A nova lei causou confusão: São Paulo está privatizando seus parques?
O Blog do Planeta conversou sobre o assunto com Ana Luisa Da Riva, diretora executiva do Instituto Semeia. O Semeia defende a concessão de parques para o setor privado e trabalha com a criação de contratos e editais no setor há cerca de cinco anos. Ana Luisa diz que a lei não privatiza os parques, considera o projeto aprovado um avanço, mas vê alguns problemas, como o risco de criar "ilhas muito bem estruturadas para o turismo e parques mal conservados".
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ÉPOCA - Faz sentido conceder parques à iniciativa privada?
Ana Luisa Da Riva - De uma maneira em geral, é caminho o correto. A gente tem hoje um sistema de unidades de conservação que está completamente falido. São Paulo não é diferente, o Estado não tem recursos para manter esse sistema, não tem como garantir uma estrutura mínima para que esses parques cumpram seu papel social. Quando olhamos para vários lugares do mundo, vemos que há muitos modelos de parcerias com o setor privado para apoiar o governo em prestação de serviços de atividades de conservação. Se aproximar do setor privado não é uma coisa nova, ninguém está inventando a roda. Já acontece lá fora, mas aqui no Brasil ainda estamos num debate incipiente e errado, como se fosse fazer privatizações.
ÉPOCA - Não é privatização?
Ana Luisa Da Riva - Não é. Privatização pressupõe uma alienação de bens, como a que foi feito com a telefonia. Nessa lei, os parques e as florestas continuam como propriedades públicas. O governo continua com a função suprema de dar as regras, monitorar, fiscalizar e ser o gestor. Simplesmente ele assume que precisa de braços, de parcerias com o setor privado para prover uma série de serviços – o turismo, a gestão dos recursos florestais –, os quais o governo não tem competência para fazer sozinho. Mas as terras são públicas. Ou seja, além de a gente ter começado essa agenda tardiamente, a gente começa com o debate errado. O debate poderia ser proativo, sobre os cuidados necessários para garantir que os parques gerem benefícios. Eu entendo que estamos no caminho certo, mas com a discussão errada.
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ÉPOCA - Uma parceria prevê direitos e deveres para os dois lados, tanto do governo quanto da iniciativa privada. No caso dos parques, o que passa a ser a responsabilidade de cada um?
Ana Luisa Da Riva - Eu não poderia deixar de colocar um pouco a visão que o Semeia tem, e aí vem nossa maior crítica ao projeto. Nossa visão é que os parques existem para cumprir duas funções socias: a primeira é a conservação. Não só da biodiversidade, mas também de valores históricos, sociais e culturais. Você não pode imaginar nenhuma intervenção nesses parques que destrua esses valores.
A segunda é a geração de oportunidades do entorno. Excluir o tecido social que está no entorno também não é benéfico. A concessão tem de partir da premissa que a conservação do parque e os benefícios para o entorno têm de ocorrer. A gente enxerga o turismo como uma ferramenta para gerar fluxo de caixa, para que essas funções sociais possam ser buscadas. Tudo bem o parceiro privado ter lucro. Mas ele precisa também conservar e desenvolver o entorno. Se você sabe quais são as demandas de conservação, o lucro é a solução, não o problema. O problema vem quando você tem uma visão utilitarista da concessão. É o risco de se criarem ilhas muito bem estruturadas para o turismo e parques mal conservados.
ÉPOCA - O projeto aprovado em São Paulo tem essa visão utilitarista?
Ana Luisa Da Riva - O texto poderia ter deixado isso mais bem amarrado. Está no caminho certo, mas poderia ter deixado o turismo como ferramenta, não como fim. No modelo em que o Semeia defende, o serviço prestado, o objeto contratual, é a entrega da conservação e da geração de oportunidades no entorno. Essa entrega é feita por meio do fluxo de caixa gerado pelo turismo. Não é o turismo a entrega final. Já na lei, o turismo é o objeto fim. Ele poderia ter sido mais ambicioso em amarrar esses anseios de conservação.
ÉPOCA - Como as concessões são feitas no exterior? Nós conhecemos algum bom
modelo, que sirva de exemplo para o Brasil?
Ana Luisa Da Riva - Temos o modelo dos parques americanos, que eu diria que tem muitas falhas. Essas falhas são importantes porque nos mostram o que não fazer. O sistema americano tem 100 anos. Recentemente o presidente Barack Obama fez um discurso em que ele elogiou os visionários que, há um século, decidiram investir em parques. O modelo americano é importante. Tem falhas, porque em muitos casos o turismo excedeu, deixou de ser sustentável e prejudicou a conservação. Mas é um aprendizado. Podemos não repetir os erros. Isso é uma inspiração.
A África do Sul tem um sistema muito bacana de gestão com as comunidades. Os parques são palco de concertos culturais, de congressos; eles foram democratizados, as pessoas vão aos parques. Há casos de parques cogeridos por comunidades. No sistema sul-africano, 80% dos recursos vêm das concessões. Eles começaram isso há 15 anos, na preparação para a Copa do Mundo [de 2010]. Lá também teve resistência, medo de que as concessões virassem privatizações, mas hoje os parques funcionam e o modelo não é mais questionado. Nova Zelândia, Austrália, Namíbia, Argentina, Chile... são vários países com um histórico de parcerias e concessões.
ÉPOCA - Com as concessões, as empresas poderão cobrar a visitação. Como garantir que os parques não fiquem elitizados?
Ana Luisa Da Riva - É absolutamente importante que não haja elitização dos parques, e que haja benefícios no entorno, a emancipação do entorno. Em muitos casos, pode de fato ser importante ter cobrança para visitação. Obviamente essa cobrança terá um limite definido pelo governo. Não é o setor privado que define isso. Também é preciso ter uma política de isenção tarifária.
Isenção para idosos, para estudantes, para municípios vizinhos, para pessoas que recebem Bolsa Família. Para os que não se incluem nessas categorias, é o princípio do protetor-recebedor. Se você está recebendo um parque bem cuidado, conservado, é justo pagar. O visitante paga, mas também quer ver o parque bem cuidado e com estrutura.
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