam sempre de mãos dadas.
Na política, nada é por acaso. Para garantir sua influência nos rumos das decisões públicas, a Vale financiou as campanhas eleitorais tanto de Dilma Rousseff como de Aécio Neves. Financiou também a candidatura de Fernando Pimentel, além de parlamentares.
A influência diária de grandes empresas nas decisões políticas se escancara quando constatamos que as bancadas legislativas são classificadas não pela linha ideológica que defendem, mas pelo setor empresarial para quem advogam (da mineração, dos bancos, da agropecuária, da construção civil...). Trata-se do oposto ao que deveria ocorrer num regime verdadeiramente democrático.
Daí o Projeto de Lei n.º 37/2011, que pretende instituir o novo Código de Mineração, ter como relator o deputado federal Leonardo Quintão (PMDB-MG), que teve cerca de 40 % de sua campanha eleitoral financiada por mineradoras. A proposta, vale registrar, não traz qualquer medida preventiva ou protetiva ao meio ambiente e às populações afetadas, como vem denunciando o Comitê em Defesa dos Territórios Frente à Mineração.
Tivessem sido prevenidos, não seria necessário reparar os danos decorrentes da lama que levou caos a dois estados. Isto, claro, se tais danos forem, de fato, passíveis de reparação. De um modo ou de outro, o fato é que a Samarco e suas controladoras, Vale e BHP Billiton, poderão ser responsabilizadas nas três esferas de responsabilidade, como preconiza o artigo 225, § 3.º, da Constituição.
No âmbito civil, de índole eminentemente preventiva e reparatória, não haverá como fugir de uma dura condenação. É que, devido à relevância essencial do meio ambiente para toda a coletividade, a legislação impõe ao poluidor o dever de reparação integral dos danos independente da existência de culpa ou dolo, inclusive em casos de força maior ou caso fortuito.
Isso vale tanto para os danos ambientais de natureza difusa e coletiva, como para os danos individuais, sofridos pelas pessoas afetadas.
Tremor de terra nenhum seria capaz de livrar a empresa do dever de reparar. Na esfera administrativa, além da suspensão das atividades da empresa determinadas pela Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais, ainda poderão ser aplicadas outras sanções, que vão desde multas milionárias até o encerramento definitivo das atividades.
Por fim, é igualmente possível uma eventual condenação penal, visto que as ações e/ou omissões da empresa poderiam ser enquadradas em dispositivos da Lei n.º 9.605/1998, conhecida como Lei de Crimes Ambientais.
Um País que desconsidera o planejamento e a prevenção necessários para evitar danos socioambientais como aqueles decorrentes do rompimento das barragens da Samarco, aliado ao cenário de graves retrocessos em sua legislação ambiental, é justamente o País que não queremos. Estamos trilhando um caminho perigoso. E pode não ter volta.
A tragédia do rompimento das barragens de rejeitos de mineração da Samarco, empresa controlada pela Vale e pela australiana BHP Billiton, deixa exposta a ferida brasileira sobre os descaminhos políticos que vivemos, principalmente em relação a questões socioambientais.
Mortes de um (ainda) sem número de pessoas, uma cidade inteira destruída, fauna e flora dizimadas, rios estéreis, desabastecimento público de água e outros tantos danos irreparáveis poderiam e deveriam ter sido evitados.
A tônica sempre latente no Brasil é a da insuficiência de planejamento e de prevenção, além do desrespeito aos direitos dos vulneráveis, invisíveis aos olhos do Estado, refletindo o descaso do Poder Público e das empresas exploradoras de recursos naturais com a mais relevante orientação constitucional em relação ao Direito Socioambiental: sendo os danos socioambientais de impossível ou difícil reparação, geralmente com drásticas e duradouras consequências para a população e o equilíbrio ecológico, é preciso sempre adotar práticas de prevenção destinadas a antecipá-los e, com isso, evitá-los.
Por uma trágica coincidência, foi ao final do seminário “Licenciamento Ambiental: realidade e perspectivas”, realizado, na semana passada, pelo ISA e o Ministério Público Federal, que recebemos a triste notícia sobre este que certamente é um dos maiores – senão o maior – desastre ambiental da história recente brasileira.
A mais contundente lição extraída das exposições de 23 especialistas no evento foi uníssona: o Licenciamento Ambiental, principal instrumento da Política Nacional de Meio Ambiental, é uma conquista do povo brasileiro e deve ser aprimorado.
Apesar disso, para atender à malsinada “Agenda Brasil” – conjunto de propostas supostamente destinadas a tirar o País da crise econômica – tramitam no Congresso 19 Projetos de Lei com o objetivo de alterar a legislação sobre o tema, sendo a sua grande maioria destinada a simplificar o licenciamento.
Segundo esta lógica perversa, o meio ambiente e as populações afetadas nada mais seriam do que meros entraves ao desenvolvimento.
Entre esses Projetos de Lei, destaca-se, pelo seu conteúdo absurdo, o 654/2015, do senador Romero Jucá (PMDB-RR), segundo o qual os “empreendimentos de infraestrutura estratégicos para o interesse nacional” (segundo o texto da proposta: rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos, empreendimentos de energia e quaisquer outros destinados à exploração de recursos naturais) seriam regidos por um diminuto rito de Licenciamento Ambiental.
Trocando em miúdos: as obras com maior potencial de causar significativos danos socioambientais seriam justamente aquelas com menor controle e prevenção.
O que não se percebe é que o aperfeiçoamento – e não o desmantelamento – dos instrumentos de prevenção de danos seria altamente benéfico não apenas ao meio ambiente e às populações afetadas por empreendimentos potencialmente poluidores, mas também ao empresariado, que teria maior segurança jurídica e econômica para operar, além de ver reduzidos os conflitos e demandas a que tem de responder, inclusive judicialmente.
Será que a tragédia que observamos hoje nos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo trarão lições aos governantes e legisladores? Infelizmente, não há nenhum sinal nesse sentido. Apesar da magnitude do desastre, nem a presidente Dilma Rousseff, nem Izabella Teixeira ou Eduardo Braga, ministros de Meio Ambiente e de Minas e Energia, levantaram-se de suas poltronas para ir à região impactada, ou apresentar um plano emergencial. Omissão que não surpreende.
Aliás, interessante notar que o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, não teve qualquer pudor ao realizar uma coletiva de imprensa na sede da própria Samarco. Vale anotar que o próprio governador é autor do Projeto de Lei Estadual n.º 2.946/2015, que igualmente pretende flexibilizar as regras do Licenciamento Ambiental em seu Estado. Nada mais comum no País em que interesse público e interesse privado andam sempre de mãos dadas.
Na política, nada é por acaso. Para garantir sua influência nos rumos das decisões públicas, a Vale financiou as campanhas eleitorais tanto de Dilma Rousseff como de Aécio Neves. Financiou também a candidatura de Fernando Pimentel, além de parlamentares.
A influência diária de grandes empresas nas decisões políticas se escancara quando constatamos que as bancadas legislativas são classificadas não pela linha ideológica que defendem, mas pelo setor empresarial para quem advogam (da mineração, dos bancos, da agropecuária, da construção civil...). Trata-se do oposto ao que deveria ocorrer num regime verdadeiramente democrático.
Daí o Projeto de Lei n.º 37/2011, que pretende instituir o novo Código de Mineração, ter como relator o deputado federal Leonardo Quintão (PMDB-MG), que teve cerca de 40 % de sua campanha eleitoral financiada por mineradoras. A proposta, vale registrar, não traz qualquer medida preventiva ou protetiva ao meio ambiente e às populações afetadas, como vem denunciando o Comitê em Defesa dos Territórios Frente à Mineração.
Tivessem sido prevenidos, não seria necessário reparar os danos decorrentes da lama que levou caos a dois estados. Isto, claro, se tais danos forem, de fato, passíveis de reparação. De um modo ou de outro, o fato é que a Samarco e suas controladoras, Vale e BHP Billiton, poderão ser responsabilizadas nas três esferas de responsabilidade, como preconiza o artigo 225, § 3.º, da Constituição.
No âmbito civil, de índole eminentemente preventiva e reparatória, não haverá como fugir de uma dura condenação. É que, devido à relevância essencial do meio ambiente para toda a coletividade, a legislação impõe ao poluidor o dever de reparação integral dos danos independente da existência de culpa ou dolo, inclusive em casos de força maior ou caso fortuito.
Isso vale tanto para os danos ambientais de natureza difusa e coletiva, como para os danos individuais, sofridos pelas pessoas afetadas.
Tremor de terra nenhum seria capaz de livrar a empresa do dever de reparar. Na esfera administrativa, além da suspensão das atividades da empresa determinadas pela Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais, ainda poderão ser aplicadas outras sanções, que vão desde multas milionárias até o encerramento definitivo das atividades.
Por fim, é igualmente possível uma eventual condenação penal, visto que as ações e/ou omissões da empresa poderiam ser enquadradas em dispositivos da Lei n.º 9.605/1998, conhecida como Lei de Crimes Ambientais.
Um País que desconsidera o planejamento e a prevenção necessários para evitar danos socioambientais como aqueles decorrentes do rompimento das barragens da Samarco, aliado ao cenário de graves retrocessos em sua legislação ambiental, é justamente o País que não queremos. Estamos trilhando um caminho perigoso. E pode não ter volta.
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