Gangala na Bodio e a domesticação de elefantes africanos
- terça-feira, 26 janeiro 2016 01:52
Como bem se sabe, este nobre animal foi muito utilizado em toda classe de fainas e em especial na guerra e, até agora, existe domesticado em muitos países dessa região. O que é bem menos conhecido é que no Congo colonial foi empreendida com sucesso a tarefa de domesticar o elefante africano.
Na atualidade, esse empreendimento é anedótico, embora, levando-se em conta a dramática matança desses animais em curso, a domesticação possa ser considerada como alternativa para sua sobrevivência. Por coincidência, o autor foi colega de um dos últimos funcionários desse programa, que, muitos anos depois, foi um dos mais importantes precursores das áreas protegidas e do manejo da fauna silvestre no Peru. Por isso, porque é interessante e porque é uma forma de render homenagem a Paul Victor Pierret, meu amigo nascido no Congo agora radicado no Peru, passo a relatar brevemente a história.
Nos fins do século XIX, a Bélgica administrava o amplo território que hoje se conhece como República Democrática do Congo. Numa época em que o elefante asiático era amplamente aproveitado para trabalhos pesados, incluída a exploração florestal, houve quem no Congo questionasse por que não se aproveitava o elefante africano naquela época tão abundante. E de fato, em 1900, foi enviada uma missão técnica para estudar a possibilidade.
O resultado foi que em 1904 se instalou um programa de domesticação do elefante que mudou de lugar duas vezes, uma em 1912 e outra em 1927. Até então, não se tinha progredido muito, mas as bases do trabalho futuro foram bem estabelecidas.
A Estação de Domesticação de Elefantes foi finalmente implantada em Gangala na Bodio, muito perto da área que logo seria o famoso Parque Nacional da Garamba (1938), na província de Bajo Uele, ao norte do Congo e fronteira com o Sudão. A gestão da Estação passou por várias reformas, e foi apenas em 1932 que adquiriu funcionalidade plena, até que em 1952 passou a ser denominada Estação de Fauna.
O trabalho com os elefantes em Gangala na Bodio foi contínuo desde 1927 até a independência, em começos dos anos 1960.
O momento mais difícil do processo de domesticação era a captura de indivíduos jovens. Embora fossem juvenis, tratam-se de animais enormes que são muito ágeis. Ademais, há que se lembrar que naquela época não existiam tranquilizantes que, na atualidade, tornam quaisquer capturas fáceis. Testou-se diversas opções como fossas, redes e cordas. Apenas o uso de cordas funcionou adequadamente. Usavam cordas de três tipos para laçar as patas, para os ombros e outra, mais grossa, para o pescoço.
Complementavam o time um elefante monitor já domesticado e seu cornac. A captura se fazia com muito pessoal, incluindo um grupo de batedores, um grupo de corredores laçadores e um grupo de proteção ou para emergências. Os batedores escolhiam um grupo de elefantes, preferentemente grande, pois nesse caso a intervenção provoca mais confusão e as mães dos jovens os perdiam de vista, reduzindo o risco de que atacassem aos laçadores.
Os laçadores se colocavam a espreita no terreno e, correndo atrás e ao lado do exemplar escolhido, procuravam laçar as patas, em seguida os ombros e finalmente o pescoço, usando o auxílio de alguma árvore para detê-lo. O elefante monitor era de imediato conduzido até o animal capturado para tranquilizá-lo, o que funcionava eficientemente. Tratava-se de uma operação perigosa, com frequentes acidentes, pois havia vezes que a mãe ou a manada completa regressava para atacar a equipe, o que era controlado com disparos no ar ou até mediante uso controlado de fogo.
Os animais capturados, em fevereiro e março, eram levados até a estação onde permaneciam em calma, embora com presença humana e de elefantes já domesticados, até julho, quando começava o adestramento que, na sua etapa inicial, apenas incluía obedecer a quatro ordens: deitar, levantar, avançar e alto. Em geral, em setembro, os animais capturados já obedeciam e conviviam bem com os demais. O processo, por certo, continuava além desse período inicial.
Por segurança, eram guiados na floresta só depois do quinto ano. Em 1932, já existiam 110 elefantes que se consideravam domesticados e que recebiam dos seus guias ou cornacs todo o bem estar necessário, desde alimentação e banhos até cuidados sanitários. Um dos problemas que o programa enfrentou era a incursão de elefantes machos selvagens das redondezas em procura das jovens fêmeas do plantel.
Tecnicamente, se considera que o processo de domesticação é completo quando a espécie se reproduz em cativeiro. Em Gangala na Bodio houve alguns nascimentos, mas não o suficiente para considerar completado o processo. De fato, a reprodução do elefante africano é rara em cativeiro de zoológicos.
Com a independência, o programa de domesticação do elefante africano terminou abruptamente. Os cornacs, após várias gerações de dedicação, estavam tão familiarizados com os seus elefantes que ante o avanço dos rebeldes eles fugiram levando-os, para evitar que fossem massacrados. Mas, de fato, não sobrou nenhum. O governo congolês manteve a estação como reserva de fauna, que existe até o presente.
Cabe se perguntar se essa história traz alguma lição para proveito atual. Obviamente não faz sentido domesticar-se elefantes no intuito de aproveitá-lo como animal de carga. Mas, como mencionado, levando-se em conta os muitos milhares de elefantes que em toda África são massacrados a cada ano a procura do marfim, a sua domesticação hoje muito facilitada pela disponibilidade de técnicas de captura modernas, poderia ser uma forma diferente de evitar-se sua possível extinção.
Uma utilidade poderia ser como na Ásia a observação da fauna dos parques nacionais das savanas a lombo de elefante, ao invés de fazê-lo em barulhentas camionetes.
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