Nessas últimas duas semanas, o
mundo focou sua atenção novamente para Paris. Dessa vez, não por conta de uma
tragédia, mas, sim, com um quê de esperança. Após cerca de três anos
discutindo, os Estados definiriam um acordo, uma estratégia a ser implementada
após o término do Protocolo de Quioto, em 2020.
Vou sair aqui da retórica fácil
que muitos veículos internacionais utilizaram, falando que os encontros
climáticos anuais parecem o famoso filme “Feitiço do Tempo” (Groundhog Day), estrelado por Bill
Murray, onde um homem acorda todo dia preso no mesmo dia e repete seu cotidiano
de novo, de novo e de novo. De fato, podemos ver uma lógica nessa argumentação,
pois os avanços são pequenos, quase imperceptíveis. E desses que falarei aqui
hoje: das pequenas vitórias.
Escrevo esse texto com uma hora
do lançamento do acordo final da conferência. Não houve nem mesmo sua votação
final ainda – ou seja, é possível que você, leitor, nem mesmo venha a ler essas
palavras dado que elas perderão o sentido no caso do acordo não ser aprovado.
Mas ao ler esse texto final, é impressionante como o conceito de pequenas
vitórias fica explícito: comparando os acordos desde 2009, em Copenhague (e
falamos, aqui, portanto, de 6 anos de discussões), as únicas coisas realmente novas que foram introduzidas
em Paris foram:
- Uma ambição aprimorada, focando em um limite máximo de aumento de temperatura média global de 1,5°C (comparada a anterior, definida em 2010, de 2°C);
- Que os INDC (os compromissos voluntários que cada um dos países começou a fazer a partir do ano passado para reduzir suas emissões) sejam revistos a cada 5 anos, a partir de 2018;
- E que haja um novo órgão que monitore o sucesso dos INDC vis-a-vis o que o IPCC fala; ou seja, que bata os números que os países estão atingindo com o que os cientistas dizem que precisa ser feito.
(para ampliar a imagem: clique aqui)
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Isso é ruim? Não. São de fato
pequenas vitórias. Uma ambição de teto de temperatura de 1,5°C é muito melhor do que o cenário anterior,
de 2°C, se formos comparar as previsões de alterações sócio-ambientais
decorrentes desse aumento. Ela não pode, de forma alguma, não ser louvada. Um
órgão para monitorar e centralizar as informações dos INDC, além de sua revisão
periódica, é muito interessante, pois irá pressionar pelo aumento de ambição
voluntária individual desses países. Muito interessante.
Mas, infelizmente, não basta. O
início deste dezembro em Paris mostrou claramente quando pequenas vitórias são
apenas pequenas vitórias. Em uma análise emitida nessa semana, cientistas
europeus afirmam que o atingimento de 1,5°C como limite máximo de aumento
significa transformar o planeta Terra em carbono-neutro em 35 anos. Emissão
líquida zero. Outras análises, no seio da conferência, é que o valor total de
investimento para que atinjamos um número assim não está na ordem dos bilhões,
mas sim dos trilhões de dólares.
Sobre isso, inclusive, o texto
final reforça a necessidade de um investimento de US$ 100 bi/ano para que
atinjamos esse objetivo. Esse número, também, não é novo. Foi primeiramente
acordado em 2012, em Doha. Desde sua institucionalização em dezembro de 2013,
ele já levantou US$ 10,3 bi – uma quantia razoável, mas cerca de 5% do que
deveria ter captado nesse período.
As pequenas vitórias são mais
“pequenas” do que “vitórias” não pela falta de capacidade, arrojo ou mesmo
vontade dos negociadores. Não se esperava um processo fácil, pelo contrário.
Estamos falando sobre algo (quase) inédito na história da civilização humana, a
necessidade de se estabelecer um consenso em escala planetária sobre um tema
que afeta diretamente a forma como nós vivemos e produzimos em sociedade. A
solução certamente não “cairia no colo” automaticamente.
Mas, a despeito disso, a boa
ambição desse ano está descolada de um mapa claro de como atingi-la. Os INDC
foram uma alternativa interessante pensada no ano passado para que os países
viessem a se comprometer aos poucos, ao longo desse ano, mostrando suas cartas.
A partir do INDC, tivemos o interessante acordo sino-americano no início de
2015, a corajosa meta brasileira e até a recente mudança de postura da
delegação canadense, que viria a incentivar o novo teto de 1,5°C. Logo, o INDC
deve ser louvado como uma boa ideia que rendeu frutos.
Mas louvá-lo não é perpetuá-lo,
substituí-lo pela necessidade de um acordo vinculante global. O INDC continua
sendo voluntário. E é uma comunicação de intenção,
não da ação em si. Se o Brasil “mudar de ideia” e não quiser seguir sua meta de
43% de redução até 2030, ok, é isso aí. Além disso, como bem explorado antes da
reunião, mesmo que os compromissos voluntários enviados para essa conferência
sejam integralmente atingidos, ainda
assim ficaríamos aquém da meta de 2°C – quiçá de 1,5°C.
Paris mostrou que pequenas
vitórias são, por vezes, apenas pequenas vitórias porque há situações, momentos
específicos de nossa história, que precisamos da disrupção. Os últimos 6 anos,
viúvos ainda do desastre de Copenhague, mostraram claramente a tímida postura
da média dos delegados globais, de tentar jogar para a opinião pública
internacional sua preocupação e seus avanços, mas em uma velocidade, escala e
efetividade ainda bastante aquém do que é necessário.
Estaria sendo leigo, quase
leviano, ao tentar definir aqui, nessas poucas linhas, qual seria, então, o
“mapa” para atingir essa nova boa ambição. Mais uma vez, o processo é, sim,
complexo, demanda consenso e conta com uma quantidade de atores impressionante.
Acompanhando a repercussão, hoje, em um grande portal de notícia, vi um
comentário de um internauta (sob o olhar entre a comicidade e incredulidade que
tais comentários geralmente despertam): “O modelo técnico-político de tomada de
decisões sobre o clima precisa mudar”.
A pergunta, sem resposta ainda,
é: qual a alternativa?
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