O Estado de S. Paulo - 03/06
Só quem não prestou atenção total ao debate sobre os escândalos de corrupção no Brasil pode ter-se surpreendido com a espetacular prisão pelo americano Federal Bureau of Investigation (FBI) de sete “cartolas” da Fifa, entre os quais o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), José Maria Marin, em Zurique, na Suíça.
Só quem não prestou atenção total ao debate sobre os escândalos de corrupção no Brasil pode ter-se surpreendido com a espetacular prisão pelo americano Federal Bureau of Investigation (FBI) de sete “cartolas” da Fifa, entre os quais o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), José Maria Marin, em Zurique, na Suíça.
Afinal, um dos
melhores e mais bem informados especialistas na área do Direito que lida
com esse tipo de fraudes no Brasil, Modesto Carvalhosa, vem há algum
tempo advertindo para a possibilidade de intervenções remotas da Justiça
americana, no exterior. Em artigos nesta página e entrevistas à
imprensa e às emissoras de rádio e televisão, ele tem advertido que,
sendo o Brasil signatário de um pacto internacional anticorrupção,
acusados de fraude que não tenham sido justiçados aqui poderão sê-lo em
qualquer outro país lesado, entre eles os Estados Unidos.
As advertências feitas pelo advogado dizem respeito especificamente à roubalheira que atualmente mantém o monopólio das manchetes dos jornais e dos noticiários de rádio e televisão e das capas de revistas: em troca de garantia de ganhar licitações e de poder superfaturar obras da Petrobrás, grandes empreiteiras pagaram propinas a gerentes e diretores da estatal e a políticos de partidos aliados do governo que os nomearam apenas para esse objetivo.
As advertências feitas pelo advogado dizem respeito especificamente à roubalheira que atualmente mantém o monopólio das manchetes dos jornais e dos noticiários de rádio e televisão e das capas de revistas: em troca de garantia de ganhar licitações e de poder superfaturar obras da Petrobrás, grandes empreiteiras pagaram propinas a gerentes e diretores da estatal e a políticos de partidos aliados do governo que os nomearam apenas para esse objetivo.
Tramitam na Justiça americana ações movidas
por investidores que acreditaram no perfil sério e competente de nossa
petroleira e se sentiram logrados depois que tiveram notícia do mar de
lama em que a companhia afundou, num caso de furtos sem paralelo na
História da humanidade.
Petróleo, evidentemente, nada tem que
ver com futebol. No entanto, ninguém precisa sequer acompanhar o
noticiário esportivo para ficar sabendo que o esporte mais popular do
mundo é administrado por uma federação cuja fama em matéria de
malversação de recursos é enorme. Mas a Fifa passava incólume por
processos judiciais, apesar de suspeitas, devassas e investigações.
Agora o que Carvalhosa diz, sem que ninguém dê atenção a seus avisos –
nem o governo, nem a oposição ou a cúpula dos Poderes Legislativo e
Judiciário tiveram a sabedoria de lê-lo e ouvi-lo –, se confirmou na
ação do FBI, com ajuda da polícia suíça, no suntuoso hotel Baur au Lac. A
ação policial não alterou o resultado previsto do pleito de que de novo
saiu vencedor o suíço Joseph Blatter. Mas, além da temporada dos
finórios “cartolas” nas prisões helvéticas, a batata do chefão torrou:
ele teve de pular fora. Após a reeleição, tinha acusado os americanos de
estarem se vingando pela escolha do Catar para sediar a Copa de 2022 em
vez do país deles. Como dizia vovó, “desculpa de cego é feira ruim e
saco furado”.
A versão de Blatter mostra que ele aprendeu esse
truque no Brasil, onde foi disputado o Mundial da Fifa no ano passado.
Pois essa sua tentativa de ficar de fora do episódio é similar às
acusações feitas por Renan Calheiros, Eduardo Cunha, Fernando Collor e
Antonio Anastasia contra o Ministério Público Federal (MPF), que
investiga a eventual participação deles no esquema chamado de petrolão. A
questão é que, tanto cá quanto lá, não importa a motivação, mas a
consequência dos inquéritos. MPF aqui e FBI lá têm de provar a culpa dos
acusados – alguns presos. Quem for inocente comemorará e quem não for
purgará pena, como manda a lei.
O Brasil tem importância capital
na ação judicial e na operação policial nos EUA. Um importante
informante é o patrício José Hawilla, ex-repórter de campo, um dos
nababos das negociações milionárias do futebol profissional, agora réu
confesso em quatro crimes e delator premiado, que aceitou devolver parte
do dinheiro devido ao fisco americano. A História registra que foi um
Imposto de Renda mal declarado que levou o chefão mafioso de Chicago Al
Capone à prisão. Impune pelos atos de violência, o chefão caiu por
delito fiscal.
Por aqui a coisa é bem diferente. Em visita ao
México, feita para incrementar relações bilaterais esfriadas pelo
combate de seu antecessor à Alca, a presidente Dilma Rousseff disse que o
futebol brasileiro “só se beneficiará dessa investigação”. Não contou
como nem por quê. Além de ter omitido a obviedade de que nenhuma melhora
na prática futebolística no País compensará a imagem negativa produzida
para esta e para o Brasil pelo fato de ultimamente só ter merecido
destaque no noticiário internacional a corrupção sem freios.
Antes de a chefona voltar, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo,
pôs a máquina do marketing policial para funcionar anunciando
investigações da Polícia Federal (PF), cuja reputação anda em alta por
causa da Operação Lava Jato. Sua intenção óbvia é fingir que o governo
manda numa instituição de Estado que não precisa de ordens do Executivo
para atuar. Além da patacoada presidencial e da ordem cínica, o governo
expôs à Nação uma das mais espetaculares provas de incompetência dadas
por qualquer fisco: a Receita Federal anunciou que investiga fraudes no
total de R$ 4 bilhões no futebol desde 2002. Dá para acreditar?
Investigar por 13 anos fraudadores que o FBI levou meses para prender?
Romário de Souza Faria, o craque da Copa que o Brasil venceu nos EUA em
1994, conseguiu as assinaturas para abrir comissão parlamentar de
inquérito (CPI) no Senado para investigar a CBF. Ótimo! A questão é: se a
CPI da Petrobrás aguarda melancólico fim com cheiro de pizza depois de
PF e MPF terem feito o trabalho pesado, o que esperar da repetição de
uma CPI que já houve antes e teve fim igual?
Sem precisarem mais
ler nem ouvir o aviso de Carvalhosa, os Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário podem aprender com a ação do FBI contra a “bola suja” e
abortar, se é que estão mesmo tentando sabotar a Operação Lava Jato,
outra, que é chamada, em concessão à escatologia em voga, de “bosta
seca”. Tempo de fazer justiça aqui mesmo há.
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