“Acho um momento gravíssimo, a economia derretendo, crise política,
crise ética, essa que é terrível. Altas autoridades sendo acusadas,
investigadas, altas personalidades do partido que está no governo na
cadeia”
Ex-Presidente do STF afirma que antes do TCU rejeitar as contas da presidente Dilma era contra o impeachment, mas mudou de entendimento. Ele concedeu uma longa e importante entrevista aos Jornalistas Ana Dubeux, Denise Rothenburg e Leonardo Cavalcanti do Correio Brasiliense que o Cristalvox reproduz na íntegra.
Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, Carlos Mário Velloso, 79 anos, tem convicção de que hoje existe razão para o impeachment de Dilma Rousseff. “Fui dos primeiros a afirmar, quando se falava nesse tema, que não havia, até então, motivo, mas mudei o entendimento depois da decisão do TCU de rejeitar as contas da presidente.”
Ao longo de mais de duas horas de entrevista, no escritório do 8º andar de um prédio no Setor de Autarquias Sul, Velloso falou sobre a maioridade penal, o foro privilegiado e a infinidade de recursos, que, segundo ele, deveriam ser reduzidos às instâncias iniciais. Também analisou as decisões do juiz da Lava-Jato, Sérgio Moro, o mensalão, o caso Collor e a Lei da Ficha Limpa, segundo Velloso, um dos principais avanços do Supremo nos últimos anos.
Mesmo longe do papel de juiz há nove anos, parece sempre pronto a participar de debates públicos. Nascido em Entre Rios de Minas, a 120km de Belo Horizonte, ele é um crítico aberto do foro privilegiado e do instrumento do “trânsito em julgado”. “É a liberalidade à brasileira.
Nos Estados Unidos, um juiz de primeiro grau condenou, sai dali preso.” Velloso está em Brasília desde dezembro de 1977, quando chegou aqui para assumir o cargo de ministro do Tribunal Federal de Recursos. Formado em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, ainda no estado natal, foi professor, advogado, promotor de Justiça e juiz federal. Na capital da República, ocupou cadeiras no Superior Tribunal de Justiça, no Tribunal Superior Eleitoral, até ser nomeado no Supremo, em 1990.
Ao deixar o STF, depois de 16 anos, disse que sentia como se o tivessem degolado. “Eu saí muito pesaroso, mas, seis meses depois, se me chamassem, não voltaria.” Amanhã, o ministro participará de encontro jurídico em sua homenagem, promovido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, pela Harvard Law School Association of Brazil e pela FGV Direito Rio. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Como o senhor está acompanhando a crise política, a partir deste debate sobre a judicialização das discussões?
Existe uma certa judicialização do processo político dada a omissão, muitas vezes, dos órgãos políticos. Muitas vezes, o Congresso se omite (e estamos assistindo a isso), então o Judiciário se adianta. O Supremo se adianta. No caso, por exemplo, do feto anencéfalo. É realmente uma decisão que reflete o ativismo judicial. Agora, correto? Parece-me que sim. Especificamente sobre a sua pergunta: é requerido o impeachment, é pedido impeachment.
O presidente da Câmara elaborou uma espécie de regimento, de rito; e foram ao STF. O Supremo entendeu que o rito está na Lei 1.079. Até achei interessante, porque o rito ampliava o raio de defesa, o que criou o recurso para o plenário. Então, até estranhei que se recorresse de uma medida que amplia o raio da defesa. Mas o Supremo entendeu que há de ser observado o rito e concedeu a medida liminar. No impeachment do Collor, o STF, por mais de uma vez, interveio no processo, nunca ex officio. Mas sim devidamente provocado por parlamentares.
Vê alguma similaridade entre o caso Collor e o que está em discussão no Congresso?
Porque ali havia um crime. Pelo menos na CPI do caso Collor, percebeu-se que havia montagem de uma quadrilha para roubar dinheiro público. E agora não está configurado isso envolvendo a presidente Dilma.
Há uma razão para o impeachment dela?
Fui um dos primeiros a dizer e a afirmar, quando se falava em impeachment, que não havia, até então, motivos para o impeachment.
E continua com essa opinião?
Não. Mudei meu entendimento tendo em vista a decisão do Tribunal de Contas da União. O TCU reconheceu aquilo que foi apelidado de “pedalada” — aquelas operações que consistiam, em síntese, no fato de a Presidência ter obrigado e submetido um banco estatal a pagar dívidas do governo do Estado, o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Então, a partir daquele momento, penso que surgiu um motivo determinado para o impeachment.
Há quem diga que, por ter sido no andato anterior, não seria o aso de impeachment. Mas que essas de 2015, sim. Porque seriam relativas a este exercício. O fato de haver reeleição, pode-se fazer essa distinção, uma vez ue ela não ficou nem um dia fora do cargo?
Penso que sim. Veja: a Constituição, no artigo 85, estabelece que o presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções. Isso no parágrafo 4. O artigo 85 estabelece a regra geral: são crimes de responsabilidade do presidente os atos que atentem contra a Constituição. Essa é a regra geral. E acrescenta o artigo 85: “e especialmente contra” — seguem-se os itens de 1 a 7 ou 8, se não me engano. E, no inciso sexto, está estabelecido que especialmente contra crimes de responsabilidade.
Os atos do presidente que atentem contra a Constituição e, especialmente, contra a Lei Orçamentária. A Lei de Responsabilidade Fiscal é uma lei que diz respeito ao orçamento. Você tem duas interpretações possíveis. Então, você tem que procurar aquela interpretação que seja mais condizente com a realidade social, com os valores fundamentais do sistema jurídico e com os valores e princípios inscritos na própria Constituição. Bom, a primeira regra: não pode perder o mandato se não estiver no exercício dele, claro. Segundo: não pode responder por crime de responsabilidade por atos estranhos ao exercício de suas funções.
Então, vejam: por atos praticados na vida privada, na vida social; que nada têm a ver com o exercício das funções da Presidência. Esta questão foi muito bem examinada pelo professor Adilson Dallari, que é irmão do professor Dalmo Dallari. O professor Dalmo Dallari tem opinião divergente do professor Adilson.
A opinião do Adilson Dallari lhe parece melhor?
Sim. Parece-me melhor, mais condizente com a realidade social. Então, continuemos (aliás, as observações que faço também são na linha do entendimento do professor Adilson Dallari). A Constituição exige que o ato sancionável, quer dizer, o ato que deve ser punido, tenha sido praticado por ação ou omissão culposa no exercício das funções de presidente.
Na forma do artigo 14, parágrafo 5º da Constituição, o mandato é de quatro anos. Mas o presidente, em razão de uma emenda constitucional aprovada ainda no governo do presidente FHC, em 1997, pode ser reeleito por mais um período subsequente.
Ora, decorre daí (e este raciocínio foi muito bem desenvolvido no parecer que o professor Adilson Dallari emitiu) que o presidente estará no exercício de suas funções por oito anos se reeleito. O presidente pode hoje ser reeleito por mais um período subsequente. Este raciocínio foi muito bem desenvolvido no parecer que o professor Adilson emitiu decorre daí, de que o presidente está no exercício de suas funções por oito anos se reeleito.
Então…
Sim, é um ato praticado no exercício das funções de presidente. O que a Constituição fala é no exercício das funções próprias do presidente. Toda norma jurídica comporta mais de uma interpretação possível.
Cabe então ao intérprete, desde que seja jurista, procurar realizar a melhor interpretação possível, aquela mais condizente com a realidade social e os valores fundamentais do sistema jurídico. Agora, coloco essa questão em mesa.
Será que se torna impune, no mandato subsequente, o presidente que comete o crime de responsabilidade no mandato anterior? Isso atenta contra princípios constitucionais. E o que está parecendo mais evidente. É o princípio constitucional da moralidade administrativa escrito no artigo 37 da Constituição. Essa é a minha opinião e reconheço que há opiniões contrárias de bons juristas, por exemplo, as do Dalmo Dallari.
O governo argumenta que as pedaladas também ocorreram em outros governos.
O que está na lei não é isso. E essa Lei de Responsabilidade Fiscal veio no momento em que as finanças dos estados-membros estavam arrasadas e os governadores faziam isto: faltava dinheiro no caixa do Tesouro, eles avançavam no caixa dos bancos estatais. Quebraram quase todos. O governo federal saneou e privatizou alguns, como o Banespa. Um ou outro conseguiu se salvar.
A Lei nº 1.079, de 1950, artigo 10, inciso 9º, com a alteração da Lei nº 1.028, de 2000: é crime de responsabilidade contra a lei orçamentária ordenar ou autorizar em desacordo com a lei a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação inclusive suas entidades da administração indireta ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente. O que a lei estabelece que isso é crime.
O fato de o governo pagar depois é a comprovação de que houve o crime. O fato de esse crime ter isso praticado anteriormente e não ter sido punido não justifica. Não descriminaliza o ato seguinte. Até posso dizer, com o devido respeito, que este é um argumento até pueril: “Mas fulano fez e não foi punido”.
Mas dentro da lógica do governo, o argumento é de que houve dois pesos e duas medidas.
O governo devia então processar a autoridade que anteriormente não agiu e que tinha de agir sob pena de praticar o crime de prevaricação. E depois é o seguinte, não sei se vocês viram a entrevista do representante do MP perante o Tribunal de Contas em que ele disse que o que houve foram pequenos créditos, que foram obtidos e imediatamente saldados.
Quer dizer, totalmente diferente de crédito de R$ 100 bilhões, que parece que ainda não foram cobertos, e durante o ano eleitoral, isso que agrava.
Eduardo Cunha, que está sob investigação e sofre processo de cassação, tem condições de presidir um processo dessa gravidade?
Bom, precisamos distinguir. O presidente Eduardo Cunha está no exercício da presidência da Câmara na forma estabelecida na Lei. Ele, portanto, tem o pleno exercício das competências que a lei e a Constituição conferem ao presidente da Câmara.
O fato de ele estar sendo processado na própria Câmara é realmente algo vergonhoso, até para a instituição. Porém, enquanto não se age contra ele, enquanto não se tomam as providências cabíveis legais, ele tem todo direito de estar exercendo as competências que a Constituição lhe confere, e parece até que a questão está sendo bem-posta perante o Conselho de Ética.
Já viveu um momento tão crítico no país?
Vivemos um momento gravíssimo, a economia derretendo, crise política, crise ética, essa que é terrível. Altas autoridades sendo acusadas, investigadas, altas personalidades do partido que estão no governo na cadeia, outras sendo processadas, sendo investigadas, realmente essa é uma situação muito difícil.
O que acha da atuação do juiz Sérgio Moro?
Olha, o juiz Sérgio Moro tem demonstrado muita independência, tem mostrado que é possível examinar, estudar, processar e decidir, em tempo razoável, aqueles que são levados à barra da Justiça. Então, o comportamento dele é elogiável.Sérgio Moro está prestando um grande serviço à sociedade.
Agora há outros juízes, na Justiça federal, na Justiça estadual do mesmo nível, sem dúvidas de que há, mas estamos agora nos referindo a ele, acho que ele merece todo aplauso da sociedade brasileira. Estamos assistindo a um movimento muito interessante em órgãos do Judiciário, do Ministério Público e da polícia. Estamos assistindo a essas três instituições trabalharem harmonicamente, isso é muito importante, isto quer dizer que demos um grande passo em termos de civilidade.
Por que isso não aconteceu antes no Brasil e por que isso não acontece em outros lugares?
Esta Operação Lava-Jato está representando um marco, essas três instituições que mencionei, de certa forma cansadas de serem responsabilizadas pela impunidade, resolveram agir. Mais pragmatismo e menos doutrina.
Concorda com o tempo das prisões preventivas na Lava-Jato?
Acho que sim, porque os tribunais têm mantido. Você acha que todos eles que estão presos já não requereram advogados? Eles têm os melhores, grandes escritórios de advocacia. Então, se os tribunais têm mantido, é sinal de que essas prisões têm sido decretadas com motivo, com obediência e com observâncias dos pressupostos estabelecidos em lei.
Esse pragmatismo do MP e da PF ocorre em um momento em que a impunidade é mais forte?
Eles estabeleceram um modo de colaboração, aí está o pragmatismo. Entre essas instituições, o trabalho conjunto avançou mais. Eles estão tendo a colaboração do Ministério Público de outros países, da Suíça, do MP americano. Veja como passaram a agir. Cansados de serem responsabilizados pela impunidade, estão sendo mais pragmáticos, estão procurando modos de realizar. Prova que é elogiável.
Que paralelo faz do Supremo da sua época e o de agora?
Você tinha realmente uma composição mais conservadora. Aliás, quando entrei, encontrei uma composição mais conservadora, que foi, aos poucos, não deixando de ser conservadora, mas se abrindo. E quero raciocinar estritamente em termos jurídicos. Por exemplo, quando ingressei no Supremo, em 1990, o mandado de injunção, que é uma garantia constitucional, não era reconhecido como tal.
Com o passar do tempo, o mandado de injunção foi adquirido às galas de garantia constitucional. Hoje, ostenta essas galas. É nesse sentido que digo que a composição conservadora foi se abrindo. Estou raciocinando estritamente em termos jurídicos. E, em outras questões também. A composição do meu tempo admitia a prisão antes do trânsito em julgado da sentença.
Isso só foi alterado em 2006. Aliás, fiquei vencido, porque sustento a tese, e sustentava em companhia de Paulo Brossard, do Sepúlveda Pertence, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Francisco Rezek, ministros do maior nível. Então sustentava essa tese, sustento até hoje. Porque o que a Constituição consagra é uma presunção de inocência, não é uma certeza. Então, veja, você está condenado no primeiro grau, apela, o segundo grau confirma aquela sentença, daí pra frente, os recursos são puramente jurídicos.
Quer dizer, nem o STF nem o STJ vão apreciar a justiça da decisão, porque não vão apreciar as provas, não vão apreciar os fatos, somente a matéria jurídica. Essa presunção de inocência diante de duas acusações, tendo uma de colegiado?
Meu Deus, ela está pelo menos, na melhor das hipóteses, fortemente abalada. E sem possibilidade de a Justiça dar a decisão sem ser examinada. Vocês assistiram à conclusão do júri da chamada chacina de Unaí, viram as queixas das viúvas? A dizer “Mas condenados? E parece que pela segunda vez… E saem livres? Aguardando recursos e mais recursos?” Isso quer dizer, aos olhos da sociedade, impunidade!
Por que o STF não mudou isso naquele período?
Então, pergunto: será que o Supremo, durante quase 20 anos, estava decidindo errado? Questão de interpretação. Uma composição que se fechava mais cedeu lugar a uma composição mais aberta? Quem está certo?
Mas o país perde? A sociedade perde?
Vem perdendo desde 2006. Eu acho que a sociedade reclama não é? E, tendo em vista a morosidade da Justiça, muitos desses caem na prescrição, na prescrição chamada retroativa, na prescrição da pena. Eu acho que o direito realmente deve ser visualizado numa tríplice: fato, norma e essência, valor. Quer dizer, sociologicamente, sob o ponto de vista do direito e tendo em vista os valores que precisam ser preservados e garantidos.
Aumentar o tempo das prisões preventivas não funcionaria como uma punição de poderosos antes da condenação final?
É, quando a prisão sem condenação representa uma punição sem condenação, sem dúvida alguma. Agora, a lei estabelece os pressupostos de que, se ocorrentes, levam ao decreto dessa prisão preventiva.
O que é preciso compreender é que a Justiça tem dois pratos. Em um dos pratos, estão os sagrados direitos individuais, os sagrados direitos da pessoa humana. No outro prato, estão também os não menos sagrados direitos da sociedade. O bom juiz é aquele que realiza esse equilíbrio, esse é o bom juiz. Quando mencionei o episódio das viúvas do caso de Unaí, logo vem a palavra “impunidade”.
É o que a sociedade diz. Então, acho que, a questão posta nos termos em que está posta, prisão apenas depois do trânsito em julgado, viola o que a sociedade aspira, viola esse não menos sagrado direito da sociedade.
Como mudar isso? Há uma forma de o STF rever essa questão? Esse debate voltou à pauta?
Esse debate está na pauta porque a sociedade está aí a reclamar e aplaudindo, por exemplo, quando ela percebe que tem juiz agindo com mais pragmatismo e menos doutrina. Vou mencionar uma questão bem forte, uma questão que mostra que o STF já evoluiu nessa matéria de trânsito em julgado, que foi no caso da Ficha Limpa.
O STF vinha decidindo pela inelegibilidade somente por condenação passada e julgada, lembram? Veio a Ficha Limpa e estabeleceu condenação por órgão colegiado de segundo grau. Portanto, o STF admitiu. Reformulou no particular a sua jurisprudência.
O STF não pode agir de ofício?
Não, de ofício não. A Justiça deve ser sempre provocada, com argumentos convincentes, com argumentos sérios, pode sim. No caso, por exemplo, da Ficha Limpa foi assim. Aliás, sempre sustentei que poderia. Estávamos assistindo a absurdos.
Diante da realidade que vivemos, somos o país da impunidade?
Veja. A ministra Ellen Gracie, num voto que proferiu no STF — vou voltar ao problema do trânsito em julgado, porque está gerando essa sua pergunta — disse que realizou pesquisa: a exigência do trânsito em julgado para o cumprimento efetivo da decisão, da sentença. É também uma jabuticaba. É a liberalidade à brasileira. Nos Estados Unidos, um juiz de primeiro grau condenou, sai dali preso.
Há o que ser feito para mudar?
É só ser provocado em um habeas corpus, por exemplo…
Por que ninguém pede isso?
Deve ter aos montes e está engavetado. É preciso uma provocação.
Voltando ao impeachment: falar nisso não é “sacrificar as instituições no altar da política”, como disse o ministro Barroso?
É claro que o impeachment é algo que realmente abala. Sem dúvida nenhuma. Agora, falar que é golpe é ignorar que é uma medida prevista na Constituição. Agora, a Constituição formula, dá a solução. No parlamentarismo, nós estamos assistindo ao primeiro-ministro da Romênia cair porque a boate pegou fogo e matou 20 e tantas pessoas. Aqui, foram quase 300, não é? No parlamentarismo, o primeiro-ministro grego, em julho, momento mais cruciante da economia, ele convocou novas eleições.
“Vamos ver se o povo acha que estou certo.” Porque o cargo de presidente da República, o cargo de ministro do Estado, é emprego. O povo colocou ali, um gabinete, o primeiro-ministro, o presidente da República para governar, fazer feliz o povo, a população. Se não está correspondendo, meu Deus.
Mas não vivemos em um parlamentarismo.
Mas no presidencialismo a solução está na Constituição, que é o impeachment. É a solução constitucional. Só para concluir. Essa preocupação, claro, ela existe, sim, porque o impeachment, ele agita. Mas é a solução constitucional, quando ocorrente, o pressuposto, quando ocorrente, o motivo.
O primeiro impeachment que houve no mundo, relativamente a um presidente da República, foi no Brasil, do Collor. A pátria do impeachment é a Inglaterra e os Estados Unidos. Originariamente, na Inglaterra, as famosas revoluções inglesas, Revolução Puritana, Revolução Gloriosa. Mas lá não teve ainda impeachment, teve de muitos juízes nos Estados Unidos, mas de presidente não concluíram. Teve no Brasil. O Clinton quase que foi, criou aquela história de que não houve penetração… E foi um grande presidente, a economia americana estava lá em cima.
O Nixon estava realizando uma grande administração de política externa. Foi ele que se aproximou da China, fez aquela famosa viagem para Pequim. Porque mentiu, ele ia ser submetido a impeachment. Renunciou para não ser. Comandante do maior exército do mundo, maior marinha do mundo, maior aeronáutica do mundo.
Estão fazendo um grande “bicho” em cima do pedido de impeachment?
Ah, sim. Eu raciocino nesses termos. Se existe motivo, cumpra-se o que está na Constituição.
È contra o foro privilegiado?
O foro privilegiado, como o nome já até está dito, foi a sociedade que apelidou, porque o nome dele mesmo é foro por prerrogativa de função. A sociedade, então, é que apelidou e pegou. É um privilégio para algumas autoridades.
Há quem diga que, depois do mensalão, parte da sociedade pelo menos começou a rever isso.
Pois é. Precisávamos realizar, reformular isso do trânsito em julgado. O juiz natural é o juiz de primeiro grau. É aquilo que é normal. Todos devem julgados por um juiz. Por que uns vão ter um foro diferente? Sabe por que nós temos foro privilegiado? Porque nós somos império. Isso é antirrepublicano, são resquícios da monarquia em uma república. Os Estados Unidos, que nunca foram império, sempre foram república, lá não existe isso, foro privilegiado.
O ministro Joaquim Barbosa disse que o TSE não teria autoridade de tratar do presidente porque parte dos seus integrantes advogam durante o dia e à noite atuam como juízes. Concorda?
Bom, primeiramente quero dizer que a sociedade brasileira ficou devendo ao Joaquim Barbosa um grande serviço que ele prestou. Foi relator do mensalão, do processo do mensalão, procedeu com muita competência, com muita seriedade, levou aquilo para a frente. Então quero dizer que tenho pelo Joaquim Barbosa muito respeito por isso. Mas, nessa afirmativa que ele fez, eu divirjo dele.
Por quê?
Porque, afinal de contas, os representantes da advocacia que estão ali estão na forma da Constituição. Foram escolhidos na forma da Constituição, escolhidos em lista tríplice elaborada pelo Supremo Tribunal Federal. Eu fui corregedor-geral da Justiça Eleitoral. Do TSE, fui presidente duas vezes e, pelo que eu pude observar, os juízes do TSE oriundos da advocacia prestam excelente serviço à Justiça Eleitoral.
Confia na segurança das urnas eletrônicas?
Eu escrevi até um artigo numa revista do TSE sobre um pouco da urna eletrônica, porque as urnas eletrônicas foram na minha gestão. Um rapaz novo, nas redes sociais, disse “é fácil interferir e tal”. Eles partem do pressuposto de que a urna eletrônica está on-line, mas não está, e não há possibilidade de um hacker invadir. Agora, qualquer coisa que é feita pela mão humana pode ter erros.
Dizem, até os computadores da Nasa podem ser invadidos por hackers. Primeiro, eles estão on-line, assim como os bancos, as empresas aéreas, mas a urna não está on-line. A urnas são seguras. Na presidência do Carlos Ayres Britto, ele colocou as urnas uma semana à disposição dos hackers. Eles não conseguiram. É um absurdo que nessas redes sociais digam que Toffoli teria fraudado a urna. Para ele fazer uma coisa dessa, precisaria ter corrompido, pelo menos, metade da Justiça Eleitoral.
Defende a menoridade penal?
Sou favorável a menoridade penal, pelo seguinte: essa maioridade penal em 18 anos foi fixada na década de 40 com o Código Penal de 1940. De lá para cá, vem sendo observada a Constituição de 1988, e então chegou a mencionar que ela só pode ser quebrada por emenda constitucional.
Por que sou favorável? Porque o jovem da década de 1940 tinha infinitamente menos informação que o jovem do século 21, dos anos 2000. O jovem do século 21 tem computador, tem celular, TV aberta,uma mídia moderna e atuante, que o jovem de 1940 não tinha. Então, é razoável que em 1940, 1950, 1960 ou 1970 essa maioridade fosse de 18 anos. Agora, em pleno século 21, com o jovem tendo todas as informações, como nós sabemos, a delinquência nessa faixa de 16,17 tem sido intensa, homicídios sendo praticados, figuras de arrastões com crimes contra o patrimônio, e esses jovens sendo explorados por maiores de idade, verdadeiros criminosos.
Eles são, então, detidos, não têm responsabilidade penal, são inimputáveis, e eles estão livres. Acho até uma hipocrisia. “Ah, mas a prisão resolve?” A prisão não resolve! “Ah, então fecha todas as penitenciárias também!” Mas é o único meio que se tem para punir, e a cadeia é reservada para os perigosos, na minha opinião. Então, aqueles delinquentes de 17 ou 18 anos, perigosos, devem ir sim, para a cadeia, devem sim ser apartados para que a sociedade, os homens de bem, vivam mais tranquilos.
O senhor está aposentado desde 2006? Sente muita saudade?
Quando deixei o Supremo, em janeiro de 2006, fará 10 anos daqui a dois meses, achei que estava sendo degolado. Deixei com muito pesar. Queria continuar. Por quê? Estava em pleno vigor físico e mental.
Até hoje jogo tênis, pratico esporte. Saí muito pesaroso e, nos primeiros meses, achava que tinha sido degolado. Seis meses depois, se me chamassem, eu não queria mais voltar. Depois recomecei a advogar a convite de meu filho. Até hoje, tenho uma atividade intensa aqui no escritório na parte de pareceres.
Brasília ou Minas?
Fico com as duas. Vim para cá em dezembro de 1977, com a esposa e os quatro filhos. Amo muito esta cidade, mas meu coração fica dividido quando me perguntam se prefiro aqui ou BH. Sou de Entre Rios de Minas, passei minha infância em Entre Rios e Abre Campo. Meu pai era promotor.
Em 46, foi aprovado no concurso de juiz, então voltamos para Entre Rios e meu pai assumiu o juizado de Teófilo Otoni. Em 1950, fomos estudar no Colégio Santo Antônio, em São João del-Rei, outra cidade que marcou a minha vida. Meu primeiro discurso na vida foi feito para Tancredo Neves, em 1953, ele era ministro da Justiça do Getúlio. Tancredo estudou no Colégio Santo Antônio, tinha muita estima pelo colégio e fez uma visita oficial, como ministro.
O diretor me incumbiu de fazer o discurso. Tinha 17 anos. Então, falei com o frei, diretor: “Não posso, não sei fazer”. Ele disse, pode e sabe. Senta, vai escrever o discurso e ninguém vai te ajudar. Antes de cursar direito, fiz filosofia. Fui aluno do professor Arthur Versiani Velloso. Era uma grande expressão da filosofia. Fiquei embevecido com as aulas. Não concluí o curso por causa dele.
Um dia ele chegou e falou: “menino, vem cá, seu lugar é lá, e apontou para a faculdade de direito. Achava que minha vocação era lá mesmo e mudei de vida. Na segunda-feira, serei homenageado pela Harvard, pelo Tribunal de Justiça do Rio e pela FGV pelos 40 anos de magistratura. Acho que fiz a escolha certa.
http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2015/11/08/internas_polbraeco,505501/carlos-velloso-a-operacao-lava-jato-representa-um-marco.shtml
Ex-Presidente do STF afirma que antes do TCU rejeitar as contas da presidente Dilma era contra o impeachment, mas mudou de entendimento. Ele concedeu uma longa e importante entrevista aos Jornalistas Ana Dubeux, Denise Rothenburg e Leonardo Cavalcanti do Correio Brasiliense que o Cristalvox reproduz na íntegra.
Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, Carlos Mário Velloso, 79 anos, tem convicção de que hoje existe razão para o impeachment de Dilma Rousseff. “Fui dos primeiros a afirmar, quando se falava nesse tema, que não havia, até então, motivo, mas mudei o entendimento depois da decisão do TCU de rejeitar as contas da presidente.”
Ao longo de mais de duas horas de entrevista, no escritório do 8º andar de um prédio no Setor de Autarquias Sul, Velloso falou sobre a maioridade penal, o foro privilegiado e a infinidade de recursos, que, segundo ele, deveriam ser reduzidos às instâncias iniciais. Também analisou as decisões do juiz da Lava-Jato, Sérgio Moro, o mensalão, o caso Collor e a Lei da Ficha Limpa, segundo Velloso, um dos principais avanços do Supremo nos últimos anos.
Mesmo longe do papel de juiz há nove anos, parece sempre pronto a participar de debates públicos. Nascido em Entre Rios de Minas, a 120km de Belo Horizonte, ele é um crítico aberto do foro privilegiado e do instrumento do “trânsito em julgado”. “É a liberalidade à brasileira.
Nos Estados Unidos, um juiz de primeiro grau condenou, sai dali preso.” Velloso está em Brasília desde dezembro de 1977, quando chegou aqui para assumir o cargo de ministro do Tribunal Federal de Recursos. Formado em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, ainda no estado natal, foi professor, advogado, promotor de Justiça e juiz federal. Na capital da República, ocupou cadeiras no Superior Tribunal de Justiça, no Tribunal Superior Eleitoral, até ser nomeado no Supremo, em 1990.
Ao deixar o STF, depois de 16 anos, disse que sentia como se o tivessem degolado. “Eu saí muito pesaroso, mas, seis meses depois, se me chamassem, não voltaria.” Amanhã, o ministro participará de encontro jurídico em sua homenagem, promovido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, pela Harvard Law School Association of Brazil e pela FGV Direito Rio. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Como o senhor está acompanhando a crise política, a partir deste debate sobre a judicialização das discussões?
Existe uma certa judicialização do processo político dada a omissão, muitas vezes, dos órgãos políticos. Muitas vezes, o Congresso se omite (e estamos assistindo a isso), então o Judiciário se adianta. O Supremo se adianta. No caso, por exemplo, do feto anencéfalo. É realmente uma decisão que reflete o ativismo judicial. Agora, correto? Parece-me que sim. Especificamente sobre a sua pergunta: é requerido o impeachment, é pedido impeachment.
O presidente da Câmara elaborou uma espécie de regimento, de rito; e foram ao STF. O Supremo entendeu que o rito está na Lei 1.079. Até achei interessante, porque o rito ampliava o raio de defesa, o que criou o recurso para o plenário. Então, até estranhei que se recorresse de uma medida que amplia o raio da defesa. Mas o Supremo entendeu que há de ser observado o rito e concedeu a medida liminar. No impeachment do Collor, o STF, por mais de uma vez, interveio no processo, nunca ex officio. Mas sim devidamente provocado por parlamentares.
Vê alguma similaridade entre o caso Collor e o que está em discussão no Congresso?
Porque ali havia um crime. Pelo menos na CPI do caso Collor, percebeu-se que havia montagem de uma quadrilha para roubar dinheiro público. E agora não está configurado isso envolvendo a presidente Dilma.
Há uma razão para o impeachment dela?
Fui um dos primeiros a dizer e a afirmar, quando se falava em impeachment, que não havia, até então, motivos para o impeachment.
E continua com essa opinião?
Não. Mudei meu entendimento tendo em vista a decisão do Tribunal de Contas da União. O TCU reconheceu aquilo que foi apelidado de “pedalada” — aquelas operações que consistiam, em síntese, no fato de a Presidência ter obrigado e submetido um banco estatal a pagar dívidas do governo do Estado, o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Então, a partir daquele momento, penso que surgiu um motivo determinado para o impeachment.
Há quem diga que, por ter sido no andato anterior, não seria o aso de impeachment. Mas que essas de 2015, sim. Porque seriam relativas a este exercício. O fato de haver reeleição, pode-se fazer essa distinção, uma vez ue ela não ficou nem um dia fora do cargo?
Penso que sim. Veja: a Constituição, no artigo 85, estabelece que o presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções. Isso no parágrafo 4. O artigo 85 estabelece a regra geral: são crimes de responsabilidade do presidente os atos que atentem contra a Constituição. Essa é a regra geral. E acrescenta o artigo 85: “e especialmente contra” — seguem-se os itens de 1 a 7 ou 8, se não me engano. E, no inciso sexto, está estabelecido que especialmente contra crimes de responsabilidade.
Os atos do presidente que atentem contra a Constituição e, especialmente, contra a Lei Orçamentária. A Lei de Responsabilidade Fiscal é uma lei que diz respeito ao orçamento. Você tem duas interpretações possíveis. Então, você tem que procurar aquela interpretação que seja mais condizente com a realidade social, com os valores fundamentais do sistema jurídico e com os valores e princípios inscritos na própria Constituição. Bom, a primeira regra: não pode perder o mandato se não estiver no exercício dele, claro. Segundo: não pode responder por crime de responsabilidade por atos estranhos ao exercício de suas funções.
Então, vejam: por atos praticados na vida privada, na vida social; que nada têm a ver com o exercício das funções da Presidência. Esta questão foi muito bem examinada pelo professor Adilson Dallari, que é irmão do professor Dalmo Dallari. O professor Dalmo Dallari tem opinião divergente do professor Adilson.
A opinião do Adilson Dallari lhe parece melhor?
Sim. Parece-me melhor, mais condizente com a realidade social. Então, continuemos (aliás, as observações que faço também são na linha do entendimento do professor Adilson Dallari). A Constituição exige que o ato sancionável, quer dizer, o ato que deve ser punido, tenha sido praticado por ação ou omissão culposa no exercício das funções de presidente.
Na forma do artigo 14, parágrafo 5º da Constituição, o mandato é de quatro anos. Mas o presidente, em razão de uma emenda constitucional aprovada ainda no governo do presidente FHC, em 1997, pode ser reeleito por mais um período subsequente.
Ora, decorre daí (e este raciocínio foi muito bem desenvolvido no parecer que o professor Adilson Dallari emitiu) que o presidente estará no exercício de suas funções por oito anos se reeleito. O presidente pode hoje ser reeleito por mais um período subsequente. Este raciocínio foi muito bem desenvolvido no parecer que o professor Adilson emitiu decorre daí, de que o presidente está no exercício de suas funções por oito anos se reeleito.
Então…
Sim, é um ato praticado no exercício das funções de presidente. O que a Constituição fala é no exercício das funções próprias do presidente. Toda norma jurídica comporta mais de uma interpretação possível.
Cabe então ao intérprete, desde que seja jurista, procurar realizar a melhor interpretação possível, aquela mais condizente com a realidade social e os valores fundamentais do sistema jurídico. Agora, coloco essa questão em mesa.
Será que se torna impune, no mandato subsequente, o presidente que comete o crime de responsabilidade no mandato anterior? Isso atenta contra princípios constitucionais. E o que está parecendo mais evidente. É o princípio constitucional da moralidade administrativa escrito no artigo 37 da Constituição. Essa é a minha opinião e reconheço que há opiniões contrárias de bons juristas, por exemplo, as do Dalmo Dallari.
O governo argumenta que as pedaladas também ocorreram em outros governos.
O que está na lei não é isso. E essa Lei de Responsabilidade Fiscal veio no momento em que as finanças dos estados-membros estavam arrasadas e os governadores faziam isto: faltava dinheiro no caixa do Tesouro, eles avançavam no caixa dos bancos estatais. Quebraram quase todos. O governo federal saneou e privatizou alguns, como o Banespa. Um ou outro conseguiu se salvar.
A Lei nº 1.079, de 1950, artigo 10, inciso 9º, com a alteração da Lei nº 1.028, de 2000: é crime de responsabilidade contra a lei orçamentária ordenar ou autorizar em desacordo com a lei a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação inclusive suas entidades da administração indireta ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente. O que a lei estabelece que isso é crime.
O fato de o governo pagar depois é a comprovação de que houve o crime. O fato de esse crime ter isso praticado anteriormente e não ter sido punido não justifica. Não descriminaliza o ato seguinte. Até posso dizer, com o devido respeito, que este é um argumento até pueril: “Mas fulano fez e não foi punido”.
Mas dentro da lógica do governo, o argumento é de que houve dois pesos e duas medidas.
O governo devia então processar a autoridade que anteriormente não agiu e que tinha de agir sob pena de praticar o crime de prevaricação. E depois é o seguinte, não sei se vocês viram a entrevista do representante do MP perante o Tribunal de Contas em que ele disse que o que houve foram pequenos créditos, que foram obtidos e imediatamente saldados.
Quer dizer, totalmente diferente de crédito de R$ 100 bilhões, que parece que ainda não foram cobertos, e durante o ano eleitoral, isso que agrava.
Eduardo Cunha, que está sob investigação e sofre processo de cassação, tem condições de presidir um processo dessa gravidade?
Bom, precisamos distinguir. O presidente Eduardo Cunha está no exercício da presidência da Câmara na forma estabelecida na Lei. Ele, portanto, tem o pleno exercício das competências que a lei e a Constituição conferem ao presidente da Câmara.
O fato de ele estar sendo processado na própria Câmara é realmente algo vergonhoso, até para a instituição. Porém, enquanto não se age contra ele, enquanto não se tomam as providências cabíveis legais, ele tem todo direito de estar exercendo as competências que a Constituição lhe confere, e parece até que a questão está sendo bem-posta perante o Conselho de Ética.
Já viveu um momento tão crítico no país?
Vivemos um momento gravíssimo, a economia derretendo, crise política, crise ética, essa que é terrível. Altas autoridades sendo acusadas, investigadas, altas personalidades do partido que estão no governo na cadeia, outras sendo processadas, sendo investigadas, realmente essa é uma situação muito difícil.
O que acha da atuação do juiz Sérgio Moro?
Olha, o juiz Sérgio Moro tem demonstrado muita independência, tem mostrado que é possível examinar, estudar, processar e decidir, em tempo razoável, aqueles que são levados à barra da Justiça. Então, o comportamento dele é elogiável.Sérgio Moro está prestando um grande serviço à sociedade.
Agora há outros juízes, na Justiça federal, na Justiça estadual do mesmo nível, sem dúvidas de que há, mas estamos agora nos referindo a ele, acho que ele merece todo aplauso da sociedade brasileira. Estamos assistindo a um movimento muito interessante em órgãos do Judiciário, do Ministério Público e da polícia. Estamos assistindo a essas três instituições trabalharem harmonicamente, isso é muito importante, isto quer dizer que demos um grande passo em termos de civilidade.
Por que isso não aconteceu antes no Brasil e por que isso não acontece em outros lugares?
Esta Operação Lava-Jato está representando um marco, essas três instituições que mencionei, de certa forma cansadas de serem responsabilizadas pela impunidade, resolveram agir. Mais pragmatismo e menos doutrina.
Concorda com o tempo das prisões preventivas na Lava-Jato?
Acho que sim, porque os tribunais têm mantido. Você acha que todos eles que estão presos já não requereram advogados? Eles têm os melhores, grandes escritórios de advocacia. Então, se os tribunais têm mantido, é sinal de que essas prisões têm sido decretadas com motivo, com obediência e com observâncias dos pressupostos estabelecidos em lei.
Esse pragmatismo do MP e da PF ocorre em um momento em que a impunidade é mais forte?
Eles estabeleceram um modo de colaboração, aí está o pragmatismo. Entre essas instituições, o trabalho conjunto avançou mais. Eles estão tendo a colaboração do Ministério Público de outros países, da Suíça, do MP americano. Veja como passaram a agir. Cansados de serem responsabilizados pela impunidade, estão sendo mais pragmáticos, estão procurando modos de realizar. Prova que é elogiável.
Que paralelo faz do Supremo da sua época e o de agora?
Você tinha realmente uma composição mais conservadora. Aliás, quando entrei, encontrei uma composição mais conservadora, que foi, aos poucos, não deixando de ser conservadora, mas se abrindo. E quero raciocinar estritamente em termos jurídicos. Por exemplo, quando ingressei no Supremo, em 1990, o mandado de injunção, que é uma garantia constitucional, não era reconhecido como tal.
Com o passar do tempo, o mandado de injunção foi adquirido às galas de garantia constitucional. Hoje, ostenta essas galas. É nesse sentido que digo que a composição conservadora foi se abrindo. Estou raciocinando estritamente em termos jurídicos. E, em outras questões também. A composição do meu tempo admitia a prisão antes do trânsito em julgado da sentença.
Isso só foi alterado em 2006. Aliás, fiquei vencido, porque sustento a tese, e sustentava em companhia de Paulo Brossard, do Sepúlveda Pertence, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Francisco Rezek, ministros do maior nível. Então sustentava essa tese, sustento até hoje. Porque o que a Constituição consagra é uma presunção de inocência, não é uma certeza. Então, veja, você está condenado no primeiro grau, apela, o segundo grau confirma aquela sentença, daí pra frente, os recursos são puramente jurídicos.
Quer dizer, nem o STF nem o STJ vão apreciar a justiça da decisão, porque não vão apreciar as provas, não vão apreciar os fatos, somente a matéria jurídica. Essa presunção de inocência diante de duas acusações, tendo uma de colegiado?
Meu Deus, ela está pelo menos, na melhor das hipóteses, fortemente abalada. E sem possibilidade de a Justiça dar a decisão sem ser examinada. Vocês assistiram à conclusão do júri da chamada chacina de Unaí, viram as queixas das viúvas? A dizer “Mas condenados? E parece que pela segunda vez… E saem livres? Aguardando recursos e mais recursos?” Isso quer dizer, aos olhos da sociedade, impunidade!
Por que o STF não mudou isso naquele período?
Então, pergunto: será que o Supremo, durante quase 20 anos, estava decidindo errado? Questão de interpretação. Uma composição que se fechava mais cedeu lugar a uma composição mais aberta? Quem está certo?
Mas o país perde? A sociedade perde?
Vem perdendo desde 2006. Eu acho que a sociedade reclama não é? E, tendo em vista a morosidade da Justiça, muitos desses caem na prescrição, na prescrição chamada retroativa, na prescrição da pena. Eu acho que o direito realmente deve ser visualizado numa tríplice: fato, norma e essência, valor. Quer dizer, sociologicamente, sob o ponto de vista do direito e tendo em vista os valores que precisam ser preservados e garantidos.
Aumentar o tempo das prisões preventivas não funcionaria como uma punição de poderosos antes da condenação final?
É, quando a prisão sem condenação representa uma punição sem condenação, sem dúvida alguma. Agora, a lei estabelece os pressupostos de que, se ocorrentes, levam ao decreto dessa prisão preventiva.
O que é preciso compreender é que a Justiça tem dois pratos. Em um dos pratos, estão os sagrados direitos individuais, os sagrados direitos da pessoa humana. No outro prato, estão também os não menos sagrados direitos da sociedade. O bom juiz é aquele que realiza esse equilíbrio, esse é o bom juiz. Quando mencionei o episódio das viúvas do caso de Unaí, logo vem a palavra “impunidade”.
É o que a sociedade diz. Então, acho que, a questão posta nos termos em que está posta, prisão apenas depois do trânsito em julgado, viola o que a sociedade aspira, viola esse não menos sagrado direito da sociedade.
Como mudar isso? Há uma forma de o STF rever essa questão? Esse debate voltou à pauta?
Esse debate está na pauta porque a sociedade está aí a reclamar e aplaudindo, por exemplo, quando ela percebe que tem juiz agindo com mais pragmatismo e menos doutrina. Vou mencionar uma questão bem forte, uma questão que mostra que o STF já evoluiu nessa matéria de trânsito em julgado, que foi no caso da Ficha Limpa.
O STF vinha decidindo pela inelegibilidade somente por condenação passada e julgada, lembram? Veio a Ficha Limpa e estabeleceu condenação por órgão colegiado de segundo grau. Portanto, o STF admitiu. Reformulou no particular a sua jurisprudência.
O STF não pode agir de ofício?
Não, de ofício não. A Justiça deve ser sempre provocada, com argumentos convincentes, com argumentos sérios, pode sim. No caso, por exemplo, da Ficha Limpa foi assim. Aliás, sempre sustentei que poderia. Estávamos assistindo a absurdos.
Diante da realidade que vivemos, somos o país da impunidade?
Veja. A ministra Ellen Gracie, num voto que proferiu no STF — vou voltar ao problema do trânsito em julgado, porque está gerando essa sua pergunta — disse que realizou pesquisa: a exigência do trânsito em julgado para o cumprimento efetivo da decisão, da sentença. É também uma jabuticaba. É a liberalidade à brasileira. Nos Estados Unidos, um juiz de primeiro grau condenou, sai dali preso.
Há o que ser feito para mudar?
É só ser provocado em um habeas corpus, por exemplo…
Por que ninguém pede isso?
Deve ter aos montes e está engavetado. É preciso uma provocação.
Voltando ao impeachment: falar nisso não é “sacrificar as instituições no altar da política”, como disse o ministro Barroso?
É claro que o impeachment é algo que realmente abala. Sem dúvida nenhuma. Agora, falar que é golpe é ignorar que é uma medida prevista na Constituição. Agora, a Constituição formula, dá a solução. No parlamentarismo, nós estamos assistindo ao primeiro-ministro da Romênia cair porque a boate pegou fogo e matou 20 e tantas pessoas. Aqui, foram quase 300, não é? No parlamentarismo, o primeiro-ministro grego, em julho, momento mais cruciante da economia, ele convocou novas eleições.
“Vamos ver se o povo acha que estou certo.” Porque o cargo de presidente da República, o cargo de ministro do Estado, é emprego. O povo colocou ali, um gabinete, o primeiro-ministro, o presidente da República para governar, fazer feliz o povo, a população. Se não está correspondendo, meu Deus.
Mas não vivemos em um parlamentarismo.
Mas no presidencialismo a solução está na Constituição, que é o impeachment. É a solução constitucional. Só para concluir. Essa preocupação, claro, ela existe, sim, porque o impeachment, ele agita. Mas é a solução constitucional, quando ocorrente, o pressuposto, quando ocorrente, o motivo.
O primeiro impeachment que houve no mundo, relativamente a um presidente da República, foi no Brasil, do Collor. A pátria do impeachment é a Inglaterra e os Estados Unidos. Originariamente, na Inglaterra, as famosas revoluções inglesas, Revolução Puritana, Revolução Gloriosa. Mas lá não teve ainda impeachment, teve de muitos juízes nos Estados Unidos, mas de presidente não concluíram. Teve no Brasil. O Clinton quase que foi, criou aquela história de que não houve penetração… E foi um grande presidente, a economia americana estava lá em cima.
O Nixon estava realizando uma grande administração de política externa. Foi ele que se aproximou da China, fez aquela famosa viagem para Pequim. Porque mentiu, ele ia ser submetido a impeachment. Renunciou para não ser. Comandante do maior exército do mundo, maior marinha do mundo, maior aeronáutica do mundo.
Estão fazendo um grande “bicho” em cima do pedido de impeachment?
Ah, sim. Eu raciocino nesses termos. Se existe motivo, cumpra-se o que está na Constituição.
È contra o foro privilegiado?
O foro privilegiado, como o nome já até está dito, foi a sociedade que apelidou, porque o nome dele mesmo é foro por prerrogativa de função. A sociedade, então, é que apelidou e pegou. É um privilégio para algumas autoridades.
Há quem diga que, depois do mensalão, parte da sociedade pelo menos começou a rever isso.
Pois é. Precisávamos realizar, reformular isso do trânsito em julgado. O juiz natural é o juiz de primeiro grau. É aquilo que é normal. Todos devem julgados por um juiz. Por que uns vão ter um foro diferente? Sabe por que nós temos foro privilegiado? Porque nós somos império. Isso é antirrepublicano, são resquícios da monarquia em uma república. Os Estados Unidos, que nunca foram império, sempre foram república, lá não existe isso, foro privilegiado.
O ministro Joaquim Barbosa disse que o TSE não teria autoridade de tratar do presidente porque parte dos seus integrantes advogam durante o dia e à noite atuam como juízes. Concorda?
Bom, primeiramente quero dizer que a sociedade brasileira ficou devendo ao Joaquim Barbosa um grande serviço que ele prestou. Foi relator do mensalão, do processo do mensalão, procedeu com muita competência, com muita seriedade, levou aquilo para a frente. Então quero dizer que tenho pelo Joaquim Barbosa muito respeito por isso. Mas, nessa afirmativa que ele fez, eu divirjo dele.
Por quê?
Porque, afinal de contas, os representantes da advocacia que estão ali estão na forma da Constituição. Foram escolhidos na forma da Constituição, escolhidos em lista tríplice elaborada pelo Supremo Tribunal Federal. Eu fui corregedor-geral da Justiça Eleitoral. Do TSE, fui presidente duas vezes e, pelo que eu pude observar, os juízes do TSE oriundos da advocacia prestam excelente serviço à Justiça Eleitoral.
Confia na segurança das urnas eletrônicas?
Eu escrevi até um artigo numa revista do TSE sobre um pouco da urna eletrônica, porque as urnas eletrônicas foram na minha gestão. Um rapaz novo, nas redes sociais, disse “é fácil interferir e tal”. Eles partem do pressuposto de que a urna eletrônica está on-line, mas não está, e não há possibilidade de um hacker invadir. Agora, qualquer coisa que é feita pela mão humana pode ter erros.
Dizem, até os computadores da Nasa podem ser invadidos por hackers. Primeiro, eles estão on-line, assim como os bancos, as empresas aéreas, mas a urna não está on-line. A urnas são seguras. Na presidência do Carlos Ayres Britto, ele colocou as urnas uma semana à disposição dos hackers. Eles não conseguiram. É um absurdo que nessas redes sociais digam que Toffoli teria fraudado a urna. Para ele fazer uma coisa dessa, precisaria ter corrompido, pelo menos, metade da Justiça Eleitoral.
Defende a menoridade penal?
Sou favorável a menoridade penal, pelo seguinte: essa maioridade penal em 18 anos foi fixada na década de 40 com o Código Penal de 1940. De lá para cá, vem sendo observada a Constituição de 1988, e então chegou a mencionar que ela só pode ser quebrada por emenda constitucional.
Por que sou favorável? Porque o jovem da década de 1940 tinha infinitamente menos informação que o jovem do século 21, dos anos 2000. O jovem do século 21 tem computador, tem celular, TV aberta,uma mídia moderna e atuante, que o jovem de 1940 não tinha. Então, é razoável que em 1940, 1950, 1960 ou 1970 essa maioridade fosse de 18 anos. Agora, em pleno século 21, com o jovem tendo todas as informações, como nós sabemos, a delinquência nessa faixa de 16,17 tem sido intensa, homicídios sendo praticados, figuras de arrastões com crimes contra o patrimônio, e esses jovens sendo explorados por maiores de idade, verdadeiros criminosos.
Eles são, então, detidos, não têm responsabilidade penal, são inimputáveis, e eles estão livres. Acho até uma hipocrisia. “Ah, mas a prisão resolve?” A prisão não resolve! “Ah, então fecha todas as penitenciárias também!” Mas é o único meio que se tem para punir, e a cadeia é reservada para os perigosos, na minha opinião. Então, aqueles delinquentes de 17 ou 18 anos, perigosos, devem ir sim, para a cadeia, devem sim ser apartados para que a sociedade, os homens de bem, vivam mais tranquilos.
O senhor está aposentado desde 2006? Sente muita saudade?
Quando deixei o Supremo, em janeiro de 2006, fará 10 anos daqui a dois meses, achei que estava sendo degolado. Deixei com muito pesar. Queria continuar. Por quê? Estava em pleno vigor físico e mental.
Até hoje jogo tênis, pratico esporte. Saí muito pesaroso e, nos primeiros meses, achava que tinha sido degolado. Seis meses depois, se me chamassem, eu não queria mais voltar. Depois recomecei a advogar a convite de meu filho. Até hoje, tenho uma atividade intensa aqui no escritório na parte de pareceres.
Brasília ou Minas?
Fico com as duas. Vim para cá em dezembro de 1977, com a esposa e os quatro filhos. Amo muito esta cidade, mas meu coração fica dividido quando me perguntam se prefiro aqui ou BH. Sou de Entre Rios de Minas, passei minha infância em Entre Rios e Abre Campo. Meu pai era promotor.
Em 46, foi aprovado no concurso de juiz, então voltamos para Entre Rios e meu pai assumiu o juizado de Teófilo Otoni. Em 1950, fomos estudar no Colégio Santo Antônio, em São João del-Rei, outra cidade que marcou a minha vida. Meu primeiro discurso na vida foi feito para Tancredo Neves, em 1953, ele era ministro da Justiça do Getúlio. Tancredo estudou no Colégio Santo Antônio, tinha muita estima pelo colégio e fez uma visita oficial, como ministro.
O diretor me incumbiu de fazer o discurso. Tinha 17 anos. Então, falei com o frei, diretor: “Não posso, não sei fazer”. Ele disse, pode e sabe. Senta, vai escrever o discurso e ninguém vai te ajudar. Antes de cursar direito, fiz filosofia. Fui aluno do professor Arthur Versiani Velloso. Era uma grande expressão da filosofia. Fiquei embevecido com as aulas. Não concluí o curso por causa dele.
Um dia ele chegou e falou: “menino, vem cá, seu lugar é lá, e apontou para a faculdade de direito. Achava que minha vocação era lá mesmo e mudei de vida. Na segunda-feira, serei homenageado pela Harvard, pelo Tribunal de Justiça do Rio e pela FGV pelos 40 anos de magistratura. Acho que fiz a escolha certa.
http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2015/11/08/internas_polbraeco,505501/carlos-velloso-a-operacao-lava-jato-representa-um-marco.shtml
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